sexta-feira, 11 de novembro de 2016

"A Palavra" - Poema de Eduardo White


Maximilien Luce, Morning, Interior, 1890. The painting represents Gustave Perrot, a close friend of Luce
 and a fellow Neo-Impressionist. Oil on canvas, 64.8 x 81 cm. Metropolitan Museum of Art, New York 


A Palavra


A palavra renova-se no poema.
Ganha cor,
ganha corpo,
ganha mensagem.

A palavra no poema não é estática,
pois, inteira e nua se assume
no perfeito,
no perpétuo movimento
da incógnita que a adoça.

A palavra madura é espetáculo.
Canta.
Vive.
E respira. Para tudo isso
basta
uma mão inteligente que a trabalhe,
lhe dê a dimensão do necessário
e do sentido
e lhe amaine sobre o dorso
o animal que nela dorme destemido.

A palavra é ave
migratória,
é cabo de enxada,
é fuzil, é torno de operário,
a palavra é ferida que sangra,
é navalha que mata,
é sonho que se dissipa,
visão de vidente.

A palavra é assim tantas vezes
dia claro
sinal de paisagem
e por isso é que à palavra se dá,
inteiramente,
um bom poeta
com os seus sonhos,
com os seus fantasmas,
com os seus medos 
e as suas coragens,
porque é na palavra que muitas vezes está,
perdido ou escondido,
o outro homem que no poeta reside.


 (1963-2014)


Eduardo Costley White por Bruno Mikahil


Escritor moçambicano, Eduardo Costley White nasceu em Quelimane (Moçambique), a 21 de novembro de 1963 e faleceu a 24 de agosto de 2014.
Após uma formação durante três anos no Instituto Industrial, o escritor exerceu funções diretivas numa empresa comercial, foi membro do Conselho de Coordenação da revista "Charrua" e dirigente da Associação de Escritores de Moçambique.
Numa preocupação com as origens, Eduardo White tenta na sua poesia refletir sobre a sua história e sobre Moçambique, numa tentativa de apagar as marcas da guerra e de dignificar a vida humana. Para isso, escreve através de um amor diversificado que pode ser pela amada, pela terra ou mesmo pela própria poesia, sempre num tom de ternura, de onirismo, de musicalidade e, por vezes, de erotismo. (Daqui)

Livros publicados
  • Amar sobre o Índico (1984)
  • Homoíne (1987)
  • “País de Mim (1990); Prémio Gazeta revista Tempo
  • Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave (1992); Prémio Nacional de Poesia
  • Os Materiais de Amor Seguido de o Desafio à Tristeza (1996)
  • Janela para Oriente (1999)
  • Dormir com Deus e um Navio na Língua (2001); bilingue português/inglês; Prémio Consagração Rui de Noronha (Editora Labirinto)
  • As Falas do Escorpião (novela; 2002)
  • O Homem a Sombra e a Flor e Algumas Cartas do Interior (2004)
  • O Manual das Mãos (2004); Grande Prémio de Literatura José Craveirinha, Prémio TVZine para Literatura
  • Até Amanhã Coração (2007)
  • Dos Limões Amarelos do Falo, às Laranjas Vermelhas da Vulva (2009); Prémio Cores da Escrita
  • Nudos (2011), Antologia da sua obra poética
  • O Libreto da Miséria (2010-2012)
  • A Mecânica Lunar e A Escrita Desassossegada (2012)
  • O Poeta Diarista e os Ascetas Desiluminados (2012) Prémio Glória de Sant’Anna
  • Bom Dia, Dia (2014)

Sem comentários: