domingo, 27 de dezembro de 2015

"Velho do Restelo" - personagem introduzido por Luís de Camões no canto IV da sua obra "Os Lusíadas".




Velho do Restelo

Personagem de Os Lusíadas, que constitui uma espécie de defensor da antítese à tese expansionista. Com efeito, este velho «de aspeto venerando», com «um saber de experiência feito», e, como tal, «digno de ser ouvido» - para usar as expressões de Luís de Camões - interveio junto dos navegadores portugueses que se aprestavam para partir para a empresa marítima da Índia, no sentido de lhes alertar contra os perigos da ambição em excesso e da cobiça pelas riquezas vindas do Oriente. Como solução alternativa, advogava a ida para o Norte de África, onde havia praças fortes a conquistar aos Mouros.
Deste modo, o Velho do Restelo representa a voz da razão num momento de euforia e deslumbramento, a voz da experiência perante a irreverência. Em certa parte, os seus conselhos acabaram por se revelar proféticos, pois a prosperidade das Descobertas cedo se revelou fugaz, seguindo-se a decadência económica e territorial. Além disso, as contrapartidas da Expansão eram óbvias: jovens viúvas esperaram eternamente pelos maridos, a sociedade portuguesa tornou-se ociosa e cega pela ganância. [ CITI ]

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

"Romance" - Poema de José Santiago Naud




Romance

Fruto de solidão 
preso à fronde do vento, 
lua, tu nos dás 
a medida do eterno, 
essa altura que jogas 
contra o espaço celeste 
em nós refere a terra, 
que em nossa ânsia integras. 
E ao nosso amor integras 
tudo o que não sofremos, 
tudo o que não tivemos 
e apenas pressentimos, 
em tua marcha sentimos 
tudo o que não teremos 
e tudo o que já viveram 
corações noutros tempos. 
Flanco de solidão, 
maçã casta e sensual 
presa ao ramo oscilante 
entre a alma e o carnal, 
em ti, suprema altura, 
os olhos vão reunindo 
as trilhas do abandono 
e alguns ecos da infância. 

Pata branca de touro 
extraviada no azul. 


in 'Antologia Poética' 

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Arte Religiosa - "Imaculada Conceição"


Bartolomé Esteban Murillo, "A Imaculada Conceição dos Veneráveis", 1678



A Imaculada Conceição é, segundo o dogma católico, a concepção da Virgem Maria sem mancha (em latim, macula ) do pecado original. O dogma diz que, desde o primeiro instante de sua existência, a Virgem Maria foi preservada por Deus, da falta de graça santificante que aflige a humanidade, porque ela estava cheia de graça divina. Também professa que a Virgem Maria viveu uma vida completamente livre de pecado.

A festa da Imaculada Conceição, comemorada em 8 de dezembro, foi definida como uma festa universal em 28 de Fevereiro de 1476 pelo Papa Sisto IV.

A Imaculada Conceição foi solenemente definida como dogma pelo Papa Pio IX em sua bula Ineffabilis Deus em 8 de Dezembro de 1854. A Igreja Católica considera que o dogma é apoiado pela Bíblia (por exemplo, Maria sendo cumprimentada pelo Anjo Gabriel como "cheia de graça"), bem como pelos escritos dos Padres da Igreja, como Irineu de Lyon e Ambrósio de Milão. Uma vez que Jesus tornou-se encarnado no ventre da Virgem Maria, era necessário que ela estivesse completamente livre de pecado para poder gerar seu Filho. (Daqui)


Bartolomé Esteban Murillo, Imaculada Conceição, 1650


Imaculada Conceição de Peter Paul Rubens, 1627, no Museu do Prado.


Diego Velázquez, Imaculada Conceição, 1618


Imaculada Conceição de Piero di Cosimo, de 1505


Imaculada Conceição de Juan Antonio de Frías y Escalante (1633-1669) 


Imaculada Conceição de Juan Antonio de Frías y Escalante, 1663


Imaculada Conceição de Juan Antonio de Frías y Escalante, 1667


Juan Carreño de Miranda, The Assumption of the Virgin, 1657


Imaculada Conceição de Francisco de Zurbarán, de 1630

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

"Converteu-se-me em Noite o Claro Dia" - Soneto de Luís Vaz de Camões


Baldassare Peruzzi (1481–1537), Muses Dancing with Apollo (c.1514/1523)



Converteu-se-me em Noite o Claro Dia 


Apolo e as nove Musas, descantando 
Com a dourada lira, me influíam 
Na suave harmonia que faziam, 
Quando tomei a pena, começando: 

Ditoso seja o dia e hora, quando 
Tão delicados olhos me feriam! 
Ditosos os sentidos que sentiam 
Estar-se em seu desejo traspassando! 

Assim cantava, quando Amor virou 
A roda à esperança, que corria 
Tão ligeira, que quase era invisível. 

Converteu-se-me em noite o claro dia; 
E, se alguma esperança me ficou, 
Será de maior mal, se for possível. 


Luís de Camões, in "Sonetos"



Atena junto às Musas, de Frans Floris (c. 1560)



"Ó que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves, que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã, e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava,
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo."


A Ilha dos Amores,
Na estrofe LXXXIII do Canto IX de “Os Lusíadas


domingo, 6 de dezembro de 2015

"O Julgamento de Páris " - Mitologia Grega



(Julgamento de Páris é um conto da mitologia grega que é um prelúdio para a Guerra de Tróia.)


De acordo com o mito grego, a Guerra de Tróia viria a ser causada por um simples evento, normalmente chamado "O Julgamento de Páris", cujos contornos gerais descrevo em seguida:

Apesar de terem sido muitos os convidados para um banquete em que se celebrava o casamento de Peleu e Tétis, Éris, deusa da discórdia, não foi uma das divindades convidadas. Irritada, a deusa enviou ao evento um maçã de ouro, na qual se podia ler a inscrição "Para a mais bela". Três deusas - Hera, Atena e Afrodite - responderam a esse desafio.
Zeus, incapaz de escolher uma vencedora, atribuiu tal honra a Páris, um mortal cujos dotes já estavam comprovados. Aparecendo a este herói, cada uma das deusas tentou atribuir um suborno a Páris: Hera dar-lhe-ia o trono da Ásia e Europa, Atena torná-lo-ia mais sábio e Afrodite dar-lhe-ia o amor da mais bela mulher, caso ele escolhesse cada uma delas para vencedora.
Talvez movido pela luxúria, Páris deu a maçã a Afrodite, com os efeitos desta decisão (e o posterior rapto de Helena, a mais bela mulher) a originarem a Guerra de Tróia.

Apesar de trivial, a decisão de Páris foi bastante importante para o desenvolvimento da Guerra de Tróia. São poucos os mitos que referem os dotes físicos de Atena, uma divindade associada ao dom da sabedoria, mas em termos de beleza física Hera é, normalmente, considerada como superior a Afrodite, uma deusa cujos atributos são mais ligados ao dom da paixão e do complexo amor. Poderão ter sido muitas as razões para a decisão que Páris tomou, mas o interesse no amor de uma bela mulher parece ser o mais óbvio.

É importante constatar que ambas as deusas preteridas apresentaram um papel fundamental na Guerra de Tróia, com Atena a participar diretamente no conflito. A escolha do herói apresenta, também, um papel claramente metafórico, em que a este é proposta uma escolha entre dons físicos e atributos mentais, altura em que Páris parece favorecer o amor em detrimento da riqueza ou sabedoria. Também o famoso rei Midas, um mito referido anteriormente, teria opções similares, vindo a sofrer terríveis consequências.

Vítima da promessa de Afrodite, Helena tornar-se-ia amante de Páris, razão pela qual seria levada para Tróia e originaria o mais famoso conflito da Grécia Clássica. O tema de uma mulher causadora de infelicidade, seja diretamente ou de forma indireta, é frequente nesta mitologia, como também pode ser visto no mito de Pandora. 

Apenas para dar uma nota final, é importante frisar que esta maçã de ouro pouco tem a ver com outros famosos frutos, as Maçãs das Hespérides, apesar de partilharem algumas características físicas.

"O Mundo está prestes a rebentar" - Poema de Harold Pinter


Joachim Wtewael, The Deluge, 1595, 148 x 184.6 cm, Germanisches Nationalmuseum
 


O Mundo está prestes a rebentar


Não olhes. 
O mundo está prestes a rebentar. 

