domingo, 8 de dezembro de 2013

"A Secreta Viagem" - Poema de David Mourão Ferreira


Édouard Manet, Boating, 1874, óleo sobre tela, 97 x 130 cm
Metropolitan Museum of Art, New York


A Secreta Viagem


No barco sem ninguém, anónimo e vazio,
ficámos nós os dois, parados, de mão dada...
Como podem só dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!

Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais, e de madeira, à proa...
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos...
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa...

Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem...
Aonde iremos ter? — Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!

Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa... alheio aos meus sentidos.
— Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos! 


David Mourão-Ferreira
, in "A Secreta Viagem"
 
"Os homens, enquanto não forem completos e livres, 
hão de sonhar sempre de noite."

(Paul Nizan) 




Paul Nizan (Tours, 1905 - Audruicq, 1940) 
Romancista, ensaísta, jornalista, tradutor e filósofo francês.


"A viagem é uma sucessão de irreparáveis desaparições."

(Paul Nizan)


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