sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

"Aniversário" - Poema de Ana Luísa Amaral


 
George Goodwin Kilburne (British, 1839-1924), A Tender Moment
 

Aniversário


Sentei-me com um copo em restos de
champanhe a olhar o nada.
Entre crianças e adultos sérios
Tive trinta em casa.

Será comovedor os quatro anos
e a festa colorida
as velas mal sopradas entre um rissol
no chão e os parabéns:
quatro anos de vida.

Serão comovedores os sumos de
laranja concentrados (proporções
por defeito) e os gostos tão
diversos, o bolo de ananás,
os pés inchados.

Será soberbamente comovente
toda a gente cantando,
o mau comportamento dos adultos
conversas-gelatinas e os anos
só pretexto.

Mas eu gostei. E contra mim gostei
mesmo no resto:
este prazer pequeno do silêncio
um sapato apertando descalçado
guardanapo e rissol por arrumar
no chão e um copo

olhando o nada
em restos de champanhe


Ana Luísa Amaral 


 
George Goodwin Kilburne, Mother and Daughter

"As crianças, atentas ao presente, agora-agora, conseguem transformar tempo comum em férias. Eu, ao deixar de saber como fazê-lo, ganhei a capacidade de observá-lo."

 
José Luís Peixoto, em "Abraço"

 

George Goodwin Kilburne, Memories 
(Pencil and watercolor with gum arabic and with scratching out on paper)


"Tenho medo que os meus filhos nunca cheguem a entender aquilo que lhes conto quando ficamos em silêncio, quando o tempo passa e estamos juntos, no mesmo lugar, eu a conduzir em viagens longas com horizonte e eles, ao meu lado, a olharem pela janela, ou quando é fim da tarde, também com horizonte, em silêncio." 


José Luís Peixoto, em "Dentro do Segredo"


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