sexta-feira, 1 de abril de 2016

"Saudade" - Texto de José Luís Peixoto



Saudade


Em momentos como agora, lembro-me de ti com muita força, com detalhes. Saber que existes neste mesmo instante, lá longe, inunda-me. 
Sinto a tua falta. Sei que se começasse agora a enumerar as tuas qualidades, haveria de me perder em alguma, enlevado, antes de conseguir dizê-las todas. Ou talvez não seja possível esgotá-las. Foi precisa esta distância para reconhecer aquilo que, aqui, me parece tão evidente. 
No entanto, há horas em que não estou a pensar em ti. Nesse tempo, ocupo-me de assuntos que estão à distância do braço, basta levantar o nariz para olhá-los de frente. Ainda assim, mesmo então, sei que este é um mundo em que existes. Por baixo de tudo, quase sempre sem palavras, há essa certeza. Seria insuportável um mundo em que não existisses. 
Os lugares onde fui criança, onde cresci, ou mais tarde, onde a minha vida se decidiu, existem agora, lá longe, indiferentes talvez aos pensamentos que aqui desenvolvo sobre eles. Ao imaginá-los, com a devida diferença horária, deambulo por eles sem corpo, sou apenas olhos, alma, ignorado pelas paredes, pelas ruas, que prosseguem a sua existência sem mim. 
Portugal, eu sei que uma parte da falta que sinto de ti é falta de mim próprio. Às vezes, misturo-me contigo na minha cabeça. Como um enorme espaço vazio, como um fantasma invisível, a ausência daquele que fui passeia-se em ti, Portugal. Como um eco que só eu sou capaz de ouvir, as tais paredes e as tais ruas ainda guardam a imagem daquele que fui, das ilusões que tinha, todas essas idades irrecuperáveis. Velhos que conheci novos passam a coxear por esses lugares e não me distinguem nas suas lembranças, crianças que não tinham nascido passam a correr por esses lugares e não me distinguem na sua imaginação. 
Mas também sei, Portugal, que uma parte enorme da falta que sinto de ti é falta desse teu corpo subjetivo, desse teu ar, do teu porte, da tua presença física. Às vezes, nos lugares por onde passo, quando me lembro de ti como agora, quando me enches os olhos, parece que te vejo em toda a parte. Os sentidos enganam-me. Começa a parecer-me, por exemplo, que as pessoas lá ao fundo estão a falar em português. À distância de lhes distinguir o entusiasmo vago, mas sem lhe identificar a estrutura, sem divisão silábica rigorosa, parece-me que estão a falar em português, aproximo-me esperançado e, de repente, percebo que não e, por instantes, tudo em mim é injustificado: a minha postura, a minha posição, o meu posto. Foi precisa esta distância para reconhecer o privilégio, tão evidente, de estar rodeado de pessoas a falarem a mesma língua que eu. 
Mas haveria muito mais, Portugal. És família profunda, és terra. És toda a história e todo o futuro, não exagero, és caminho. Como disse, não vou aqui enumerar tudo o que te distingue aos meus olhos. Sinto a tua falta, mas não chego a lugares onde não estejas. Levo-te comigo, Portugal. Estás agarrado à minha pele, à minha voz, a tudo o que sou capaz de pensar, sentir e ser. É através de ti, Portugal, que entendo o mundo inteiro. 

José Luís Peixoto, in 'Up' (Revista)
 


 
Castelo de Guimarães
 
 
Intimamente ligado à fundação do Condado Portucalense e às lutas da independência de Portugal, o Castelo de Guimarães localiza-se no topo rochoso da sagrada colina desta cidade minhota, sobranceiro ao Campo de S. Mamede. 
 
No século X, época em que as guerras da Reconquista atingiam o seu auge no Norte da Península, a condessa Mumadona Dias procedeu à construção de um castelo para defesa do seu mosteiro e da indefesa população das terras de Vimaranes.

Com a fundação do Condado Portucalense, D. Henrique e D. Teresa elegeram como sua residência o castelo da cidade-berço, melhorando e ampliando o seu perímetro defensivo - podendo datar deste período inicial do século XII a sua Torre de Menagem. Nos séculos seguintes, D. Dinis e D. João I iriam deixar a marca dos seus reinados na volumetria desta fortaleza medieval.

De grande simplicidade geométrica, mas produzindo um belo efeito estético, a planta do castelo desenha, aproximadamente, um escudo facetado. Quatro robustas torres marcam os sólidos panos desta muralha aparelhada. As portas da cerca são ladeadas por volumosos torreões defensivos, mais expressivos no portal principal ocidental e na porta da traição, virada a Oriente. Um forte adarve, com lanços de escada nas zonas das torres, percorre a parte superior das muralhas, apresentando estas coroamento de muro com ameias pentagonais e de recorte pontiagudo.

Na parte norte da espessa muralha são visíveis as ruínas da antiga Alcáçova, residência do castelo, provavelmente do século XIV, que se divide em dois pisos, observando-se ainda as suas janelas exteriores e duas chaminés, de belo recorte e marcado sentido palaciano.

Uma ponte de madeira estabelece a ligação entre o adarve das muralhas e a volumosa e alta Torre de Menagem, implantada no interior do solo rochoso desta fortaleza medieval. De planta quadrangular, a Torre de Menagem é sólida e tem escassas aberturas marcando os vários andares, ligados internamente por escada de madeira e de pedra. Largo e contínuo adarve permite a circulação e a observação no topo da torre, sendo o seu coroamento realizado por ameias pentagonais pontiagudas.

D. Dinis procedeu ao amuralhamento de toda a zona inferior da povoação vimaranense, trabalho prosseguido por D. Fernando e derrubado, em parte, por D. João I. Esta muralha defensiva compreendia uma extensão de dois quilómetros, tendo ainda oito portas e igual número de torres. No século XIX, a maior parte da muralha foi desmontada e reaproveitada para outras obras públicas e particulares, escapando o castelo deste fatídico destino, por um escasso mas decisivo voto, numa eleição efetuada em 1836 no município vimaranense.

O castelo de Guimarães integra o designado Centro Histórico de Guimarães, reconhecido como Património Mundial pela UNESCO em 2001. (Daqui)
 
 

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