sábado, 31 de dezembro de 2011

"Sísifo" - Poema de Miguel Torga


Titian (Tiziano Vecellio), "Sísifo", c. 1548-1549



Sísifo


Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.


Miguel Torga, Diário XIII


 

Ticiano Vecellio ou Vecelli, em italiano Tiziano Vecellio, (Pieve di Cadore, ca.1473/1490 — Veneza, 27 de agosto de 1576) foi um dos principais representantes da escola veneziana no Renascimento antecipando diversas características do Barroco e até do Modernismo. Ele também é conhecido como Tizian Vecellio De Gregorio, Tiziano, Titian ou ainda como Titien.
Reconhecido pelos seus contemporâneos como "o sol entre as estrelas", Ticiano foi um dos mais versáteis pintores italianos, igualmente bom em retratos ou paisagens, temas mitológicos ou religiosos.
Se tivesse morrido cedo, teria sido conhecido como um dos mais influentes artistas do seu tempo, mas como viveu quase um século, mudando tão drasticamente seu modo de pintar, vários críticos demoram a acreditar  tratar-se do mesmo artista. O que une as duas partes de sua obra é seu profundo interesse pela cor, sua modulação policromática sem precedentes na arte ocidental. (Daqui)




 
Sísifo, rei da Tessália e de  Enarete, era o filho de Éolo. Foi o fundador da cidade de Éfira, que mais tarde veio a chamar-se Corinto, e também dos jogos de Ístmia (ou Ístmicos). 
Sísifo tinha a reputação de ser o mais habilidoso e esperto dos homens e por esta razão dizia-se que era pai de Odisseu
Sísifo despertou a ira de Zeus quando contou ao deus dos rios, Asopo, que Zeus tinha sequestrado a sua filha Égina. Zeus mandou o deus da morte, Tânato, perseguir Sísifo, mas este conseguiu enganá-lo e prender Tânato.
A prisão de Tânato impedia que os mortos pudessem alcançar o Reino das Trevas, tendo sido necessário que fosse libertado por Ares. Foi então que Sísifo, não podendo escapar ao seu destino de morte, instruiu a sua mulher a não lhe prestar exéquias fúnebres. 
Quando chegou ao mundo dos mortos, queixou-se a Hades, soberano do reino das sombras, da negligência da sua mulher e pediu-lhe para voltar ao mundo dos vivos apenas por um curto período, para a castigar.
Hades deu-lhe permissão para regressar, mas quando Sísifo voltou ao mundo dos vivos, não quis mais voltar ao mundo dos mortos. 
Hermes, o deus mensageiro e condutor das almas para o Além, decidiu então castigá-lo pessoalmente, infligindo-lhe um duro castigo, pior do que a morte. 
Sísifo foi condenado para todo o sempre a empurrar uma pedra até ao cimo de um monte, caindo a pedra invariavelmente da montanha sempre que o topo era atingido. Este processo seria sempre repetido até à eternidade. (Daqui)

"A forma justa" - Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen


August Macke, Lady in a Green Jacket, 1913, 
Museum Ludwig, Cologne, Germany
 


A forma justa 


Sei que seria possível construir o mundo justo 
As cidades poderiam ser claras e lavadas 
Pelo canto dos espaços e das fontes 
O céu o mar e a terra estão prontos 
A saciar a nossa fome do terrestre 
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia 
Cada dia a cada um a liberdade e o reino 
— Na concha na flor no homem e no fruto 
Se nada adoecer a própria forma é justa 
E no todo se integra como palavra em verso 
Sei que seria possível construir a forma justa 
De uma cidade humana que fosse 
Fiel à perfeição do universo 
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco 
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo. 


Sophia de Mello Breyner Andresen, 
in "O Nome das Coisas"


Israel "IZ" Kamakawiwo'ole - Somewhere Over the Rainbow
 

"Acordar" - Poema de Álvaro de Campos


"Lisboa Menina e Moça" - Pintura Naïf de Luíza Caetano


Acordar


Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da Rua do Ouro,
Acordar do Rossio, às portas dos cafés,
Acordar
E no meio de tudo a gare, que nunca dorme,
Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.

Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo lugar,
Não há manhãs sobre cidades, ou manhãs sobre o campo.
À hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os lugares são o mesmo lugar, todas as terras são a mesma,
E é eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo.
E (...)

Uma espiritualidade feita com a nossa própria carne,
Um alívio de viver de que o nosso corpo partilha,
Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom,
São os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,
Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes,
Seja ela a invasora lenta das ruas das cidades que vão leste-oeste,
Seja (...)

A mulher que chora baixinho
Entre o ruído da multidão em vivas...
O vendedor de ruas, que tem um pregão esquisito,
Cheio de individualidade para quem repara...
O arcanjo isolado, escultura numa catedral,
Siringe fugindo aos braços estendidos de Pã,
Tudo isto tende para o mesmo centro,
Busca encontrar-se e fundir-se
Na minha alma.

Eu adoro todas as coisas
E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.
Tenho pela vida um interesse ávido
Que busca compreendê-la sentindo-a muito.
Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,
Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas,
Para aumentar com isso a minha personalidade.
Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio
E a minha ambição era trazer o universo ao colo
Como uma criança a quem a ama beija. 

Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras,
Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo
Do que as que vi ou verei.
Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.
A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos.
Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca.

Dá-me lírios, lírios
E rosas também.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também,
Crisântemos, dálias,
Violetas, e os girassóis
Acima de todas as flores...

Deita-me as mancheias,
Por cima da alma,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...

Meu coração chora
Na sombra dos parques,
Não tem quem o console
Verdadeiramente,
Exceto a própria sombra dos parques
Entrando-me na alma,
Através do pranto.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...

Minha dor é velha
Como um frasco de essência cheio de pó.
Minha dor é inútil
Como uma gaiola numa terra onde não há aves,
E minha dor é silenciosa e triste
Como a parte da praia onde o mar não chega.
Chego às janelas
Dos palácios arruinados
E cismo de dentro para fora
Para me consolar do presente.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...

Mas por mais rosas e lírios que me dês,
Eu nunca acharei que a vida é bastante.
Faltar-me-á sempre qualquer coisa,
Sobrar-me-á sempre de que desejar,
Como um palco deserto.

Por isso, não te importes com o que eu penso,
E muito embora o que eu te peça
Te pareça que não quer dizer nada,
Minha pobre criança tísica,
Dá-me das tuas rosas e dos teus lírios,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...

s.d.  

Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa.
 (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) 
Lisboa: Estampa, 1993. - 10.

1ª versão: Poesias de Álvaro de Campos . Fernando Pessoa. 
(Nota editorial e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1944. 


Martinho da Vila - Lisboa Menina e Moça



"A todos os que sofrem e estão sós, dai sempre um sorriso de alegria. Não lhes proporciones apenas os vossos cuidados, mas também o vosso coração."

(Madre Teresa de Calcutá)

"Passagem do Ano" - Poema de Carlos Drummond de Andrade


Hanna Hirsch-Pauli (Swedish painter, 1864-1940), Friends (1900 - 1907), Nationalmuseum
 


Passagem do Ano


O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus…

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles… e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.

"Por este anoitecer, o ano acaba" - Poema de Jorge de Sena


 


Por este anoitecer, o ano acaba

 
Por este anoitecer, o ano acaba.
Cinzento e azul no céu por entre as árvores,
acaba o calendário. Muitos crimes dele
serão futuras efemérides nos outros
que, folha a folha, acabarão também.

Como anoitece igual este ano às noites
com que, dia por dia, o ano foi passando
gregorianamente. O mundo ocidental,
cesáreo, atlântico, ex-mediterrânico,
conta do Cristo. Mas os outros mundos

também contarão dele, quando este ocidente
deixar de fingir dele — os deuses morrem —
para funções de calendário laico.
O tempo passa, os calendários mudam,
na vida e morte as horas se sepultam. 

E, no entanto, o tempo vai connosco;
é desta terra só, e só por haver outros
que de outros astros são por haver este
diverso tanto a cada movimento.
Por este anoitecer, o ano acaba.


