quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

"Canção perdida" - Poema de Guerra Junqueiro


James Taylor Harwood (American artist, 1860-1940), Harvest Time in France, 1890


Canção perdida 


Hálitos de lilás, de violeta e d’opala,
Roxas macerações de dor e d’agonia, 
O campo, anoitecendo e adormecendo, exala... 

Triste, canta uma voz na síncope do dia: 

Alguém de mim se não lembra 
Nas terras d’além do mar... 
Ó Morte, dava-te a vida, 
Se tu lha fosses levar!... 

Ó Morte, dava-te a vida, 
Se tu lha fosses levar!... 

Com o beijo do Sol na face cadavérica, 
Beijo que a morte esvai em palidez algente, 
Eis a Lua a boiar sonâmbula e quimérica... 

Doce, canta uma voz melancolicamente: 

O meu amor escondi-o 
Numa cova ao pé do mar... 
Morre o amor, vive a saudade... 
Morre o Sol, olha o luar!... 

Morre o amor, vive a saudade... 
Morre o Sol, olha o luar!... 

Latescente a neblina opálica flutua, 
Diluindo, evaporando os montes de granito 
Em colossos de sonho, extasiados de Lua... 

Flébil, chora uma voz no letargo infinito: 

Quem dá ais, ó rouxinol, 
Lá para as bandas do mar?... 
É o meu amor que na cova 
Leva as noites a chorar!... 

É o meu amor que na cova 
Leva as noites a chorar!... 

A Lua enorme, a Lua argêntea, a Lua calma, 
Imponderalizou a natureza inteira, 
Descondensou-a em fluido e embebeceu-a em alma... 

Triste expira uma voz na canção derradeira: 

Ó meu amor, dorme, dorme 
Na areia fina do mar. 
Que em antes da estrela d’alva 
Contigo me irei deitar!... 

Que em antes da estrela d’alva 
Contigo me irei deitar!... 




Guerra Junqueiro


Guerra Junqueiro (Freixo de Espada à Cinta, 17 de Setembro de 1850 — Lisboa, 7 de Julho de 1923) foi bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra, alto funcionário administrativo, político, deputado, jornalista, escritor e poeta. Foi o poeta mais popular da sua época e o mais típico representante da chamada "Escola Nova". Como poeta panfletário, a sua poesia ajudou criar o ambiente revolucionário que conduziu à implantação da República.

Obras: A Morte de D. João (1874), A Musa em Férias (1879), A Velhice do Padre Eterno (1885), Finis Patriae (1890), Os Simples (1892), Pátria (1896), Oração ao Pão (1903), Oração à Luz (1904), Poesias Dispersas (1920). Em colaboração com Guilherme de Azevedo, escreveu Viagem à Roda da Parvónia.


James Taylor Harwood, Richards' Camp, Holiday Park, Weber Canyon, 1888


"O segredo da saúde da mente e do corpo está em não lamentar o passado, em não se afligir com o futuro e em não antecipar preocupações; mas está no viver sabiamente e seriamente o presente momento." - Sidarta Gautama

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