Simon Glücklich (1863-1943), The Homework, 1893
A Escola Portuguesa
Guerra Junqueiro
(1850-1923),
in 'A Musa em Férias'
A Escola Portuguesa
Eis as crianças vermelhas
Na sua hedionda prisão:
Doirado enxame de abelhas!
O mestre-escola é o zangão.
Em duros bancos de pinho
Senta-se a turba sonora
Dos corpos feitos de arminho,
Das almas feitas d'aurora.
Soletram versos e prosas
Horríveis; contudo, ao lê-las
Daquelas bocas de rosas
Saem murmúrios de estrela.
Contemplam de quando em quando,
E com inveja, Senhor!
As andorinhas passando
Do azul no livre esplendor.
Oh, que existência doirada
Lá cima, no azul, na glória,
Sem cartilhas, sem tabuada,
Sem mestre e sem palmatória!
E como os dias são longos
Nestas prisões sepulcrais!
Abrem a boca os ditongos,
E as cifras tristes dão ais!
Desgraçadas toutinegras,
Que insuportáveis martírios!
João Félix com as unhas negras,
Mostrando as vogais aos lírios!
Como querem que despontem
Os frutos na escola aldeã,
Se o nome do mestre é — Ontem
E o do discípulo — Amanhã!
Como é que há de na campina
Surgir o trigal maduro,
Se é o Passado quem ensina
O b a ba ao Futuro!
Entregar a um tarimbeiro
Um coração infantil!
Fazer o calvo Janeiro
Preceptor do loiro Abril!
Barbaridade irrisória,
Estúpido despotismo!
Meter uma palmatória
Nas mãos dum anacronismo!
A palmatória, o açoite,
A estupidez decretada!
A lei incumbindo a Noite
Da educação da Alvoradal
Gravai na vossa lembrança
E meditai com horror,
Que o homem sai da criança
Como o fruto sai da flor.
Da pequenina semente,
Que a escola régia destrói,
Pode fazer-se igualmente
Ou o assassino ou o herói.
Desta escola a uma prisão
Vai um caminho agoireiro:
A escola produz o grão
De que a enxovia é o celeiro.
Deixai ver o Sol doirado
À infância, eis o que eu vos peço.
Esta escola é um atentado,
Um roubo feito ao progresso.
Vamos, arrancai a infância
Da lama deste paul;
Rasgai no muro Ignorância
Trezentas portas de azul!
O professor asinino,
Segundo entre nós ele é,
Dum anjo extrai um cretino,
Dum cretino um chimpanzé.
Empunhando as rijas férulas
Vós esmagais e partis
As crianças — essas pérolas
Na escola — esse almofariz.
Isto escolas!... que índecência
Escolas, esta farsada!
São açougues de inocência,
São talhos d'anjos, mais nada.
Na sua hedionda prisão:
Doirado enxame de abelhas!
O mestre-escola é o zangão.
Em duros bancos de pinho
Senta-se a turba sonora
Dos corpos feitos de arminho,
Das almas feitas d'aurora.
Soletram versos e prosas
Horríveis; contudo, ao lê-las
Daquelas bocas de rosas
Saem murmúrios de estrela.
Contemplam de quando em quando,
E com inveja, Senhor!
As andorinhas passando
Do azul no livre esplendor.
Oh, que existência doirada
Lá cima, no azul, na glória,
Sem cartilhas, sem tabuada,
Sem mestre e sem palmatória!
E como os dias são longos
Nestas prisões sepulcrais!
Abrem a boca os ditongos,
E as cifras tristes dão ais!
Desgraçadas toutinegras,
Que insuportáveis martírios!
João Félix com as unhas negras,
Mostrando as vogais aos lírios!
Como querem que despontem
Os frutos na escola aldeã,
Se o nome do mestre é — Ontem
E o do discípulo — Amanhã!
Como é que há de na campina
Surgir o trigal maduro,
Se é o Passado quem ensina
O b a ba ao Futuro!
Entregar a um tarimbeiro
Um coração infantil!
Fazer o calvo Janeiro
Preceptor do loiro Abril!
Barbaridade irrisória,
Estúpido despotismo!
Meter uma palmatória
Nas mãos dum anacronismo!
A palmatória, o açoite,
A estupidez decretada!
A lei incumbindo a Noite
Da educação da Alvoradal
Gravai na vossa lembrança
E meditai com horror,
Que o homem sai da criança
Como o fruto sai da flor.
Da pequenina semente,
Que a escola régia destrói,
Pode fazer-se igualmente
Ou o assassino ou o herói.
Desta escola a uma prisão
Vai um caminho agoireiro:
A escola produz o grão
De que a enxovia é o celeiro.
Deixai ver o Sol doirado
À infância, eis o que eu vos peço.
Esta escola é um atentado,
Um roubo feito ao progresso.
Vamos, arrancai a infância
Da lama deste paul;
Rasgai no muro Ignorância
Trezentas portas de azul!
O professor asinino,
Segundo entre nós ele é,
Dum anjo extrai um cretino,
Dum cretino um chimpanzé.
Empunhando as rijas férulas
Vós esmagais e partis
As crianças — essas pérolas
Na escola — esse almofariz.
Isto escolas!... que índecência
Escolas, esta farsada!
São açougues de inocência,
São talhos d'anjos, mais nada.
Guerra Junqueiro
in 'A Musa em Férias'
'A Musa em Férias' de 1879, é um volume de poesias de Guerra Junqueiro, subintitulado Idílios e Sátiras. No poema inicial, "A Musa", o autor aponta por antonomásia os atributos da sua poesia: é "reta como a justiça", "detesta os velhos pedantes, / ama o justo, o belo e o nu"; "vai neste caminho escuro / lutando, cantando e rindo, / senta-se junto ao Futuro". Nestes versos resumem-se as orientações temáticas das composições, distribuídas por três partes - "As crianças", "À sombra das árvores", "Combates" -, que aduzem à componente de crítica social uma forte intenção progressista. (daqui)
(Este poema de Guerra Junqueiro,´A Escola Portuguesa', é um retrato da Escola do seu tempo.)
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