"A criança dentro de nós" - Texto de Hermann Hesse


A criança dentro de nós


"Todas as crianças, enquanto ainda vivem dentro do seu mistério, estão sempre ocupadas nas suas almas com a única coisa que é importante, que são elas próprias e a sua relação enigmática com o mundo à sua volta. Os descobridores e as pessoas sábias voltam a essas ocupações à medida que amadurecem. A maioria das pessoas, no entanto, esquecem-se e deixam para sempre este mundo interior do que é realmente significativo muito cedo nas suas vidas. Como almas perdidas elas vagueiam, durante todas as suas vidas, num labirinto multicolorido de preocupações, desejos e objectivos, mas nenhum deles habita verdadeiramente nos seus íntimos nem os levará ao seu núcleo mais íntimo e à sua casa."

Hermann Hesse, in 'Iris' 


Bruno Mars - It Will Rain


"Leve os jovens a enxergar os singelos momentos, a força que surge nas perdas, a segurança que brota no caos, a grandeza que emana dos pequenos gestos!" - Augusto Cury

[Augusto Jorge Cury (Colina, 2 de outubro de 1958) é um médico, psiquiatra, psicoterapeuta e escritor de literatura psiquiátrica brasileiro. Seus livros já venderam mais de 12 milhões de exemplares somente no Brasil, tendo sido publicados em mais de 50 países. Foi considerado pelo jornal Folha de São Paulo o autor brasileiro mais lido da década.] 

"De que são feitos os dias?" - Poema de Cecília Meireles


 


De que são feitos os dias? 


De que são feitos os dias?
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
- do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças...


Cecília Meireles,
In Canções




"O futuro não é um lugar onde estamos indo, mas um lugar que estamos criando. O caminho para ele não é encontrado, mas construído e o ato de fazê-lo muda tanto o realizador quando o destino." - Antoine de Saint-Exupéry


Biografia de Saint-Exupéry
Antoine de Saint-Exupéry


Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger Foscolombe de Saint-Exupéry (Lyon, 29 de junho de 1900 - Mar Mediterrâneo, 31 de julho de 1944) foi um escritor, ilustrador e piloto da Segunda Guerra Mundial, terceiro filho do conde Jean Saint-Exupéry e da condessa Marie Foscolombe. 

Faleceu durante uma missão de reconhecimento sobre Grenoble e Annecy. Em 3 de novembro, em homenagem póstuma, recebeu as maiores honras do exército. Em 2004, os destroços do avião que pilotava foram achados a poucos quilómetros da costa de Marselha. Seu corpo jamais foi encontrado.

As suas obras são caracterizadas por alguns elementos como a aviação e a guerra. Também escreveu artigos para várias revistas e jornais da França e outros países, sobre muitos assuntos, como a guerra civil espanhola e a ocupação alemã da França.
Destaca-se O Pequeno Príncipe (O Principezinho, em Portugal) (1943), livro de grande sucesso de Saint-Exupéry. Foi escrito durante o exílio nos (EUA), quando teria feito visitas ao Recife.

O pequeno príncipe pode parecer simples, porém apresenta personagens plenos de simbolismos: o rei, o contador, o geógrafo, a raposa, a rosa, o adulto solitário e a serpente, entre outros. O personagem principal vivia sozinho num planeta do tamanho de uma casa que tinha três vulcões, dois ativos e um extinto. Tinha também uma flor, uma formosa flor de grande beleza e igual orgulho. Foi o orgulho da rosa que arruinou a tranquilidade do mundo do pequeno príncipe e o levou a começar uma viagem que o trouxe finalmente à Terra, onde encontrou diversos personagens a partir dos quais conseguiu repensar o que é realmente importante na vida.
O romance mostra uma profunda mudança de valores, e sugere ao leitor quão equivocados podem ser os nossos julgamentos, e como eles podem nos levar à solidão. O livro nos leva à reflexão sobre a maneira de nos tornarmos adultos, entregues às preocupações diárias, e esquecidos da criança que fomos e somos.

