terça-feira, 4 de dezembro de 2018

"Protesto" - Poema de Walmir Ayala


(Woman Standing in Front of a Mirror), 1841



Protesto 


Não é no teu corpo que se imola
para a ceia dos meus sentidos
a vítima núbil, a áurea mola
que cinge o amor recente aos idos.

Mas é também no teu corpo que corre
o sangue que o meu sangue socorre.

Não é no teu corpo que se ergue
a guerra fria dos meus nervos,
nem nasceram tuas transparências
para a cegueira dos meus dedos.

Mas é também no teu corpo insano
que perscruto meu desconforto humano.

Não é no teu corpo, nos teus olhos
de fauno, que colho as minhas ditas,
nem o jasmim de tua boca flore
para a visão que me solicita.

Mas é também no teu corpo único
que o amor à forma do Amor reúno.

Não é no teu corpo que concentro
minha sede (esta sede ferina
que morre de seu farto alimento
e vive de quanto se elimina)

Mas é também teu corpo a medida
destas águas sobre a minha ferida.

Não é no teu corpo, mas é tanto
no teu corpo meu último refúgio,
que amoroso e em pânico me insurjo
contra a fonte que és: júbilo e pranto.

Mas é também no teu corpo o tudo
da solidão em que me aclaro e escudo.

Em teu corpo, canal que brande e acalma
minha alma, este pássaro árduo e mudo
na estranha migração da tua alma. 
in 'O Edifício e o Verbo'


Christoffer Wilhelm Eckersberg, Naked Woman 
Putting on her Slippers, 1843



"Pelo exemplo de Beatriz compreende-se
facilmente como o amor feminino dura pouco,
se não for conservado aceso pelo olhar e pelo tacto do homem amado."

Dante Alighieri

Purgatório (Divina Comédia)



Sem comentários: