sexta-feira, 11 de novembro de 2011

"Pequena elegia de setembro" - Poema de Eugénio de Andrade


Victor Gilbert (Peintre français, 1847-1935), Jeune femme dans le jardin fleuri, 1885


Pequena elegia de setembro


Não sei como vieste, 
mas deve haver um caminho 
para regressar da morte. 

Estás sentada no jardim, 
as mãos no regaço cheias de doçura, 
os olhos pousados nas últimas rosas 
dos grandes e calmos dias de setembro. 

Que música escutas tão atentamente 
que não dás por mim? 
Que bosque, ou rio, ou mar? 
Ou é dentro de ti 
que tudo canta ainda? 

Queria falar contigo, 
Dizer-te apenas que estou aqui, 
mas tenho medo, 
medo que toda a música cesse 
e tu não possas mais olhar as rosas. 
Medo de quebrar o fio 
com que teces os dias sem memória. 

Com que palavras 
ou beijos ou lágrimas 
se acordam os mortos sem os ferir, 
sem os trazer a esta espuma negra 
onde corpos e corpos se repetem, 
parcimoniosamente, no meio de sombras? 

Deixa-te estar assim, 
ó cheia de doçura, 
sentada, olhando as rosas, 
e tão alheia 
que nem dás por mim. 


Eugénio de Andrade, 
in 'Antologia Poética'


Victor Gilbert, Gardening


“O outono é triste. Acho que é porque ele é uma metáfora da vida. 
A despedida deveria ser assim: uma orgia de beleza.”

(Rubem Alves)

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