quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

"O Gato" - Poemas de Charles Baudelaire, António Gedeão e Ferreira Gullar




O Gato 
(Charles Baudelaire)


De seu pêlo louro e tostado 
Um perfume tão doce flui 
Que uma noite, ao mimá-lo, fui 
Por seu aroma embalsamado. 

É a alma familiar da morada; 
Ele julga, inspira, demarca 
Tudo que seu império abarca; 
Será um deus, será uma fada? 

Se nesse gato que me é caro, 
Como por ímãs atraídos, 
Os olhos ponho comovidos 
E ali comigo me deparo, 

Vejo aturdido a luz que lhe arde 
Nas pálidas pupilas ralas, 
Claros faróis, vivas opalas, 
Que me contemplam sem alarde.
 
 

[Charles-Pierre Baudelaire (Paris, 9 de Abril de 1821 — Paris, 31 de Agosto de 1867) foi um poeta e teórico da arte francesa. É considerado um dos precursores do Simbolismo e reconhecido internacionalmente como o fundador da tradição moderna em poesia, juntamente com Walt Whitman. Sua obra teórica também influenciou profundamente as artes plásticas do século XIX.]




O Gato 
(António Gedeão)


Quem há de abrir a porta ao gato
quando eu morrer?
Sempre que pode
foge prá ruacheira o passeio
e volta para trás,
mas ao defrontar-se com a porta fechada
(pobre do gato!)
mia com raiva
desesperada.
Deixo-o sofrer
que o sofrimento tem sua paga,
e ele bem sabe.
Quando abro a porta corre para mim
como acorre a mulher aos braços do amante.
Pego-lhe ao colo e acaricio-o
num gesto lento,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele olha-me e sorri, 
com os bigodes eróticos,
olhos semi-cerrados, 
em êxtase,
ronronando.
Repito a festa,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele aperta as maxilas,
cerra os olhos,
abre as narinas,
e rosna, rosna, deliquescente,
abraça-me e adormece.
Eu não tenho gato,
mas se o tivesse
quem lhe abriria a porta quando eu morresse? 


António Gedeão
 
 


O gato 
(Ferreira Gullar)


O gato é uma maquininha 
que a natureza inventou; 
tem pêlo, bigode, unhas 
e dentro tem um motor. 

Mas um motor diferente 
desses que tem nos bonecos 
porque o motor do gato 
não é um motor elétrico. 

É um motor afetivo 
que bate em seu coração 
por isso faz ronron 
para mostrar gratidão. 

No passado se dizia 
que esse ronron tão doce 
era causa de alergia 
pra quem sofria de tosse. 

Tudo bobagem, despeito, 
calúnias contra o bichinho: 
esse ronron em seu peito 
não é doença - é carinho.  
 
 
 







  • "Não importa se os animais são incapazes ou não de pensar. O que importa é que são capazes de sofrer." - Jeremy Bentham

Jeremy Bentham (15 de fevereiro de 1748 – 6 de junho de 1832) foi um filósofo e jurista inglês. Juntamente com John Stuart Mill e James Mill, difundiu o utilitarismo, teoria ética que responde todas as questões acerca do que fazer, do que admirar e de como viver, em termos da maximização da utilidade e da felicidade. Conhecido também pela idealização do Pan-optismo, que corresponde à observação total, a tomada integral por parte do poder disciplinador da vida de um indivíduo.



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