domingo, 31 de agosto de 2014

"Indagações" - Poema de Fernando Py


(A maior estátua Art déco no mundo, construída entre 1922-1931)



Indagações
A Leonardo Fróes


De argila e de sangue
somos feitos. Não mais
que a imponderável ânsia
de ascender ao divino
transportando conosco
este fardo humano
de organismo imperfeito.

De suor e de lágrimas
nos tornamos. Quanto
esperamos saber
em nossa ignorância
no intuito de voar
à excelsa plenitude
do espírito supremo?

Quem nos formou? Quem
imaginou e fez
energia e matéria,
todo o Universo
que vemos e sabemos
e os demais mundos todos
que jamais saberemos?

Deixamos o que sabemos
— e o mais que desconhecemos —
aos que depois a terra
habitarem: esses homens
futuros que ignoramos
e mal podemos pressentir
pelo que hoje apresentamos.

Aonde vamos? Aonde
repousará nossa alma
a contínua indagação
que nos eleva além
de simples animais?

Em que páramos finais
existe nossa redenção?


Fernando Py


Fernando Py

Fernando Py - nome completo: Fernando Antônio Py de Mello e Silva - nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 13 de junho de 1935, de família gaúcha. Poeta, colunista e crítico literário, redator e tradutor. Fez o curso primário no Externato Coração Eucarístico, o ginasial no Colégio Santo Inácio e o colegial no Colégio Mallet Soares, todos na cidade natal, onde viveu até 1967, quando se mudou para Petrópolis (RJ), onde reside. Formou-se pela Faculdade de Direito da então Universidade do Estado da Guanabara (atual UERJ), em 1960, porém nunca advogou. Foi funcionário da CAPES, órgão do Ministério da Educação (1958-1959), da Procuradoria do Estado do Rio Grande do Sul na Guanabara (1960-1962) e meteorologista previsor do tempo no Instituto Nacional de Meteorologia, do Ministério da Agricultura, de 1962 até 1994, quando se aposentou.

Colaborou em diversos jornais do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, principalmente O Globo, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde, Estado de Minas e Correio do Povo. Trabalhou como redator e tradutor em enciclopédias, sobretudo a Grande Enciclopédia Delta Larousse e a Enciclopédia Mirador Internacional. Traduziu obras de autores importantes, como Marcel Proust (Jean Santeuil; Em busca do tempo perdido, etc.), Marguerite Duras (O vice-cônsul; A vida tranqüila, etc.), Honoré de Balzac (A pele de onagro; O primo Pons), Saul Bellow (O legado de Humboldt; Henderson, o rei da chuva), e vários outros. Como colunista literário, trabalhou em jornais de Petrópolis e atualmente assina seção 'Tribuna Literária' na Tribuna de Petrópolis.

Livros publicados: Aurora de vidro (poesia): Rio de Janeiro, Livraria São José, 1962; A construção e a crise (poesia): Rio de Janeiro, Simões Edições, 1969; 4 poetas modernos (poesia, em colaboração): Rio de Janeiro, Cátedra, 1976; Bibliografia comentada de Carlos Drummond de Andrade (pesquisa): Rio de Janeiro, José Olympio / Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980 ( 2ª edição, aumentada: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2002); Vozes do corpo (poesia): Rio de Janeiro, Fontana, 1981; Dezoito sextinas para mulheres de outrora (poesia): Recife, Edições Pirata, 1981; Chão da crítica (jornalismo literário): Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1984; Antiuniverso (poema): Rio de Janeiro, Sette Letras / Petrópolis: Editora Firmo, 1994; Carlos Drummond de Andrade: poesia (antologia comentada, em colaboração com Pedro Lyra): Rio de Janeiro, AGIR, 1994 (2ª edição: 1998) [Col. Nossos Clássicos, 118]; Sol nenhum (poesia): Rio de Janeiro, UAPÊ, 1998; Antologia poética (40 anos de poesia: 1959-1999): Petrópolis, Poiésis, 2000; Sentimento da morte & Poemas anteriores (poesia): Goiânia, A.S.A., 2003; Uma poesia dialógica: nove resenhas da obra de Pedro Lyra (crítica literária): Fortaleza, UFC, 2003; O poeta Coelho Vaz (conferência): Goiânia, Kelps, 2004; 70 poemas escolhidos: Petrópolis, Catedral das Letras, 2005 .
Ganhou alguns prêmios literários e recebeu (15 de abril de 2003) o título de "Cidadão Petropolitano Honorário". (Daqui)


Cristo Redentor, Visão aproximada da face


Arte Déco


Movimento artístico desenvolvido nas décadas de vinte e trinta do século XX, a Arte Déco conheceu particular expressão na área do design industrial e de mobiliário assim como na produção de pequenas peças (joias, louça e outros objetos de uso prático ou simbólico) ou nas artes gráficas.

Ao nível de arquitetura, a Arte Déco apresentou-se como um estilo eminentemente decorativo, intervindo essencialmente ao nível do desenho de interiores e de espaços comerciais ou no desenho de fachadas sem se traduzir na criação de uma linguagem verdadeira espacial nem na definição de novas tipologias edilícias.

Apesar da especificidade das manifestações que revelou nos diversos contextos culturais e geográficos, alguns denominadores comuns permitem caracterizar este movimento e dotá-lo de um recorte estilístico muito forte. São eles o gosto pelas superfícies brilhantes, polidas ou cromadas, pelas formas curvas e simples, pela construção cuidada e pela utilização de materiais luxuosos.

A designação Arte Déco surgiu como diminutivo da Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais, realizada em Paris em 1925 e na qual participaram alguns dos mais marcantes artistas desta corrente, o que permitiu confirmar a existência de uma escola formal coerente e nitidamente distinta da antecessora Arte Nova.

Em termos estilísticos, a Arte Déco diferenciou-se da Arte Nova, um movimento estilístico que nessa altura dominava ainda no desenho de pequenas peças utilitárias ou de mobiliário, pelo abandono do excesso formal e ornamental deste último estilo e pela substituição da composição fundamentada na linha curva pela geometrização e rigidez do desenho e das composições de inspiração histórica (nomeadamente na cultura egípcia e grega).


Jardim e Casa de Serralves, Porto, Portugal

Para além de encontrar expressão ao nível do desenho de pequenos objetos ou de edifícios, durante a fase arte déco foram realizados projeto de jardins, de entre os quais se pode destacar o Jardim de Serralves do Porto, projeto de Jacques Gréber datado de 1932.


Responsável pela decoração do interior da Casa de Serralves, a casa Ruhlmann, dirigida por Jacques Émile Ruhlmann, tornou-se um dos expoentes ao nível do desenho de mobiliário e tornou-se famosa pelo projeto do "Le Pavillon d'un Collectioneur" que apresentou na exposição internacional de 1925.


"Spirit of the Wind,"
René Lalique, 'Spirit of the Wind'

"Spirit of the Wind,"
Noutros géneros artísticos, como a joalharia, destacaram-se René Lalique, artista fortemente representado nas coleções da Fundação Calouste Gulbenkian de Lisboa.


Art déco do Chrysler Building, em Nova York,
construído em 1928/1930 pelo arquiteto William Van Alen.



Numa fase mais avançada, a Arte Déco conheceu notável desenvolvimento nos Estados Unidos da América, país onde foi aplicado em inúmeras expressões e formas e integrado num novo sistema de produção que se demarcava claramente da tendência elitista das criações da fase Arte Nova. De facto, a simplificação formal e a racionalização ornamental destes produtos tornavam-nos indicados para seguirem processos de fabrico em série que recusavam a produção manual de alta qualidade.


Nova Iorque vista do Rockefeller Center. Arquitetura art déco

Ao nível da arquitetura destacaram-se alguns edifícios como a londrina fábrica Hoover em Perivale, desenhada por Wallis Gilbert em 1932 ou os icónicos arranha-céus de Nova Iorque, de que se pode nomear o Chrysler Building de 1930, William van Alen's, famoso pelo icónico remate com arcos revestidos de alumínio ou o edifício e espaço interior do Radio City Music Hall, construído em 1931 por Donald Deskey.

Arte Déco. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-08-24].
 

