terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

"Manhã de Inverno" - Poema de Machado de Assis


Jozef Israëls (Dutch painter, 1824–1911), We Grow Old, 1878.



Manhã de Inverno


Coroada de névoas, surge a aurora 
Por detrás das montanhas do oriente; 
Vê-se um resto de sono e de preguiça, 
Nos olhos da fantástica indolente. 

Névoas enchem de um lado e de outro os morros 
Tristes como sinceras sepulturas, 
Essas que têm por simples ornamento 
Puras capelas, lágrimas mais puras. 

A custo rompe o sol; a custo invade 
O espaço todo branco; e a luz brilhante 
Fulge através do espesso nevoeiro, 
Como através de um véu fulge o diamante. 

Vento frio, mas brando, agita as folhas 
Das laranjeiras úmidas da chuva; 
Erma de flores, curva a planta o colo, 
E o chão recebe o pranto da viúva. 

Gelo não cobre o dorso das montanhas, 
Nem enche as folhas trémulas a neve; 
Galhardo moço, o inverno deste clima 
Na verde palma a sua história escreve. 

Pouco a pouco, dissipam-se no espaço 
As névoas da manhã; já pelos montes 
Vão subindo as que encheram todo o vale; 
Já se vão descobrindo os horizontes. 

Sobe de todo o pano; eis aparece 
Da natureza o esplêndido cenário; 
Tudo ali preparou co’os sábios olhos 
A suprema ciência do empresário. 

Canta a orquestra dos pássaros no mato 
A sinfonia alpestre, — a voz serena 
Acordo os ecos tímidos do vale; 
E a divina comédia invade a cena.


Machado de Assis, in 'Falenas'

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