quinta-feira, 13 de junho de 2013

"Notas para uma regra de vida" - Texto de Fernando Pessoa


D'Assumpção, Na Mira,1963



Notas para uma regra de vida


1. Cada um de nós não tem de seu nem de real senão a sua própria individualidade. 

2. Aumentar é aumentar-se. 

3. Invadir a individualidade alheia é, além de contrário ao princípio fundamental, contrário (por isso mesmo também) a nós mesmos, pois invadir é sair de si, e ficamos sempre onde ganhamos. (Por isso o criminoso é um débil, e o chefe um escravo.) (O verdadeiro forte é um despertador, nos outros, de energias deles. O verdadeiro mestre é um mestre de o não acompanharem.) 

4. Atrair os outros a si é, ainda assim, o sinal da individualidade. 


Fernando Pessoa, in 'Reflexões Pessoais'


D'AssumpçãoAutorretrato


Manuel Trindade D'Assumpção nasceu e morreu em Lisboa (1926 -1969). Iniciou a sua aprendizagem artística com seu pai e com o pintor Manuel Barrias. Em 1947 partiu para Paris, onde estudou com Fernand Léger, tendo estudado depois História da Arte com Jean Cassou. Conheceu Atlan e Hains, pintores líricos, antes de voltar para Lisboa, onde contactou com António Maria Lisboa, cuja morte, em 1953, muito o impressiona. Isola-se em Portalegre, onde realizou para um café local um quadro, "Último Bailado" - Homenagem a Paul Éluard (1955), depois de numerosos quadros surrealistas, que desapareceram. Em 1958 regressa a Lisboa, disposto a expor, como acontece no Salão de Outono da S.N.B.A., onde imediatamente atrai as atenções do público mais esclarecido; ainda no mesmo ano é premiado em Vila Real, sendo-lhe adquirido um quadro para o Museu de Arte Contemporânea. Agradecido a Diogo de Macedo, D'Assumpção oferece outro quadro ao Museu.
A sua pintura de 1958 apresenta grandes arquiteturas abstratas retalhadas, onde os contrastes de cores e de valores luminosos sugerem dinamicamente uma profundidade pura. Trata-se, numa primeira aproximação, de uma pintura cujo espaço ambíguo está próximo do da pintura da Escola de Paris, nomeadamente a de Alfred Mannessier e a de Bertholle, não sendo porém alheia a uma ambição surrealista de um Paalen. Em breve esta ambição do surreal leva D'Assumpção a conjugar estas arquiteturas com grandes figuras transparentes de intenção cabalística ou com sugestões de esferas e planos dinâmicos, em alusão simbólica ao cosmos. Alguns títulos são indicativos desta ambição poética: Génesis (1958), Mística (1958), Espaço-Deus (l960), etc.
Em várias declarações, o próprio D'Assumpção não se considerava um artista, mas um médium. Em 1950, escreveu: "Quem disser que eu sou um artista está enganado. A pintura que faço não é minha, mas obra de um enorme Deus, que eu não vejo e que raramente cai em mim." Mais tarde, dizia aos seus amigos: "Pense bem, não é artista quem quer, embora todos tenham a liberdade de o querer; só é artista quem e'."
Inegavelmente bem apetrechado tecnicamente e vivendo quotidianamente o desespero da sua ambição criadora, D'Assumpção impressionou fortemente alguns pintores e poetas, mas o seu convívio difícil aumentou a sua solidão. Em 1969 suicidou-se.
Em 1958, D'Assumpção conquistou rapidamente um núcleo de admiradores apresentando, num salão coletivo da sociedade de Belas Artes, o quadro intitulado Génesis, que o critico José Augusto França imediatamente fez reproduzir num artigo elogioso no Diário de Noticias. Em Preto e Branco a construção espacial assume intenções de simbolismo cósmico.


D'Assumpção, Eiffel, 1966


 D'Assumpção, Radiações, S/data 


 D'Assumpção, Urano, 1963


D'Assumpção, sem título, 1958


 D'Assumpção


D'Assumpção, 1963 

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