sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

"Chove? Nenhuma chuva cai" - Poema de Fernando Pessoa


Gustave Caillebotte (Paris, 1848-1894), Richard Gallo and His Dog at Petit Gennevilliers, 1884


Chove? Nenhuma chuva cai... 

 
Chove? Nenhuma chuva cai...
Então onde é que eu sinto um dia
Em que ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia?

Onde é que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro céu?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu...

E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...

E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro... E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.

Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim...

Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas...
No claustro sequestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia

Põe dias de ilhas vistas do convés
No meu cansaço perdido entre os gelos,
E a cor do outono é um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonância...
 
 
 Fernando Pessoa, in Cancioneiro


Gustave Caillebotte, The Gardeners, 1875-1877 


"O tempo é demasiadamente lento para os que esperam; veloz para os que o temem; prolongado para os que sofrem; curto para os que se divertem; mas para os que amam, o tempo não conta". 

Henry Van Dyke (1852-1933), diplomata, pastor e escritor americano.
 

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