quarta-feira, 8 de março de 2017

"A forma como me amas, Mãe" - Texto de Pedro Chagas Freitas


Albert Anker, Jeune mère contemplant son enfant endormi, 1875



A forma como me amas, Mãe



Há qualquer coisa de Deus na forma como me amas, mãe. 
As pessoas não são tão grandes como tu, as pessoas não aguentam tanto a vida como tu. As pessoas choram, as pessoas sofrem, as pessoas passam pela vida à procura da melhor maneira de viver. Mas tu amas-me, mãe. Tu amas-me assim, sem condições, e parece que quando me amas nem sequer existes. Apenas ficas ali, a ver-me existir, e é assim que descobres e me ensinas que a vida se resume a ver quem amas viver. 

Há qualquer coisa de impossível na forma como me amas, mãe. 
O possível teria de exigir que parasses quando te dói, que parasses quando o mundo, filho da puta do mundo, te obriga a inventares novas maneiras de me dares tudo o que eu preciso. O possível iria dizer-te que não, que uma só pessoa, tão pequena e tão grande como tu, não pode suportar todo o peso de duas vidas. E tu ainda aí estás, tão forte como só tu, tão impossível como só tu, a sorrir quando me vês de caderno na mão a dizer que sou o melhor aluno da turma. É claro que é bom ser bom aluno, mas o meu maior orgulho é ser filho da mãe mais impossível do mundo. 

Há qualquer coisa de genial na forma como me amas, mãe. 
As pessoas não inventam o tempo como tu, as pessoas não conseguem entender qual é a equação que permite estar sempre onde tem de se estar, as pessoas chegam atrasadas, as pessoas falham a responsabilidades, as pessoas por vezes esquecem-se do que têm de fazer, as pessoas não conseguem fazer com que metade do que precisariam para viver chegue para viverem sem nada lhes faltar. E tu consegues o milagre da multiplicação dos pães e dos corpos, estás no sítio exato onde te preciso na hora exata onde te preciso com as palavras exatas de que preciso, a falares-me de como é importante acreditar que sabemos tudo mesmo que seja importante acreditar que não sabemos nada, e eu ouço-te e percebo que o segredo da tua existência é saberes que só o amor derrota a matemática, e que número nenhum está à altura de quando me abraças. 

Há qualquer coisa de eu todo na forma como me amas, mãe. 
E quando me perguntarem que idade tem a minha mãe direi apenas que para sempre. 


Pedro Chagas Freitas, in 'Prometo Falhar'


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