Livros

Adele - Turning Tables 


quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

"Na ribeira deste rio" - poema de Fernando Pessoa


Josef Kote (b.1964), acrylic on canvas



Na ribeira deste rio


Na ribeira deste rio
Ou na ribeira daquele
Passam meus dias a fio.
Nada me impede, me impele,
Me dá calor ou dá frio.

Vou vendo o que o rio faz
Quando o rio não faz nada.
Vejo os rastros que ele traz,
Numa sequência arrastada,
Do que ficou para trás.

Vou vendo e vou meditando,
Não bem no rio que passa
Mas só no que estou pensando,
Porque o bem dele é que faça
Eu não ver que vai passando.

Vou na ribeira do rio
Que está aqui ou ali,
E do seu curso me fio,
Porque, se o vi ou não vi.
Ele passa e eu confio.


Fernando Pessoa 



Natalie Imbruglia - Torn (Official Video)

"Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço." - Texto de Bernardo Soares (Heterónimo de Fernando Pessoa)


Paul Gauguin, "Bonjour, Monsieur Gauguin", 1889



Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço.


"Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho. Pesa-me um como a possibilidade de tudo, o outro como a realidade de nada. Não tenho esperanças nem saudades. Conhecendo o que tem sido a minha vida até hoje — tantas vezes e em tanto o contrário do que eu a desejara —, que posso presumir da minha vida de amanhã senão que será o que não presumo, o que não quero, o que me acontece de fora, até através da minha vontade? Nem tenho nada no meu passado que relembre com o desejo inútil de o repetir. Nunca fui senão um vestígio e um simulacro de mim. O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.

Breve sombra escura de uma árvore citadina, leve som de água caindo no tanque triste, verde da relva regular — jardim público ao quase crepúsculo —, sois, neste momento, o universo inteiro para mim, porque sois o conteúdo pleno da minha sensação consciente. Não quero mais da vida do que senti-la a perder-se nestas tardes imprevistas, ao som de crianças alheias que brincam nestes jardins engradados pela melancolia das ruas que os cercam, e copados, para além dos ramos altos das árvores, pelo céu velho onde as estrelas recomeçam."

Bernardo Soares (Heterónimo de Fernando Pessoa), in Livro do Desassossego (Daqui)



Vida e Obra de Paul Gauguin

Paul Gauguin, Autorretrato com auréola, 1889.
(Segundo ele, este seria o seu melhor trabalho.)


Eugène-Henri-Paul Gauguin (Paris, 7 de junho de 1848 — Ilhas Marquesas, 8 de maio de 1903) foi um pintor francês do pós-impressionismo.
Apesar de nascido em Paris, Gauguin viveu os primeiros sete anos da sua vida em Lima, no Peru, para onde seus pais se mudaram após a chegada de Napoleão III ao poder. Seu pai pretendia trabalhar num jornal da capital peruana e foi o idealizador da viagem. Porém, durante a longa e terrível viagem de navio acabou por ter complicações de saúde e faleceu. Assim, o futuro pintor desembarcou em Lima apenas com sua mãe e irmã. 

Quando voltou para seu país natal, em 1855, Gauguin estudou em Orléans e, aos 17 anos, ingressou na marinha mercante e correu o mundo. Trabalhou em seguida numa corretora de valores parisiense e, em 1873, casou-se com a dinamarquesa Mette Sophie Gad, com quem teve cinco filhos.
Aos 25 anos, após a quebra da Bolsa de Paris, tomou a decisão mais importante de sua vida: dedicar-se totalmente à pintura. Começou assim uma vida de viagens e boémia, que resultou numa produção artística singular e determinante das vanguardas do século XX. Ao contrário de muitos pintores, não se incorporou ao movimento impressionista da época. Expôs pela primeira vez em 1876. Mas não seria uma vida fácil, tendo atravessado dificuldades económicas, problemas conjugais, privações e doenças.
Foi então para Copenhaga, onde acabou ocorrendo o rompimento de seu casamento.

Sua obra, longe de poder ser enquadrada em algum movimento, foi tão singular como as de Van Gogh ou Paul Cézanne. Apesar disso, teve seguidores e pode ser considerado o fundador do grupo Les Nabis, que, mais do que um conceito artístico, representava uma forma de pensar a pintura como filosofia de vida.
Suas primeiras obras tentavam captar a simplicidade da vida no campo, algo que ele consegue com a aplicação arbitrária das cores, em oposição a qualquer naturalismo, como demonstra o seu famoso Cristo Amarelo. As cores se estendem planas e puras sobre a superfície, quase decorativamente.


O Cristo Amarelo, 1889 


O pintor parte para o Taiti em busca de novos temas e para se libertar dos condicionamentos da Europa. Suas telas surgem carregadas da iconografia exótica do lugar, e não faltam cenas que mostram um erotismo natural, fruto, segundo conhecidos do pintor, de sua paixão pelas nativas. A cor adquire mais preponderância representada pelos vermelhos intensos, amarelos, verdes e violetas.

Morou durante algum tempo em Pont-Aven, na Bretanha, onde sua arte amadureceu. Posteriormente, morou no sul da França, onde conviveu com Vincent Van Gogh. Numa viagem à Martinica, em 1887, Gauguin passou a renegar o impressionismo e a empreender o "retorno ao princípio", ou seja, à arte primitivista.

Tinha ideia de voltar ao Taiti, porém não dispunha de recursos financeiros. Com o auxílio de amigos, também artistas, organizou um grande leilão de suas obras.
Colocou à venda cerca de 40 peças. A maioria foi comprada pelos próprios amigos de Gauguin, como por exemplo Theo van Gogh, irmão de Vincent van Gogh, que trabalhava para a Casa Goupil (importante estabelecimento que trabalhava com obras de arte).


Duas taitianas com flores de manga, 1899.


Mesmo conseguindo menos de 3 mil francos, em meados de 1891 regressou ao Taiti, onde pintou cerca de uma centena de quadros sobre tipos indígenas, como "Vahiné no te tiare" ("A moça com a flor") e "Mulheres de Taiti", além de executar inúmeras esculturas e escrever um livro, "Noa Noa".

Quando voltou a Paris, realizou uma exposição individual na galeria de Durand-Ruel, voltou ao Taiti, mas fixou-se definitivamente na ilha Dominique. Nessa fase, criou algumas de suas obras mais importantes, como "De onde viemos? O que somos? Para onde vamos?", uma tela enorme que sintetiza toda a sua pintura, realizada antes de uma frustrada tentativa de suicídio utilizando arsênio.
Em setembro de 1901, transferiu-se para a ilha Hiva Oa, uma das Ilhas Marquesas, onde veio a falecer de sífilis.
Encontra-se sepultado no Cemitério de Atuona, Atuona, Arquipélago das Marquesas na Polinésia Francesa(Daqui)




"O homem nasceu para lutar e a sua vida é uma eterna batalha." 

(Thomas Carlyle)


Thomas Carlyle
Foto de Elliott & Fry, 1860

Thomas Carlyle (Ecclefechan, 4 de dezembro de 1795 — Londres, 5 de fevereiro de 1881) foi um escritor, historiador e ensaísta escocês. Ele chamou a economia de "ciência sombria", escreveu artigos para a Edinburgh Encyclopædia, e tornou-se um polémico comentarista social.
Educado para ser pastor protestante, estudou na Universidade de Edimburgo. Em 1817, ao ler De l' Allemagne, de Mme. de Staël, ficou fortemente impressionado pela literatura e filosofia alemãs, dedicando-se ao estudo da língua para ler os autores no original. Traduziu Wiljelm Meister de Goethe e escreveu uma Vida de Schiller, além de uma história da literatura alemã, que deixou inacabada.
A publicação de Sartor Redartus, romance bastante original, não despertou grande atenção, enquanto que História da Revolução Francesa, publicada algum tempo depois, marcou o início de seu imenso prestígio como escritor. Considerada sua obra-prima, é também considerada um importante marco na historiografia romântica. Por essa época também escreveu: Chartism, de 1839 e Past and Present, de 1843.
Sua ideia de que a história pode ser interpretada através da vida dos heróis e dos chefes serviu-lhe de base para uma série de obras importantes: Oliver Cromwell's Letters and Speeches (Cartas e discursos de Oliver Cromwell), de 1845; Life of John Sterling (Vida de John Sterling), de 1851; History of Frederic II of Prussia (Vida de Frederico II da Prússia), que escreveu entre 1858-65.
Em 1865 Carlyle foi nomeado reitor da Universidade de Edimburgo e ali recebeu a notícia da morte de sua esposa. Escreveu então Reminiscences (Reminiscências), em 1883 e Letters and Memorials of Jane Welsh Carlyle (Memórias de Jane Welsh Carlyle)(Daqui)



Guns N' Roses - November Rain

"Não sei quem sou, que alma tenho" - Texto de Fernando Pessoa


Fernando Pessoa


Não sei quem sou, que alma tenho


Não sei quem sou, que alma tenho.

Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros).

Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me aponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho.

Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.

Como o panteísta se sente árvore [?] e até a flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada [?], por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.


Fernando Pessoa, in 'Para a Explicação da Heteronímia' 



Josh Groban - "Hidden Away"



Citações

  • "Temos que nos convencer de uma coisa, que o mais importante no mundo, pela negativa, e o que mais prejudica as relações humanas e as torna difíceis e complicadas é a inveja." - José Saramago, Uma Longa Viagem (2009)

  • "O amor não resolve nada. O amor é uma coisa pessoal, e alimenta-se do respeito mútuo. Mas isto não transcende para o colectivo. Já andamos há dois mil anos a dizer isso de nos amarmos uns aos outros. E serviu de alguma coisa? Poderíamos mudar isso por respeitarmo-nos uns aos outros, para ver se assim tem maior eficácia. Porque o amor não é suficiente." - José Saramago

  • "Este país (Portugal) preocupa-me, este país dói-me. E aflige-me a apatia, aflige-me a indiferença, aflige-me o egoísmo profundo em que esta sociedade vive. De vez em quando, como somos um povo de fogos de palha, ardemos muito, mas queimamos depressa." - José Saramago, Jornal de Letras, Artes e Ideias (1999)

  • "Quando se vive de ilusões é porque algo não funciona. A nossa imagem (dos portugueses) mais constante é a de alguém que está parado no passeio à espera de que o ajudem a atravessar para o outro lado." - José Saramago, Expresso (2008)

  • "Triunfar significa ter e ter mais, abandonando algo que foi importante, aquilo a que chamamos ser mais conscientes, mais solidários, mais unidos aos sentimentos." - José Saramago

"Desfecho" - Poema de Miguel Torga


Frederic Leighton, Memories, 1883
 


Desfecho


Não tenho mais palavras.
Gastei-as a negar-te...
(Só a negar-te eu pude combater
O terror de te ver
Em toda a parte).

Fosse qual fosse o chão da caminhada,
Era certa a meu lado
A divina presença impertinente,
Do teu vulto calado,
E paciente...

E lutei, como luta um solitário
Quando, alguém lhe perturba a solidão
Fechado num ouriço de recusas,
Soltei a voz, arma que tu não usas,
Sempre silencioso na agressão.

Mas o tempo moeu na sua mó
O joio amargo do que te dizia...
Agora somos dois obstinados,
Mudos e malogrados,
Que apenas vão a par na teimosia.


Miguel Torga, 
Câmara Ardente


Cesária Évora - Negue 


"As frivolidades cativam os espíritos levianos."

(Ovídio)

Públio Ovídio Naso, conhecido como Ovídio nos países de língua portuguesa (Sulmona, 20 de março de 43 a.C. — Constança, Romênia, 17 ou 18 d.C.) foi um poeta romano que é mais conhecido como o autor de Heroides, Amores, e Ars Amatoria, três grandes coleções de poesia erótica, Metamorfoses, um poema hexâmetro mitológico, Fastos, sobre o calendário romano, e Tristia e Epistulae ex Ponto, duas coletâneas de poemas escritos no exílio, no mar Negro.
Ovídio foi também o autor de várias peças menores, Remedia Amoris, Medicamina Faciei Femineae, e Íbis, um longo poema sobre maldição. Também é autor de uma tragédia perdida, Medeia. É considerado um mestre do dístico elegíaco e é tradicionalmente colocado ao lado de Virgílio e Horácio como um dos três poetas canônicos da literatura latina. O estudioso Quintiliano considerava-o o último dos elegistas amorosos latinos canônicos. Sua poesia, muito imitada durante a Antiguidade tardia e a Idade Média, influenciou decisivamente a arte e a literatura europeias, particularmente Dante, Shakespeare e Milton, e permanece como uma das fontes mais importantes de mitologia clássica. Seu estilo tem caráter jocoso e inteiramente pessoal — às vezes o eu-lírico de seus poemas são o próprio Ovídio.
Escreveu sobre amor, sedução, exílio e mitologia. Estudou retórica com grandes mestres de Roma e viajou para Atenas e Ásia exercendo funções públicas com o objetivo de tornar-se um Cícero, mas, para desgosto do pai, resolveu dedicar sua vida à poesia.


"Não te amo" - Poema de Almeida Garrett


Achille Beltrame (italian, 1871-1945), Girl with lilacs 



Não te amo


Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma. 
E eu n'alma - tenho a calma, 
A calma - do jazigo. 
Ai! não te amo, não. 

Não te amo, quero-te: o amor é vida. 
E a vida - nem sentida 
A trago eu já comigo. 
Ai, não te amo, não! 

Ai! não te amo, não; e só te quero 
De um querer bruto e fero 
Que o sangue me devora, 
Não chega ao coração. 

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela. 
Quem ama a aziaga estrela 
Que lhe luz na má hora 
Da sua perdição? 

E quero-te, e não te amo, que é forçado, 
De mau, feitiço azado 
Este indigno furor. 
Mas oh! não te amo, não. 

E infame sou, porque te quero; e tanto 
Que de mim tenho espanto, 
De ti medo e terror... 
Mas amar!... não te amo, não. 


 in 'Folhas Caídas' 


Achille Beltrame, Marché à tunis, 1912, Watercolor


"Os jornais noticiam tudo, menos uma coisa tão banal que ninguém se lembra: a vida."



"Sonhos" - Poema de Florbela Espanca


Charles Auguste Emile Carolus-Duran, Le Baiser (1868), Palais des beaux-arts de Lille.
 Autoportrait de l'artiste avec sa femme en nouveaux mariés.



Sonhos


Ter um sonho, um sonho lindo,
Noite branda de luar,
Que se sonhasse a sorrir...
Que se sonhasse a chorar...

Ter um sonho, que nos fosse
A vida, a luz, o alento,
Que a sonhar beijasse doce
A nossa boca... um lamento...

Ser p'ra nós o guia, o norte,
Na vida o único trilho;
E depois ver vir a morte

Despedaçar esses laços!...
... É pior que ter um filho
Que nos morresse nos braços!




Charles Auguste Emile Carolus-Duran, Les Pommiers, 1900
 

"Todas as religiões baseiam-se no medo de muitos e na esperteza de poucos."

(Stendhal)


"Teus Olhos" - Poema de Florbela Espanca


Joseph Lorusso



Teus Olhos


Olhos do meu Amor! Infantes loiros
Que trazem os meus presos, endoidados!
Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:
Meus anéis, minhas rendas, meus brocados.

Neles ficaram meus palácios moiros,
Meus carros de combate, destroçados,
Os meus diamantes, todos os meus oiros
Que trouxe d'Além-Mundos ignorados!

Olhos do meu Amor! Fontes... cisternas...
Enigmáticas campas medievais...
Jardins de Espanha... catedrais eternas...

Berço vindo do Céu à minha porta...
Ó meu leito de núpcias irreais!...
Meu sumptuoso túmulo de morta!...




Joseph Lorusso


"Quanto mais forte é um carácter, menos sujeito está à inconstância."

(Stendhal)

[Marie Henri Beyle, (Grenoble, 23 de janeiro de 1783 - Paris, 23 de março de 1842), mais conhecido como Stendhal, foi um novelista e escritor francês. Seu estilo, ao contrário do excesso de ornamentos, valorizava o perfil psicológico dos personagens, a interpretação de seus atos, sentimentos e paixões.]