quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

"Versos a uma cabrinha que eu tive" - Poema de Vitorino Nemésio


Richard Ansdell (English, 1815-1885), Goatherds, Gibraltar - ­Looking across the strait into Africa, 1871 



Versos a uma cabrinha que eu tive


Com seu focinho húmido
Esta cabrinha colhe
Qualquer sinal de noite
De que a erva se molhe.

Daquela flor pendente
Pra que seu passo apela
Parece que a semente
É o badalinho dela.

Sua pelerina escura
Vela-a da noite sentida;
Tem cada pêlo uma gota,
Com passos, poeira, vida.

De silêncio, silvas, fome,
Compõe nos úberos cheios
Toda a razão do seu nome
E fruto de seus passeios.

Assim já marcha grave
Como os navios entrando,
Pesada dos pensamentos
Da sua vida suave.

E enfim, no puro penedo
De seus casquinhos tocado,
Está como o ovo e a ave:
Grande segredo
Equilibrado. 


Eu comovido a oeste, 1940


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