sábado, 30 de agosto de 2014

"Rodando" - Texto de Adélia Prado


Imagem de Sarolta Bán


Rodando


Depois de muita e boa chuva, Célia voltava de Belo Horizonte para sua casa no interior do Estado. Era bom viajar de ônibus, vendo, parecia-lhe que pela primeira vez, o verde rebrotando com força. Ouviu um passageiro falando pra ninguém: que cheiro de mato! Sol farto e os moradores desses conjuntos habitacionais de caixa de papelão e zinco, que brotam como grama à margem das rodovias, aproveitavam pra esquentar o couro rodeados de criança e cachorro. Os deserdados desfilavam, a moça e seu namorado com bota de imitação de peão boiadeiro iam de mãos dadas, com certeza à casa de uma tia da moça, comunicar que pretendiam se casar. Uma avó gorda com seu neto também passou, ela de sombrinha, ele de calcinha comprida de tergal. Iam aonde? Célia fantasiou, ah, com certeza na casa de uma comadre da avó, uma amiga dela de juventude. O menino ia sentir demais a morte daquela avó que lhe pegava na mão de um jeito que nem sua mãe fazia. Desceram três moços de bermuda e camisa do Clube Atlético Mineiro, e um quarto com grande inscrição na camiseta: SÓ CRISTO SALVA! Camiseta e bermuda não favorecem a ninguém, ela pensou desgostosa com a feiura das roupas. Bermudas principalmente, teria que se ter menos de dez anos pra se usar aquela invenção horrorosa. Teve dó dos moços que só conheciam futebol e dupla sertaneja. Foi um pensamento soberbo, se arrependeu na hora. Tinha preconceitos, lembrou-se de que gostara muito de um jogo de futebol em Londrina, rodeada de palavrões e chup-chup com água de torneira e famílias inteiras se esturricando gozosamente entre pão com molho e adjetivos brutais, prodigiosamente colocados, lindos e surpreendentes como as melhores invenções da poesia. Concluiu sonolenta, o mundo está certo. Uma criança começou a chorar muito alto: quero ficar aqui não, quero sentar com meu pai, quero o meu pai. A mãe parecia muito agoniada e pelo tom do choro Célia achou que ela abafava a boca da criança com uma fralda ou a apertava raivosa contra o peito, envergonhada de ter filha chorona. Suposições. Tudo estava muito bom naquele dia, não sofria com nada, nem ao menos quis ajudar a mãe, botar a menina no colo, estas coisas em que era presta e mestra. Assistia ao mundo, rodava macio tudo, o ônibus, a vida, nem protagonista nem autora, era figurante, nem ao menos fazia o ponto naquele teatro perfeito, era só plateia. Aplaudia, gostando sinceramente de tudo. Contra céu azul e cheiro de mato verde Deus regia o planeta. Estava muito surpresa com a perfeita mecânica do mundo e muitíssimo agradecida por estar vivendo. Foi quando teve o pensamento de que tudo que nasce deve mesmo nascer sem empecilho, mesmo que os nascituros formem hordas e hordas de miseráveis e os governos não saibam mais o que fazer com os sem-teto, os sem-terra, os sem-dentes e as igrejas todas reunidas em concílio esgotem suas teologias sobre caridade discernida e não tenhamos mais tempo de atender à porta a multidão de pedintes. Ainda assim, a vida é maior, o direito de nascer e morar num caixote à beira da estrada. Porque um dia, e pode ser um único dia em sua vida, um deserdado daqueles sai de seu buraco à noite e se maravilha. Chama seu compadre de infortúnio: vem cá, homem, repara se já viu o céu mais estrelado e mais bonito que este! Para isto vale nascer.

Adélia Prado
(Extraído do livro "Filandras",
 Editora Record - Rio de Janeiro, 2001, pág. 119.) (Daqui)


Adélia Prado


Adélia Luzia Prado Freitas
(Divinópolis, 13 de dezembro de 1935) é uma escritora brasileira. Formou-se em Filosofia em 1973, dirigiu um grupo de teatro amador, exerceu o cargo de professora durante 24 anos, até que a carreira de escritora  se tornou a atividade central.
O seu primeiro livro de poemas chama-se Bagagem (1976) e foi apadrinhado por Carlos Drummond de Andrade. A partir dessa altura, começou a escrever e a publicar mais obras. Em 1978 editou o seu primeiro livro em prosa, intitulado Soltem os Cachorros.
Entre outras obras da autora encontram-se: Terra de Santa Cruz (poesia, 1981), A Faca no Peito (poesia, 1988), Poesia Reunida (antologia, 1991), O Homem da Mão Seca (prosa, 1994), Prosa Reunida (antologia, 1999) e Filandras (prosa, 2001).
Seus textos retratam o quotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características de seu estilo único.
Em termos de literatura brasileira, o surgimento da escritora representou a revalorização do feminino nas letras e da mulher como ser pensante, tendo-se em conta que Adélia incorpora os papéis de intelectual e de mãe, esposa e dona de casa.
 

“Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis“.





