domingo, 24 de junho de 2018

"Consolo na praia" - Poema de Carlos Drummond de Andrade


Emil Nolde, Meer Bei Alsen (Sea Off Alsen), 1910


Consolo na praia


Vamos, não chores…
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-se – de vez – nas águas.
Estás nu na areia, no vento…
Dorme, meu filho.


in A rosa do povo, 1945


Emil Nolde, Sunrise at the sea, 1927


"Nenhuma ilusão é mais corriqueira do que aquela que a nostalgia nos inspira na velhice."


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