terça-feira, 15 de abril de 2014

"Contra a Morte e o Amor não há quem tenha valia" - Poema de Gil Vicente



Sir Lawrence Alma-Tadema, Primavera, 1894, óleo sobre tela, 179,2 x 80,3 cm,
J. Paul Getty Museum, Los Angeles. (Retrata o festival de Cerealia numa rua romana.)
 

Contra a Morte e o Amor 
não há quem tenha valia


 Era ainda o mês de abril, 
de maio antes um dia, 
quando lírios e rosas 
mostram mais sua alegria; 
pela noite mais serena 
que fazer o céu podia, 
quando Flérida, a formosa 
infanta, já se partia, 
ela na horta do pai 
para as árvores dizia:

“Ficai, adeus, minhas flores, 
em que glória ver soía. 
Vou-me a terras estrangeiras, 
a que ventura me guia. 
Se meu pai me for buscar, 
que grande bem me queria, 
digam-lhe que amor me leva, 
e que eu sem culpa o seguia; 
que tanto por mim porfiava 
que venceu sua porfia. 
Triste, não sei aonde vou, 
e a mim ninguém o dizia!” 

Eis que fala Dom Duardos:

“Não choreis, minha alegria, 
que nos reinos de Inglaterra 
mais claras águas havia, 
e mais formosos jardins, 
e vossos, senhora, um dia: 
tereis trezentas donzelas 
de alta genealogia, 
de prata são os palácios 
para vossa senhoria; 
de esmeraldas e jacintos, 
de ouro fino da Turquia, 
com letreiros esmaltados 
que minha vida à porfia 
vão contando, e as vivas cores 
que vós me destes no dia 
em que com Primaleão 
fortemente combatia: 
senhora, vós me matastes, 
que eu a ele não temia.” 

Os seus prantos consolava 
Flérida, que tudo ouvia; 
foram-se então às galeras 
que Dom Duardos havia: 
por cinquenta se contavam, 
todas vão em companhia. 
Ao som de seus doces remos 
a princesa se adormia 
nos braços de Dom Duardos, 
que bem já lhe pertencia. 
Saibam quantos são nascidos 
que sentença eu lhes diria: 
que contra a morte e o amor 
não há quem tenha valia.


Gil Vicente, in 'Antologia Poética'


Gil Vicente
  Estátua de Gil Vicente no Teatro Nacional D. Maria II em Lisboa.


Não há dados exatos quanto à data e local do nascimento de Gil Vicente. Contudo, e de acordo com Jacinto Prado Coelho, in Dicionário de Literatura, parece ter nascido em Guimarães por volta de 1465. Por outro lado, também não há dados absolutos que possam confirmar a teoria de alguns estudiosos que defendem que este Gil Vicente, "poeta dramático", seja o ourives da rainha D. Leonor, autor da célebre e riquíssima custódia de Belém. A coincidência do nome e a contemporaneidade de ambos apontam, todavia, para esta possibilidade.
Embora desde sempre tenham existido tentativas no sentido de atribuir a este autor uma grande cultura, não está comprovado que este tenha frequentado a universidade e aprendido o latim do Renascimento. Porém, pode afirmar-se que era detentor de um espírito conhecedor, dominando bem, enquanto católico e músico, a poesia litúrgica latina. Também o conhecimento do castelhano lhe franqueou as portas da cultura religiosa e profana.
A transmissão da sua obra confrontou-se com dificuldades várias. Inicialmente, os seus autos eram divulgados à medida que iam sendo escritos, em folhas soltas. Na verdade, Gil Vicente iniciou o trabalho de compilação das suas obras completas, mas, antes de morrer, apenas foi capaz de reunir algumas das folhas e manuscritos e de redigir a dedicatória ao rei D. João III. Assim, esta compilação só foi concluída e impressa, em 1561-1562, pelo seu filho Luís Vicente, já não conseguindo escapar à "mão inquisitorial" estabelecida em Portugal em 1536, ano provável da morte do autor. Na verdade, o Index de 1551 refere já sete autos vicentinos que ou foram totalmente censurados ou autorizados depois de expurgados. Em 1561-1562, quando Luís Vicente edita as obras completas de seu pai, a censura do Tribunal do Santo Ofício parece ter sido um pouco mais branda e o Index de 1564 não refere nenhuma obra vicentina. Segundo Jacinto Prado Coelho, in obra citada, "é difícil não reconhecer a influência da Rainha D. Catarina, de quem Paula Vicente, filha do poeta, era 'moça de câmara'",considerando assim que aquela terá influenciado a alteração de critérios de censura subjacente à elaboração do Index de 1564.
Apesar da alegada influência real, esta compilação de 1561-1562 parece, contudo, dever muito à autenticidade, conforme podemos concluir pela comparação feita com a única folha volante do tempo de Gil Vicente, hoje conservada. Este estudo comparativo, infelizmente, permite aferir a mutilação da obra vicentina, pois o próprio filho do poeta parece ter confessado que se lhe arrogou a missão de "purar" os textos que recolhera, fazendo cedências imperdoáveis à censura. Aliás, esta benevolência inquisitorial foi "sol de pouca dura", como provam os graves atentados feitos à obra, no Index de 1581.
Considerado o "pai" do teatro português, Gil Vicente já tivera contacto, em Portugal, com representações litúrgicas, por altura do Natal e da Páscoa, e com algum repertório cómico de "feição improvisada e não literária", como os aristocráticos e cortesãos, considerados como as primeiras manifestações teatrais em Portugal.
Autor de uma obra variada, que ele próprio divide em comédias, farsas e moralidades, Gil Vicente não teve apenas preocupações de realização literária. De facto, e de acordo com J. P. Coelho, in História de Literatura, na sua obra "palpita de modo espantosamente vivo a sociedade portuguesa do primeiro terço do século XVI, com as suas classes, os seus vícios, os seus impulsos intelectuais e religiosos", a qual critica através da sátira, partindo da máxima latina ridendo castigat mores.
A sua crítica é profundamente mordaz, apresentando clérigos sem vocação, escudeiros parasitas e ociosos, fidalgos corruptos e vaidosos, profissões liberais que assentam na exploração das camadas populares, alcoviteiras que atuam sem escrúpulos para defenderem os seus interesses, e até o povo humilde que, passivamente, se deixa explorar pelos cobradores e frades. Não criando personagens que correspondam a indivíduos específicos, o teatro vicentino cria antes personagens que caracteriza como tipos sociais e "que funcionam apenas como símbolo de uma classe ou de um grupo social ou profissional". Na verdade, o que mais lhe interessa são os casos sociais que melhor lhe permitem fazer a sátira de costumes.

Gil Vicente. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-04-15].


Sir Lawrence Alma-Tadema
  Lawrence Alma-Tadema, Self-Portrait, 1896, Uffizi Gallery


Sir Lawrence Alma-Tadema, Silver Favourites, 1903


Sir Lawrence Alma-Tadema, Unconscious Rivals, 1893
 
 
Sir Lawrence Alma-Tadema, As rosas de Heliogábalo (The Roses of Heliogabalus),1888


As Rosas de Heliogábalo (The Roses of Heliogabalus) é uma pintura de Sir Lawrence Alma-Tadema (Dronrijp, 8 de janeiro de 1836 - Wiesbaden, 26 de junho de 1912), um artista holandês que viveu na Inglaterra e que foi um dos mais proeminentes pintores e desenhistas do neoclassicismo europeu
A obra foi baseada num episódio inventado retirado da Historia Augusta, onde o imperador romano Heliogábalo (204-222) é retratado assistindo a uma tentativa de sufocar seus convidados com uma enorme quantidade de pétalas de rosa que caíam de um teto falso durante um jantar. No primeiro plano da pintura, o destaque são os convidados reclinados, cobertos com pétalas. Ao fundo, Heliogábalo é visível com um manto e uma coroa de ouro, junto com sua mãe Julia Soemia. Atrás deles, há um tocador de flauta (tíbia) e uma estátua de Dionísio.
Em suas notas em Historia Augusta, Thayer diz que "Nero fez o mesmo (Suetônio, Nero, xxxi), e um teto falso similar é descrito na casa de Trimalchio no Satíricon, lx."
A tela mede 214 cm por 132 cm. (daqui)


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