Galeria de Sarolta Bán

Imagem de Sarolta Bán


"I was born in 1982 in Budapest, Hungary. Originally I’m a jewellery designer, later I discovered digital photo manipulation and it became my passion and main activity. I like using ordinary elements and by combining them, I can give them various stories, personalities. I hope that the meanings of my pictures are never too limited, are open in some way, each viewer can transform them into a personal aspect." - Sarolta Bán
 

Imagem de Sarolta Bán


Imagem de Sarolta Bán
 

Imagem de Sarolta Bán


Imagem de Sarolta Bán


 Imagem de Sarolta Bán

domingo, 24 de agosto de 2014

"Leia, ouça, veja, mas sobretudo, pense" - Texto de Agostinho da Silva


The Wandering Forest by Christian Schloe


Leia, ouça, veja, mas sobretudo, pense


Se grandes invenções ou descobertas, como o fogo, a roda ou a alavanca, se fizeram antes que o homem fosse, historicamente, capaz de escrever, também se põe como fora de dúvida que mais rapidamente se avançou quando foi possível fixar inteligência em escrita, quando o saber se pôde transmitir com maior fidelidade do que oralmente, quando biblioteca, em qualquer forma, foi testamento do passado e base de arranque para o futuro. A livro se veio juntar arquivo, para o que mais ligeiro se afigurava; e fora de bibliotecas ou arquivos ficaram os milhões de páginas de discorrer ou emoção humana que mais ligeiras pareceram ainda, ou menos duradouras. Escrevendo ou lendo nos unimos para além do tempo e do espaço, e os limitados braços se põem a abraçar o mundo; a riqueza de outros nos enriquece a nós. Leia
 

A Light in the Dark by Christian Schloe


Milhões de homens, porém, no mundo atual estão incapacitados de escrever e de ler, muito menos porque faltam métodos e meios do que incitamento que os levante acima do seu tão difícil quotidiano e vontade de quem mais pode de que seus reais irmãos mais dependam de si próprios do que de exteriores e quase sempre enganadoras salvações. Mais se comunica falando do que de qualquer outra forma; o que nos dizem muitas vezes nos parece de nenhuma importância, mas talvez tenha havido uma falha na atitude de escutar do que no conteúdo do que se disse; porventura a palavra-chave estava aí, mas estávamos distraídos, ou ansiosos por nós próprios falarmos; e no vento fugiu, a outros ouvidos ou a nenhuns. Ouça
 
 
Sonata by Christian Schloe


No tempo em que a antropologia ainda julgava que o homem descendia do macaco notou-se, para os distinguir, que um, mesmo no estádio mais primitivo, desenhava; o outro, mesmo que antropoide superior, nem olhava o desenho. Imagem nos veio acompanhando pela História fora, desde as pinturas ou gravuras rupestres, cujo verdadeiro significado ainda está por encontrar, até cinema ou televisão, sobre cujo significado igualmente muitas vezes nos podemos interrogar e que se tem de arrancar o mais depressa possível ao domínio do lucro, da publicidade ou das propagandas ideológicas para que possam cumprir, como nas formas mais antigas, a sua missão de iluminar, inspirar e consagrar o mundo. Imagem o cerca. Veja
 
 
Dream On by Christian Schloe 
 
 
Mas o que vê e ouve ou lê nada mais lhe traz senão matéria-prima de pensamento, já livre de muita impureza de minério bruto, porquanto antes do seu outros pensamentos o pensaram; mas, por o pensarem, alguma outra impureza lhe terão juntado. Nunca se precipite, pois, a aderir; não se deixe levar por nenhum sentimento, exceto o do amor de entender, de ver o mais possível claro dentro e fora de si; critique tudo o que receba e não deixe que nada se deposite no seu espírito senão pela peneira da crítica, pelo critério da coerência, pela concordância dos factos; acredite fundamentalmente na dúvida construtiva e daí parta para certezas que nunca deixe de ver como provisórias, exceto uma, a de que é capaz de compreender tudo o que for compreensível; ao resto porá de lado até que o seja, até que possa pôr nos pratos da sua balancinha de razão. A tudo pese. Pense.

 
Agostinho da Silva, in 'Textos e Ensaios Filosóficos'
 

Wind, Clouds and Tea by Christian Schloe 
 
 
 
 
 
Gato


Chama-se Luís o gato do terceiro
e é companheiro de um mestre filósofo.
Em madrugadas altas há por vezes sobressalto,
quando o bichano acorda mal disposto.
O professor, sábio também
em jogos de paciência, acalma
o animal e já o mima. Trata-se,
vendo bem, de outra ciência,
tão difícil de conseguir como
um estudo de Pessoa. Chama-se Agostinho
da Silva, o do terceiro, e tem um gato
com quem, à vontade, discreteia.
Luís, discípulo, ronrona baixinho.
Tudo vai bem, assim, no sete desta rua.


Eduardo Guerra Carneiro,
 Contra a Corrente, 1988
(Daqui)


Agostinho da Silva
 (Vida e Obra)

Agostinho da Silva 
 

Professor e investigador português, George Agostinho Batista da Silva nasceu a 13 de fevereiro de 1906, no Porto, e morreu a 3 de abril de 1994, em Lisboa, tendo vivido grande parte da sua juventude em Barca de Alva, no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, junto ao rio Douro.

Após terminar, aos 22 anos, a licenciatura e o doutoramento em Filologia Clássica da Faculdade de Letras do Porto, com a nota máxima de 20 valores, uma bolsa de estudo conduziu-o até à Sorbonne, em França.

Depois de regressar a Portugal, o filósofo portuense fundou, em 1931, em Lisboa, o Centro de Estudos de Filologia, encargo que lhe foi atribuído pela Junta Nacional de Educação, e que seria posteriormente transformado no Centro de Linguística da Universidade Clássica de Lisboa.

Quatro anos depois, em 1935, Agostinho da Silva foi demitido da sua condição de professor do ensino oficial por se ter recusado a cumprir a chamada "Lei Cabral", isto é, a assinar uma declaração em que garantisse não pertencer a qualquer organização secreta. Apesar de não pertencer a nenhuma organização desse género, Agostinho da Silva recusou-se a assinar tal documento por ir contra as suas convicções pessoais. 
 
De 1935 até 1944 residiu em Madrid e em Lisboa, onde viveu à custa do ensino particular e de explicações, tendo-se relacionado, por esta altura, com o grupo Seara Nova e com o escritor António Sérgio.

Em 1944, foi excomungado pela Igreja, facto que o levou a abandonar Portugal para se fixar no Brasil, país onde desempenhou funções e ocupou cargos importantes no domínio da investigação histórica, mantendo sempre ligações de docente com universidades brasileiras e com os Colégios Libres do Uruguai e Argentina.

Como representante do Brasil, cuja cidadania adquiriu em 1958, viajou pelo mundo inteiro (Japão, Macau, Timor Leste), onde fundou, por exemplo, o Instituto de Língua e Cultura Portuguesa, em Tóquio, e os Centros de Estudos Ruy Cinatti e de Estudos Brasileiros, ambos em Díli.

Em 1969, Agostinho da Silva, portuense com naturalidade brasileira há cerca de 10 anos, decidiu voltar a Portugal, sendo reintegrado no Ensino Superior, na qualidade de aposentado como Professor Titular das Universidades Federais do Brasil. 
 
Com direito a uma pensão de aposentação, decidiu, em 1976, criar o Fundo D. Dinis para atribuição do prémio com o mesmo nome, prémio D. Dinis.

Para além de professor, filósofo e investigador, George Agostinho Batista da Silva notabilizou-se também como escritor, em cujo currículo constam mais de 60 obras, muitas delas publicadas durante a sua permanência no Brasil, como, por exemplo, Sentido Histórico das Civilizações Clássicas (1929), A Religião Grega (1930), Miguel Eyquem, senhor de Montaigne (1933), A Vida de Francisco de Assis (1938), A Vida de Moisés (1938), Sete Cartas a um Jovem Filósofo (1945), Herta. Teresinha. Joan (1953), Reflexão à margem da literatura portuguesa (1957), Uns Poemas de Agostinho (1989), Do Agostinho em torno de Pessoa (1990) e Ir à Índia sem Abandonar Portugal (1994).

Tido como um dos grandes filósofos portugueses, Agostinho da Silva tornar-se-ia, nos últimos anos da sua vida, ainda mais conhecido graças à sua participação no programa "Conversas Vadias" emitido pela RTP1.

Agostinho da Silva. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-08-24].


"Não fico sozinho se ficar com a verdade" - Texto de Vasco Pinto de Magalhães


Flight of the Mind by Christian Schloe


Não fico sozinho se ficar com a verdade 


"Só sabe dizer 'sim' quem souber dizer 'não'. É tão difícil dizer 'sim' quando deve ser e 'não' quando tem de ser, tantas vezes contra tudo e contra todos. Mas seria isso que faria a diferença. E seria o mais benéfico para o mundo. A verdade não vai por maiorias. São os interesses, a imagem, as pressões que nos deixam sem liberdade. Não fico sozinho se ficar com a verdade."


(Padre) Vasco Pinto de Magalhães, in 'Não Há Soluções, Há Caminhos' 


"The Tempest"  by Christian Schloe


"Uma coisa é demonstrar a um homem que ele está errado, outra é colocá-lo de posse da verdade."

(John Locke)


John Locke


John Locke (Wrington, 29 de agosto de 1632 — Harlow, 28 de outubro de 1704) foi um filósofo inglês e ideólogo do liberalismo, sendo considerado o principal representante do empirismo britânico e um dos principais teóricos do contrato social

Locke rejeitava a doutrina das ideias inatas e afirmava que todas as nossas ideias tinham origem no que era percebido pelos sentidos. A filosofia da mente de Locke é frequentemente citada como a origem das concepções modernas de identidade e do "Eu". O conceito de identidade pessoal, seus conceitos e questionamentos figuraram com destaque na obra de filósofos posteriores, como David Hume, Jean-Jacques Rousseau e Kant. Locke foi o primeiro a definir o "si mesmo" através de uma continuidade de consciência. Ele postulou que a mente era uma lousa em branco (tabula rasa). Em oposição ao Cartesianismo, ele sustentou que nascemos sem ideias inatas, e que o conhecimento é determinado apenas pela experiência derivada da percepção sensorial

Locke escreveu o Ensaio acerca do Entendimento Humano, onde desenvolve sua teoria sobre a origem e a natureza do conhecimento. Suas ideias ajudaram a derrubar o absolutismo na Inglaterra. Locke dizia que todos os homens, ao nascer, tinham direitos naturais - direito à vida, à liberdade e à propriedade. Para garantir esses direitos naturais, os homens haviam criado governos. Se esses governos, contudo, não respeitassem a vida, a liberdade e a propriedade, o povo tinha o direito de se revoltar contra eles. As pessoas podiam contestar um governo injusto e não eram obrigadas a aceitar suas decisões. 

Dedicou-se também à filosofia política. No Primeiro Tratado sobre o Governo Civil, critica a tradição que afirmava o direito divino dos reis, declarando que a vida política é uma invenção humana, completamente independente das questões divinas. No Segundo Tratado sobre o Governo Civil, expõe sua teoria do Estado liberal e a propriedade privada. (Daqui)
 
 

sábado, 23 de agosto de 2014

"Duplo Império" - Poema de Pedro Mexia


"Between Night and Day"  by Christian Schloe



Duplo Império


Atravesso as pontes mas 
(o que é incompreensível) 
não atravesso os rios, 
preso como uma seta 
nos efeitos precários da vontade. 
Apenas tenho esta contemplação 
das copas das árvores 
e dos seus prenúncios celestes, 
mas não chego a desfazer 
as flores brancas e amarelas 
que se desprendem. 
As estações não se conhecem, 
como lhes fora ordenado, 
mas tecem o duplo império 
do amor e da obscuridade. 


Pedro Mexia, in "Duplo Império"



"Around the world in a teacup" by Christian Schloe


Não é Preciso 


Não é preciso que a realidade exista 
para acreditarmos nela. Na verdade, 
se não existir tudo é mais luminoso. 
Mundo, evidência submissa e soberana. 


Pedro Mexia, in "Duplo Império"


"Among Friends" by Christian Schloe
 
 
"Bendito seja o homem que, não tendo nada para dizer, se abstém de o demonstrar através das suas palavras."

(George Eliot)

George Eliot, pseudónimo de Mary Ann Evans (Nuneaton, Warwickshire, 22 de novembro de 1819 — Chelsea, Londres, 22 de dezembro de 1880), foi uma romancista autodidata britânica.


"Into the Night" by Christian Schloe


sexta-feira, 22 de agosto de 2014

"Conta-nos a Tua História" - Texto de Toni Morrison


Casey Baugh - "Composing" 12x20, oil on canvas


Conta-nos a Tua História 

Será que não há nenhum contexto para as nossas vidas? Nenhuma canção, nenhuma literatura, nenhum poema cheio de vitaminas, nenhuma história ligada à tua experiência que possas passar para nos ajudarem a ficar mais fortes? Tu és um adulto. O mais velho, o mais sábio. Para de pensar em salvar a tua imagem. Pensa sobre as nossas vidas e conta-nos sobre o teu mundo em particular. Desenvolve uma história. A narrativa é radical, cria-nos a nós próprios no momento exato em que está a ser criada. Nós não te vamos culpar se o teu alcance excede a tua compreensão, se o amor incendeia as tuas palavras, se elas descem em chamas e nada deixam a não ser a queimadura. Ou se, com a reticência das mãos de um cirurgião, as tuas palavras apenas suturam os sítios por onde o sangue pode ter fluído. Sabemos que nunca o conseguirás fazê-lo corretamente – de uma vez por todas. A paixão nunca é suficiente; nem a habilidade. Mas tenta. Por nós, e por ti próprio, esquece o teu nome na rua; conta-nos aquilo que o mundo tem sido para ti, tantos nos bons como nos maus momentos. Não nos digas o que acreditar, o que recear. (...) A linguagem é a meditação.

 
Toni Morrison, in 'The Nobel Lecture In Literature, 1993'


Toni Morrison

Toni Morrison (Lorain, 18 de Fevereiro de 1931) é uma escritora, editora e professora estadunidense.
Recebeu o Nobel de Literatura de 1993, por seus romances fortes e pungentes, que relatam as experiências de mulheres negras nos Estados Unidos durante os séculos XIX e XX. Seu livro de estreia, O olho mais azul (1970), é um estudo sobre raça, género e beleza — temas recorrentes em seus últimos romances. Despertou a atenção da crítica internacional com Song of Solomon (1977). Amada (1987), o primeiro romance de uma trilogia que inclui Jazz (1992) e Paraíso (1997), ganhou o Prémio Pulitzer de melhor ficção e foi escolhido pelo jornal americano The New York Times como “a melhor obra da ficção americana dos últimos 25 anos”. Morrison escreveu peças, ensaios, literatura infantil e um libreto de ópera.


Casey Baugh


Casey Baugh  is an American figurative portrait artist (born in Chattanooga, Tennessee) specializing in oil paint and charcoal. His work is described as narrative impressionistic realism. He is best known for his application of dramatic and cinematic quality of lighting and attitudes for his figurative paintings and charcoals, along with his instructional DVDs, and his unique methods of teaching in painting workshops both domestically and internationally. Baugh currently resides in Brooklyn, New York and is a member of Arcadia Contemporary.

"...the profound similarities between Baugh's painted world and our own have the potential to unsettle and awaken us, as viewers, to a more vivid reality than we currently experience, and to freshly recognize the "static" that interferes with our ability to connect with one another and live meaningfully." 

Jeffrey Carlson - Editor, Fine Art Today


Casey Baugh, "The Painter",  16x16, oil on canvas


Casey Baugh, "Another Face to Wear", 14x20


 Casey Baugh, "Into the Night", oil on canvas


Casey Baugh, "Nocturne",  20x20, oil on canvas 


Casey Baugh, "Engulfed", Oil on Panel, 2013


In "Erubescent" (oil, 34×34), Casey Baugh demonstrates his oil painting techniques
 for achieving light and color in his oil portraits of beautiful women.


"Painting a portrait from photo" by Casey Baugh


 
"Não podemos retificar os nossos atos passados e praticá-los de novo corretamente. Talvez os deuses possuam este poder, mas não os homens e as mulheres, o que, provavelmente, é uma sorte. A não ser assim, as pessoas morreriam de velhas a tentar reescrever a sua adolescência." -  Stephen King


Stephen King


Stephen Edwin King (Portland, 21 de setembro de 1947) é um escritor americano, reconhecido como um dos mais notáveis escritores de contos de horror fantástico e ficção de sua geração. Os seus livros venderam mais de 350 milhões de cópias, com publicações em mais de 40 países. Muitas de suas obras foram adaptadas para o cinema. É o nono autor mais traduzido no mundo.

Embora seu talento se destaque na literatura de terror/horror, escreveu algumas obras de qualidade reconhecida fora desse gênero e cuja popularidade aumentou ao serem levadas ao cinema, como nos filmes Conta Comigo, Um Sonho de Liberdade (contos retirados do livro As Quatro Estações), ChristineEclipse Total, Lembranças de um Verão e À Espera de um Milagre.

O seu livro, The Dead Zone, originou a série da FOX com o mesmo nome. O próprio King já escreveu roteiros de episódios para séries, como Arquivo X, em que ele escreveu o roteiro do episódio "Feitiço", da quinta temporada.


segunda-feira, 18 de agosto de 2014

"Poema" - de António José Forte

 
Christian Schloe, Fly Me to Paris


Poema


Alguma coisa onde tu parada
fosses depois das lágrimas uma ilha,
e eu chegasse para dizer-te adeus
de repente na curva duma estrada

alguma coisa onde a tua mão
escrevesse cartas para chover
e eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler

alguma coisa onde tu ao norte
beijasses nos olhos os navios
e eu rasgasse o teu retrato
para vê-lo passar na direção dos rios

alguma coisa onde tu corresses
numa rua com portas para o mar
e eu morresse
para ouvir-te sonhar


António José Forte,
in Uma Faca nos Dentes




António José Forte (Póvoa de Santa Iria, 6 de Fevereiro de 1931Lisboa, 15 de Dezembro de 1988), poeta ligado ao Movimento Surrealista, integrou o chamado Grupo do Café Gelo. Trabalhou também como funcionário da Fundação Calouste Gulbenkian, onde durante mais de 20 anos desempenhou as funções de Encarregado das Bibliotecas Itinerantes. Era casado com a pintora Aldina.

Deixou uma obra breve, mas que claramente o afirma como um consumado poeta. Com colaboração na revista Pirâmide e em vários jornais (A Rabeca, Notícias de Chaves, O Templário, Diário de Lisboa, A Batalha, Jornal de Letras, Artes e Ideias), publicou o seu primeiro livro, 40 Noites de Insónia de Fogo de Dentes Numa Girândola Implacável e Outros Poemas, em 1958. Representado em inúmeras antologias poéticas, António José Forte é também autor do livro de poesia infanto-juvenil Uma rosa na tromba de um elefante.

A poesia de António José Forte carreia uma certa perversão do "discurso" poético e a utopia ideológica, anarquizante e ainda claramente surrealista; é, com uma intenção nitidamente bretoniana, uma maneira de afirmar que o ato de escrever é "ainda aquilo que sabe fazer melhor", mas dizer também em consciência haver "gente que nunca escreveu uma linha e fez mais pela palavra que toda uma geração de escritores" . A sua poesia está reunida em Uma Faca nos Dentes, com um prefácio de Herberto Helder, seu amigo de muitos anos, onde este afirma que "a voz de António José Forte não é plural, nem direta ou sinuosamente derivada, nem devedora. Como toda a poesia verdadeira, possui apenas a sua tradição. A tradição romântica, no menos estrito e mais expansivo e qualificado registo".


Galeria de Christian Schloe

(Artista austríaco cujo trabalho inclui a arte digital, pintura, ilustração e fotografia.)

"The Poet" by Christian Schloe 

"The Pleasure of Travelling" by Christian Schloe

"The Sea Inside" by Christian Schloe

"Voyage" by Christian Schloe

"The River" by Christian Schloe


"Unlock" by Christian Schloe 

"Nightmakers" by Christian Schloe

"Midnight Sky" by Christian Schloe

"Lost in a Dream" by Christian Schloe

"The Messenger" by Christian Schloe

"The Key to Wonderland" by Christian Schloe

"Night Bird" by Christian Schloe


"A Preocupação com a administração da vida parece distanciar o ser humano da reflexão moral."

(Zygmunt Bauman)


O professor Zygmunt Bauman em 2012, com 88 anos de idade, fazendo palestras,
 dando aulas e lançando livros. (Foto: Leonardo Cendamo/AFP)


Zygmunt Bauman (Poznań, 19 de novembro de 1925) é um sociólogo polonês que iniciou sua carreira na Universidade de Varsóvia, onde teve artigos e livros censurados e em 1968 foi afastado da universidade. Logo em seguida emigrou da Polônia, reconstruindo sua carreira no Canadá, Estados Unidos e Austrália, até chegar à Grã-Bretanha, onde em 1971 se tornou professor titular da universidade de Leeds, cargo que ocupou por vinte anos. Lá conheceu o filósofo islandês Ji Caze, que influenciou sua prodigiosa produção intelectual, pela qual recebeu os prémios Amalfi (em 1989, por sua obra Modernidade e Holocausto) e Adorno (em 1998, pelo conjunto de sua obra). Foi orientador da tese de doutorado do sociólogo Pedro Scuro Neto. Atualmente é professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia. 
Tem mais de dezesseis obras publicadas no Brasil, dentre as quais Amor Líquido, Globalização: as Consequências Humanas e Vidas Desperdiçadas.
Bauman tornou-se conhecido por suas análises das ligações entre modernidade (controle sobre a natureza, hierarquização burocrática, regras e normatização, categorização, para impor ordem, diminuir entropia social e insegurança) e Holocausto (não simplesmente um evento da história do povo judeu, mas característica da modernidade), e pós-modernidade (renúncia à segurança característica da modernidade em favor da liberdade, liberdade de comprar e consumir).


"Longing" by Christian Schloe


"Para mudar o mundo, os jovens precisam trocar o mundo virtual pelo real"

(Zygmunt Bauman) 


"Floating Giants" by Christian Schloe


"Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar." 

(Zygmunt Bauman)