Não olhes. 
O mundo está prestes a despejar a sua luz 
E a lançar-nos no abismo das suas trevas, 
Aquele lugar negro, gordo e sem ar 
Onde nós iremos matar ou morrer ou dançar ou chorar 
Ou gritar ou gemer ou chiar que nem ratos 
A ver se conseguimos de novo um posto de partida. 


Harold Pinter, in "Várias Vozes"
Tradução de Jorge Silva Melo e Francisco Frazão
Quasi Edições
 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

"Sonhar" - Poema de Helena Kolody


Anton Melbye, The Eddystone Lighthouse (1846)


Sonhar


Sonhar é transportar-se em asas de ouro e aço
Aos páramos azuis da luz e da harmonia;
É ambicionar o céu; é dominar o espaço,
Num voo poderoso e audaz da fantasia.

Fugir ao mundo vil, tão vil que, sem cansaço,
Engana, e menospreza, e zomba, e calunia;
Encastelar-se, enfim, no deslumbrante paço
De um sonho puro e bom, de paz e de alegria.

É ver no lago um mar, nas nuvens um castelo,
Na luz de um pirilampo um sol pequeno e belo;
É alçar, constantemente, o olhar ao céu profundo.

Sonhar é ter um grande ideal na inglória lida:
Tão grande que não cabe inteiro nesta vida,
Tão puro que não vive em plagas deste mundo.


Helena Kolody


Helena Kolody


Helena Kolody (Cruz Machado, 12 de outubro de 1912 — Curitiba, 15 de fevereiro de 2004) foi uma poetisa brasileira.
Seus pais foram imigrantes ucranianos que se conheceram no Brasil. Helena passou parte da infância na cidade de Rio Negro, onde fez o curso primário. Estudou piano, pintura e, aos doze anos, fez seus primeiros versos.
Seu primeiro poema publicado foi A Lágrima, aos 16 anos de idade, e a divulgação de seus trabalhos, na época, era através da revista Marinha, de Paranaguá.
Aos 20 anos, Helena iniciou a carreira de professora do Ensino Médio e inspetora de escola pública. Lecionou no Instituto de Educação de Curitiba por 23 anos. Helena Kolody, segundo o que consta em seu livro Viagem no Espelho, foi professora da Escola de Professores da cidade de Jacarezinho, onde lecionou por vários anos.
Seu primeiro livro, publicado em 1941, foi Paisagem Interior, dedicado a seu pai, Miguel Kolody, que faleceu dois meses antes da publicação.
Helena se tornou uma das poetisas mais importantes do Paraná, e praticava principalmente o haicai, que é uma forma poética de origem japonesa, cuja característica é a concisão, ou seja, a arte de dizer o máximo com o mínimo. Foi a primeira mulher a publicar haicais no Brasil, em 1941. (Daqui)


Anton MelbyeSea at Night


Dom

Deus dá a todos uma estrela.
Uns fazem da estrela um sol.
Outros nem conseguem vê-la.



Helena Kolody
in: "Viagem no espelho : e vinte e um poemas inéditos" - página 46


quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

"Revelando a mágica" - Poema de Charles Bukowski


Robert Panitzsch (Dinamarquês, 1879-1949)



Revelando a mágica


um bom poema é como uma cerveja gelada
quando você está a fim
um bom poema é como um misto
quente quando você está
faminto,
um bom poema é uma arma quando
a multidão te cerca,
um bom poema é algo que
te permite atravessar as ruas da morte,
um bom poema pode fazer a morte derreter como
manteiga quente,
um bom poema pode emoldurar a agonia e 
pendura-la na parede,
um bom poema permite teus pés tocarem
a China,
um bom poema pode fazer uma mente despedaçada 
voar,
um bom poema te permite cumprimentar
Mozart,
um bom poema te permite jogar dados
com o diabo
e ganhar,
um bom poema pode fazer quase qualquer coisa, 
e o mais importante
um bom poema sabe quando
acabar.


Poema de Charles Bukowski
Tradução de Fernando Koproski
do livro "Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém"