quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

"A Forma em Arte" - Texto de Manuel Laranjeira


Obra de Jacek Yerka



A Forma em Arte


A crença de que em Arte a Forma é tudo, enquanto que a Emoção reduzida ao seu esqueleto psíquico é uma simples relação abstrata, que ocupa um lugar secundário na obra de arte - tem predominado desde sempre na Crítica com raras exceções. O que distingue a Arte das outras manifestações da vida mental é muito essencialmente a Forma - diz-se. O Ritmo é tudo. Acessível unicamente a algumas criaturas de eleição, o Ritmo será inevitavelmente profanado pela grosseria da trivialidade bárbara: é a teoria da Arte pela Arte, impelida às suas últimas consequências pelos flaubertianos. E assim era que o autor de Madame Bovary proclamava que escrevia tão-somente para doze criaturas. E assim era que do mesmo modo Renan defendia que só alguns espíritos de élite tinham o direito de negar Deus, que devia ser imposto às multidões ignoras. Sempre e fundamentalmente um católico, este livre-pensador! Felizmente os aristocratas intelectuais sumiram-se na grande convulsão de Justiça que sacode as sociedades de hoje. A teoria da Arte pela Arte só a defendem hoje uns pobres impotentes que esfregam a sua incapacidade pelas esquinas dos botequins. Mas a crença de que a Forma em Arte é essencial ainda surge de onde a onde, como uma superstição mal apagada. E assim era que Ruskin, ao reclamar arte simples, ingénua na forma, para ser apercebida da mentalidade popular, implicitamente confessava que a Arte, tal como até então ela era expressa, escapava à afetividade de quase todos. Na realidade o que escapava ao senso estético das multidões não era precisamente a Forma, mas sim a essência da obra de arte, o esqueleto da Emoção enfim. E tanto assim era que a teoria de Ruskin foi realizada, sem frutificar: fez-se uma reversão à estilização primitiva: o pré- rafaelismo desfraldou as suas bandeiras; mas as massas continuaram na indiferença de até ali, inertes, inestésicas. É que, se os sentimentos estilizados numa obra de arte estão fora da esfera afetiva do público, este, claramente, não percebe, não sente, não vibra em harmonia com o artista, e a obra de arte é-lhe indiferente em absoluto. Já em alguma parte tive ocasião de afirmar que, a meu ver, o grande problema da educação estética, moral, social, científica, consistia em fazer ascender as multidões às culminâncias da vida psíquica e não em apear a Arte do altíssimo plinto onde o homem a entronou. Isso sim, que é evolucionar; o contrário seria regressar, Não há uma Ciência popular, nem uma Arte popular por assim dizer; melhor: a capacidade científica e estética do povo é reduzida, embrionária, amorfa ainda; o cérebro do povo só armazena ideias rudimentares, a sua alma só sente as emoções mais elementares. Exponham a um cavador o melhor da filosofia spenceriana, tentem fazer-lhe compreender uma lei de Newton ou Berthelot, declamem-lhe Shakespeare, Goethe, Ibsen, ou qualquer dos poemas de Antero - e verão o homem bocejar de desprezo. É ver o ar de desdém com que os naturalistas são apodados de doidos nas suas excursões científicas pelas aldeias. Poderíamos inferir de aqui que, visto a Arte não ter uma imediata utilidade para as maiorias, está por esse facto condenada? Não; de modo nenhum. Isso seria condenar a Ciência também, pelo menos a ciência pura. E o que é preciso condenar é o maquinismo social, que engendra e perpetua um tal desequilíbrio, uma desarmonia que está gritando contra todas as leis da Natureza. É por isso que John Ruskin, esse sonhador que será eternamente amado, se enganava quando, numa febre de justiça, num ímpeto de revolta contra a pirâmide esmagadora, sofrendo do sofrimento dos desgraçados, pedia uma Arte para o Povo; o que ele devia reclamar, o grande idealista, era um Povo para a Arte. A própria história da Arte vem pugnar por este princípio: o teatro grego, a escultura grega, a Arte helénica em suma, que hoje apenas é compreendida por uma minoria desesperadora - foi uma Arte nacional, uma Arte que os Helenos, desde o mais humilde camponês ao mais requintado dos estetas, compreendiam, sentiam e amavam. Parafraseando a expressão de M. Duval, a Arte era uma língua materna, era como o ar puro do céu da pátria, ar que todos, mesmamente sôfregos, respiravam, na mesma avidez de luz, na mesma ânsia de vida. 

Manuel Laranjeira, Prosas Dispersa, Relógio D´Água


Manuel Laranjeira


Manuel Laranjeira (n. Mozelos - Santa Maria da Feira, 17 de Agosto de 1877 - m. Espinho, 22 de Fevereiro de 1912), foi médico e escritor português.
Autor de teatro, ficção, ensaios, conferências, poesia e estudos sobre política, filosofia, religião a sua actividade literária inicia-se cedo, ainda estudante, como cronista em várias publicações periódicas da época, de que se destacam a "Revista Nova", "A Arte" e "O Norte". Foi amigo e correspondente de várias figuras intelectuais de destaque, entre elas, o pintor Amadeo de Souza-Cardoso com quem comunga várias das suas ideias e o poeta e filósofo espanhol Miguel de Unamuno, amizades de que resta vasta correspondência literária, politica e filosófica. Dotado de um saber enciclopédico e de uma vasta cultura literária e artística (conhecia pelo menos cinco línguas, o que lhe permitia ler no original os escritos que moldavam os espíritos do século XIX), Laranjeira possuía ainda um espírito mordaz e contundente, o que o levou a intervir na vida do nosso país assumindo-se como um espírito permanente insatisfeito com a pequenês da sociedade e da cultura que o rodeava. Tem, actualmente, em Espinho uma escola com o seu nome: Escola Secundária Dr. Manuel Laranjeira.


Salvador Dalí, Natureza Morta-Viva (1956)



Surrealismo


O Surrealismo foi um movimento artístico e literário surgido primeiramente em Paris nos anos 20, inserido no contexto das vanguardas que viriam a definir o modernismo no período entre as duas Grandes Guerras Mundiais. Reune artistas anteriormente ligados ao Dadaísmo ganhando dimensão internacional. Fortemente influenciado pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud (1856-1939), o surrealismo enfatiza o papel do inconsciente na atividade criativa. Um dos seus objetivos foi produzir uma arte que, segundo o movimento, estava sendo destruída pelo racionalismo. O poeta e crítico André Breton (1896-1966) é o principal líder e mentor deste movimento.

A palavra surrealismo supõe-se ter sido criada em 1917 pelo poeta Guillaume Apollinaire (1886-1918), jovem artista ligado ao Cubismo, e autor da peça teatral As Mamas de Tirésias (1917), considerada uma precursora do movimento.
Um dos principais manifestos do movimento é o Manifesto Surrealista de (1924). Além de Breton, seus representantes mais conhecidos são Antonin Artaud no teatro, Luis Buñuel no cinema e Max Ernst, René Magritte e Salvador Dalí no campo das artes plásticas.

As características deste estilo: uma combinação do representativo, do abstrato, do irreal e do inconsciente. Entre muitas de suas metodologias estão a colagem e a escrita automática. Segundo os surrealistas, a arte deve se libertar das exigências da lógica e da razão e ir além da consciência quotidiana, buscando expressar o mundo do inconsciente e dos sonhos.
No manifesto e nos textos escritos posteriores, os surrealistas rejeitam a chamada ditadura da razão e valores burgueses como pátria, família, religião, trabalho e honra. Humor, sonho e a contralógica são recursos a serem utilizados para libertar o homem da existência utilitária. Segundo esta nova ordem, as ideias de bom gosto e decoro devem ser subvertidas.

Mais do que um movimento estético, o surrealismo é uma maneira de enxergar o mundo, uma vanguarda artística que transcende a arte. Busca restaurar os poderes da imaginação, castrados pelos limites do utilitarismo da sociedade burguesa, e superar a contradição entre objetividade e subjetividade, tentando consagrar uma poética da alucinação, de ampliação da consciência. Breton declara no Primeiro Manifesto sua crença na possibilidade de reduzir dois estados aparentemente tão contraditórios, sonho e realidade, “a uma espécie de realidade absoluta, de sobre-realidade [surrealité]”.

A escrita automática procura buscar o impulso criativo artístico através do acaso e do fluxo de consciência despejado sobre a obra. Procura-se escrever no momento, sem planejamento, de preferência como uma atividade coletiva que vai se completando. Uma pessoa escreve algo num papel e outro completa, mas não de maneira lógica, passando a outro que dá sequência. O filme Um Cão Andaluz, de Luis Buñuel, por exemplo, é formado por partes de um sonho de Salvador Dalí e outra parte do próprio diretor, sem necessariamente objetivar-se uma lógica consciente e de entendimento, mas um discurso inconsciente que procura dialogar com outras leituras da realidade.
Esse e outros métodos, no entanto, não eram exercícios gratuitos de caráter estético, mas, como disse Octavio Paz, seu propósito era subversivo: abolir esta realidade que uma sociedade vacilante nos impôs como a única verdadeira. Para além de criar uma arte nova, criar um homem novo.


Salvador Dali em 1972


Salvador Domingo Felipe Jacinto Dali i Domènech, (Figueres, 11 de Maio de 1904 — Figueres, 23 de Janeiro de 1989), conhecido apenas como Salvador Dalí, foi um importante pintor catalão, conhecido pelo seu trabalho surrealista. O trabalho de Dalí chama a atenção pela incrível combinação de imagens bizarras, oníricas, com excelente qualidade plástica. Dalí foi influenciado pelos mestres do Renascimento. O seu trabalho mais conhecido, A Persistência da Memória, foi concluído em 1931. Salvador Dalí teve também trabalhos artísticos no cinema, escultura, e fotografia. Ele colaborou com a Walt Disney no curta de animação Destino, que foi lançado postumamente em 2003 e, ao lado de Alfred Hitchcock, no filme Spellbound. Também foi autor de poemas dentro da mesma linha surrealista. 
Dalí insistiu em sua "linhagem árabe", alegando que os seus antepassados eram descendentes de mouros que ocuparam o sul da Espanha por quase 800 anos (711 a 1492), e atribui a isso o seu amor de tudo o que é excessivo e dourado, sua paixão pelo luxo e seu amor oriental por roupas. Tinha uma reconhecida tendência a atitudes e realizações extravagantes destinadas a chamar a atenção, o que por vezes aborrecia aqueles que apreciavam a sua arte. Ao mesmo tempo que incomodava os seus críticos, já que sua forma de estar teatral e excêntrica tendia a eclipsar o seu trabalho artístico.




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