sexta-feira, 19 de julho de 2013

"O que sempre soube das mulheres" - Crónica de Rui Zink


Lilias Torrance Newton (canadense, 1896-1980), Lady in Black (c.1936)



O que sempre soube das mulheres 


Tratam-nos mal, mas querem que as tratemos bem. Apaixonam-se por serial-killers e depois queixam-se de que nem um postalinho. Escrevem que se desunham. Fingem acreditar nas nossas mentiras desde que tenhamos graça a pregá-las. Aceitam-nos e toleram-nos porque se acham superiores. São superiores. Não têm o gene da violência, embora seja melhor não as provocarmos. Perdoam facilmente, mas nunca esquecem. Bebem cicuta ao pequeno almoço e destilam mel ao jantar. Têm uma capacidade de entrega que até dói. São ótimas mães até que os filhos fazem 10 anos, depois perdem o norte. Pelam-se por jogos eróticos, mas com o sexo já depende. Têm dias. Têm noites. Conseguem ser tão calculistas e maldosas como qualquer homem, só que com muito mais nível. Inventaram o telemóvel ao volante. São corajosas e quando se lhes mete uma coisa na cabeça levam tudo à frente. Fazem-se de parvas porque o seguro morreu de velho e estão muito escaldadas. Fazem-se de inocentes e (milagre!) por esse ato de vontade tornam-se mesmo inocentes. Nunca perdem a capacidade de se deslumbrarem. Riem quando estão tristes, choram quando estão felizes. Não compreendem nada. Compreendem tudo. Sabem que o corpo é passageiro. Sabem que na viagem há que tratar bem o passageiro e que o amor é um bom fio condutor. Não são de confiança, mas até a mais infiel das mulheres é mais leal que o mais fiel dos homens. São tramadas. Comem-nos as papas na cabeça, mas depois levam-nos a colher à boca. A única coisa em nós que é para elas um mistério é a jantarada de amigos – elas quando jogam é para ganhar. E é tudo. Ah, não, há ainda mais uma coisa. Acreditam no Amor com A grande mas, para nossa sorte, contentam-se com pouco.

Rui Zink, in "Jornal Metro"




Rui Barreira Zink (Lisboa, 16 de Junho de 1961), escritor e professor universitário português.
É Professor Auxiliar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (desde 1997), onde se licenciou em Estudos Portugueses (1984) e obteve os graus de mestre em Cultura e Literatura Popular (1989) e de doutor em Literatura Portuguesa (1997). Foi igualmente Professor do Ensino Secundário (1983-1987), Leitor de Língua Portuguesa na Universidade de Michigan (1989-1990) e Professor Convidado na Universidade de Massachussetts Dartmouth (2009-2010).
Autor de vários livros, entre ensaios e ficção, salienta os romances Hotel Lusitano (1987), Apocalipse Nau (1996), O Suplente (1999) e Os Surfistas (2001), e os livros de contos A Realidade Agora a Cores (1988) e Homens-Aranhas (1994) e O Anibaleitor (2006). Colaborou em jornais e revistas, de que salienta o semanário O Independente (1991) e a revista K (1992). Fez tradução literária, de autores como Matt Groening, Saul Bellow e Richard Zenith.
Rui Zink recebeu o Prémio do P.E.N. Clube Português pelo romance Dávida Divina (2005), e representou o país em eventos como a Bienal de São Paulo, a Feira do Livro de Tóquio ou o Edimburgh Book Festival.

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