Aniversário
Sentei-me com um copo em restos de
champanhe a olhar o nada.
Entre crianças e adultos sérios
Tive trinta em casa.
Será comovedor os quatro anos
e a festa colorida
as velas mal sopradas entre um rissol
no chão e os parabéns:
quatro anos de vida.
Serão comovedores os sumos de
laranja concentrados (proporções
por defeito) e os gostos tão
diversos, o bolo de ananás,
os pés inchados.
Será soberbamente comovente
toda a gente cantando,
o mau comportamento dos adultos
conversas-gelatinas e os anos
só pretexto.
Mas eu gostei. E contra mim gostei
mesmo no resto:
este prazer pequeno do silêncio
um sapato apertando descalçado
guardanapo e rissol por arrumar
no chão e um copo
olhando o nada
em restos de champanhe
Ana Luísa Amaral
"As crianças, atentas ao presente, agora-agora, conseguem transformar tempo comum em férias. Eu, ao deixar de saber como fazê-lo, ganhei a capacidade de observá-lo."
José Luís Peixoto, em "Abraço"
George Goodwin Kilburne, Memories
"Tenho medo que os meus filhos nunca cheguem a entender aquilo que lhes conto quando ficamos em silêncio, quando o tempo passa e estamos juntos, no mesmo lugar, eu a conduzir em viagens longas com horizonte e eles, ao meu lado, a olharem pela janela, ou quando é fim da tarde, também com horizonte, em silêncio."
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