domingo, 30 de junho de 2019

"Procissão" - Poema de António Lopes Ribeiro


 

Procissão


Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o solidó.
Quando o regente lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.

Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes machados,
E os capacetes rebrilham ao sol.

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!

Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos.
E o mais pequeno perdeu uma asa!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu!

Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.



João Villaret - "A Procissão", de António Lopes Ribeiro (RTP)
 


"Se a poesia não surgir tão naturalmente como as folhas de uma árvore, é melhor que não surja mesmo."

António Lopes Ribeiro (Daqui)

António Lopes Ribeiro, cineasta português, nasceu a 16 de abril de 1908, em Lisboa, e faleceu em abril de 1995. Estreou-se na crítica cinematográfica em 1925.
Com Chianca de Garcia, criou a revista Imagem, e mais tarde fundou e dirigiu Kino, bem como as duas séries de Animatógrafo.
Nas suas peças jornalísticas, mostrou-se desde muito cedo defensor do cinema sonoro.
Na realização, Lopes Ribeiro estreou-se em 1928 com o documentário Bailando ao Sol.
Grande parte da sua carreira, aliás, ao nível da curta-metragem, seria preenchida com produções de natureza documental, nas quais Lopes Ribeiro se tornaria uma espécie de cineasta do regime.
Mesmo em produções de outra natureza, como A Revolução de maio (1937) e Feitiço do Império (1940), a marca ideológica do Estado Novo permanece evidente. 
Em 1941, fundou as Produções António Lopes Ribeiro, que marcaram uma nova época no cinema português, na medida em que criaram condições consistentes para uma produção cinematográfica regular.
Assim, pôde Lopes Ribeiro rodar filmes dos mais conseguidos das décadas de 40 e 50 em Portugal, como a comédia O Pai Tirano (1941), protagonizada por Vasco Santana e Ribeirinho, Amor de Perdição (1943), com António Vilar e inspirado no romance homónimo de Camilo Castelo Branco, Frei Luís de Sousa (1950), uma adaptação do drama de Almeida Garrett protagonizada por Raul de Carvalho, João Villaret e Barreto Poeira, e O Primo Basílio (1959), inspirado na obra de Eça de Queiroz. 
As Produções A.L.R. estiveram ainda por trás da realização de películas bem conhecidas, como sejam Aniki-Bobó (1942), de Manoel de Oliveira, O Pátio das Cantigas (1942) e Camões (1946). 
Lopes Ribeiro foi também membro de diversos júris de festivais de cinema.
Entre 1961 e 1974, foi o apresentador, na RTP, do programa Museu de Cinema.
O último título que rodou foi a curta-metragem documental Dia de Portugal na Expo'70 (1970). 
Paralelamente à sua carreira de cineasta, foi empresário teatral (fundou em 1944, juntamente com o seu irmão Ribeirinho, a companhia Os Comediantes de Lisboa), poeta (compôs em 1956 a letra do famoso poema Procissão, declamado por João Villaret) e tradutor (em 1957, traduziu a peça Três Rapazes e Uma Rapariga, de Roger Ferdinand, protagonizada por Vasco Santana, Henrique Santana, João Perry e Raul Solnado).
Em 1984, surpreendeu o público português, quando surgiu como ator, interpretando um padre liberal na telenovela Chuva na Areia (1984), ao lado de Virgílio Teixeira, Mariana Rey Monteiro, Armando Cortez, José Viana, Carlos Wallenstein e Rogério Paulo. (Daqui)


João Villaret  (Daqui)

João Villaret, ator e declamador de excecional talento nasceu a 10 de maio de 1913, em Lisboa, e faleceu a 21 de janeiro de 1961, na mesma cidade.
Depois de ter terminado o Liceu, dedicou-se ao teatro, tendo estado ligado à revitalização do teatro nacional.
Gradualmente, ganhou fama de declamador pelo que causou algum escândalo quando decidiu, em 1941, enveredar pelo teatro de revista, provando em êxitos sucessivos que era possível conciliar o género dramático e o de revista.
A mais popular de todas terá sido 'Tá Bem Ou Não 'Tá? (1947), onde popularizou o célebre Fado Falado, da autoria de Aníbal Nazaré e Nélson de Barros, que mais não era do que um recitativo sobre melodia de fado onde a letra em vez de ser cantada era declamada.
Este género de poesia ganhou enorme popularidade, especialmente depois de A Vida É Um Corridinho (1952) ou o famoso A Procissão (1956), da autoria de António Lopes Ribeiro, que viria, anos mais tarde a popularizar num seu programa televisivo.
Aliás, a poesia, especialmente a de Cesário Verde, era uma das suas grandes paixões, tendo ficado famosas as suas tertúlias no Café Brasileira do Rossio.
De entre as suas peças mais célebres, destacam-se A Recompensa (1937), de Ramada Curto, A Madrinha de Charley (1938), de Brandon Thomas, Leonor Teles (1939), Melodias de Lisboa (1955), da sua autoria, Não Faças Ondas (1956) e Esta Noite Choveu Prata (1959).
Das suas interpretações cinematográficas, destacam-se a sua personificação de D.João VI em Bocage (1936), um papel secundário, mas mordaz de mudo, em O Pai Tirano (1941), de Bobo, em Inês de Castro (1944), de D. João III, em Camões (1946) e aquela que terá sido a sua melhor interpretação de sempre em cinema, a de Telmo Pais, em Frei Luís de Sousa (1950).
O seu último papel foi o de Sebastião, em O Primo Basílio (1959). 
Doença prolongada obrigou-o a retirar-se dos palcos em 1960, tendo falecido no ano seguinte.
A sua morte causou manifestações de grande pesar em Lisboa, de tal forma que, durante muitos anos, os lisboetas celebraram o aniversário da sua morte com um recital de poemas no Cinema S. Jorge, onde a sua voz se ouvia num palco vazio iluminado apenas por um foco de luz.
Em sua homenagem, Raul Solnado fundou, em 1965, o Teatro Villaret. (Daqui)


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