quinta-feira, 14 de setembro de 2017

"O Bailador de Fandango" - Poema de Pedro Homem de Mello

 
Fandango do Ribatejo - Ilustração de Mário Costa (Daqui)
 
[Mário Costa (1902-1975) foi um respeitado pintor, ilustrador e vitralista. Fez decorações para a Exposição do Mundo Português (1940), ganhou o prémio Roque Gameiro do SNI (1945), distinguiu-se na reconstrução dos vitrais dos Jerónimos, das Sés de Lisboa e do Porto e da Igreja da Conceição (Porto) e foi co-autor dos vitrais das Igrejas de Fátima e do Santo Condestável, em Lisboa, e da Igreja da Lapa, no Porto. Há um vitral seu, de estética moderna, na pastelaria Mexicana, na capital. Trabalhou nos décors de vários filmes portugueses (‘O Fado’, ‘O Homem do Ribatejo’, ‘Camões’, ‘O Costa do Castelo’ e ‘A Vizinha do Lado’, entre outros) e foi chefe do Atelier de Publicidade da Mobil em Portugal.]
 
 
 
O Bailador de Fandango


Sua canção fora a Gota,
Sua dança fora o Vira.
Chamavam-lhe “o fandangueiro”.
Mas seu nome verdadeiro
Quando bailava, bailava,
Não era nome de cravo,
Nem era nome de rosa.
- Era o de flor, misteriosa,
Que se esfolhava, esfolhava...
E havia um cristal na vista
E havia um cristal no ar
Quando aquele fandanguista
Se demorava a bailar!
E havia um cristal no vento
E havia um cristal no mar.
E havia no pensamento
Uma flor por esfolhar...
Fandangueiro! Fandangueiro?...
(nem sei que nome lhe dar...)

Tinham seus braços erguidos
Nem sei que ignotos sentidos
- leitos de Asa pelo ar...
Quando bailava, bailava,
Não era folha de cravo
Nem era folha de rosa.
Era uma flor, misteriosa,
Que se esfolhava, esfolhava...

Domingos Enes Pereira
Do lugar de Montedor...
(O bailador do Fandango
Era aquele bailador!)
Vinham moças da Areosa
Para com ele bailar...
E vinham moças de Afife
Para com ele bailar.
Então as sombras dos corpos,
Como chamas traiçoeiras,
Entrelaçavam-se e a dança
Cobria o chão de fogueiras...

E as sombras formavam sebe...
O movimento as florira...
O sonho, a noite, o desejo...
Ai! belezas de mentira!

E as sombras entrelaçavam-se...
Os corpos, ninguém sabia
Se eram corpos, se eram sombras,
Se era o amor que se escondia...


 
 
Pintura de dançarinos de fandango castelhano do século XVIII, 
por Pierre Chasselat (1753-1814)
 


Fandango
 
 
Dança tradicional em toda a Península Ibérica, o fandango mantém em todas as suas versões regionais algumas características semelhantes em termos musicais, tais como o compasso ternário, tempo vivo e uma acentuação muito ritmada. Características que, de resto, são comuns a outro tipo de danças populares, tanto em Espanha, com a malagueña, ou em Portugal, com o vira. Os instrumentos musicais utilizados são a harmónica, também chamada de "piano de cavalariça", e a gaita de beiços na Estremadura, enquanto que no Minho o fandango toca-se com a gaita de foles, as violas, clarinete, ferrinhos e pandeiro. No Alentejo e no Algarve, os instrumentos preferidos são o pífaro, a gaita de foles, o bandolim e as castanholas.

A grande divergência entre as várias versões de fandango existentes na Península reside na coreografia da dança que apresenta diferenças significativas. Em Portugal, o fandango dança-se com diferentes coreografias. Na zona raiana, o fandango dança-se como em Espanha, com sapateado e com os braços ondulando em arco por cima da cabeça - o El Musafaha dos mouros e ciganos -, as mãos com castanholas a marcar o ritmo, os bailarinos aproximam-se e afastam-se com volteios de verdadeira sedução, em movimentos herdados do maneio dos quadris e da umbigada trazidos de África. Este tipo de dança seria provavelmente o mais popular em toda a península até ao fim do século XIX, já que tanto o bolero e o flamengo espanhóis como o fado dançado português e posteriormente as danças luso-brasileiras da fofa e do lundum viriam a ser influenciadas pelo fandango.

No Ribatejo, o fandango apresenta um carácter talvez único em toda a península, sendo dançado unicamente com os pés, como num jogo, que nada tem a ver com o sapateado andaluz com os dançarinos colocados um face ao outro. Os braços estão imobilizados junto ao corpo e as mãos são encostadas à parte superior do peito com os polegares estendidos e encostados às axilas. A arte desta versão ribatejana do fandango está no jogo de pés que inclui algumas mudanças de flexão das pernas com elevação lateral com as mãos a descer e a tocar os pés de forma não sincronizada. O corpo mantém-se estático durante praticamente toda a dança e alguns dançarinos são tão hábeis que chegam a dançar com cestos ou copos na cabeça. (Daqui)
 
 

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