quinta-feira, 26 de novembro de 2020

"Cântico" - Poema de Carlos Nejar



Pierre Puvis de Chavannes (1824-1898), Hope [L'Espérance], 1872, Walters Art Museum


[In the wake of the catastrophic Franco-Prussian War of 1870-71, the artist painted this picture of a young woman seated in a devastated landscape holding an oak twig as a symbol of hope for the nation's recovery from war and deprivation. This painting was exhibited at the Paris Salon of 1872. A smaller variant, showing the subject nude, is at the Musée d'Orsay, Paris. Puvis de Chavannes was one of the most original artists of his generation. His utopian visions, in which the figures seem to float in a dream-like landscape, served as a point of departure for many younger artists, such as Paul Gauguin (1848-1903) and Henri Matisse (1869-1954).]
(Daqui)
 
 
 
Cântico


Limarás tua esperança
até que a mó se desgaste;
mesmo sem mó, limarás
contra a sorte e o desespero.

Até que tudo te seja
mais doloroso e profundo.
Limarás sem mãos ou braços,
com o coração resoluto.

Conhecerás a esperança,
após a morte de tudo. 
 
 
Carlos Nejar,
in“Canga (Jesualdo Monte)”.
Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira. 1971. 
 
 

Pierre Puvis de Chavannes, L'Espérance [Hope], 1871-1872,  Musée d'Orsay
 

[Pierre Puvis de Chavannes was deeply affected by the Franco-Prussian war and produced several works related to the conflict. In particular, at the Salon of 1872 he exhibited 'Hope', now in the Walters Art Gallery, Baltimore. The Musée d'Orsay has a smaller version, also painted between 1871 and 1872.

The painter portrays hope as a naked girl sitting on a burial mound covered with white drapery. Behind her, a desolate landscape with the ruins of a building and the makeshift crosses of improvised cemeteries evoke the war. However some elements in the painting point to a new era, full of promise. The olive branch in the girl's hand symbolises the return of peace while the light glimmering behind the hills suggests the dawn of the new day. The flowers growing between the pebbles of the burial mound also bear witness to this rebirth. The lack of any historical detail gives the painting universal symbolic value.

The simplified composition of the work, the use of matte colours and the absence of any modelling are characteristic of Pierre Puvis de Chavannes' manner. Paul Gauguin, who was a great admirer of the painter, had a reproduction of this painting in Tahiti; moreover it figures in his 'Still Life with Hope', painted in 1901.]
(Daqui)
 
 
Pierre Puvis de Chavannes, Autorretrato, 1887 


Pintor francês, nascido no ano de 1824, em Lyon, e falecido a 14 de dezembro de 1898, em Paris, Pierre Cecile Puvis de Chavannes notabilizou-se pela pintura mural em tela de grandes dimensões, que se apunha à parede numa técnica denominada marouflage (devido à cola, maroufle, que era utilizada para a adesão). Decidiu tornar-se pintor em 1847, após a viagem de convalescença que realizou a Itália. Assim se explica a inspiração na Antiguidade Clássica, tendo idealizado as figuras por meio de um desenho simples, cores irreais e bidimensionalidade espacial, e tentando simultaneamente imitar a tonalidade esbatida da pintura a fresco. 
 
A tendência para a alegoria e o ambiente mitológico onde se encontram figuras cuja constituição remete à escultura Clássica, assim como o perfeito domínio da linha, da cor e do ritmo com um resultado emocional e expressivo excecional, influenciou e suscitou a homenagem de simbolistas (sobretudo pelas obras O Pescador Pobre e Esperança) e de pós-impressionistas, tendo granjeado igualmente um sem-número de admiradores devido à habilidade com que estruturava as diferentes partes das enormes superfícies pintadas. Foi aluno de Thomas Couture e de Eugène Delacroix, tendo recebido também influências das obras de Chassériau, Ingres e Poussin.

A primeira exposição em que entraram obras suas foi a do Salon de 1850, apesar de apenas ter começado a ter realmente sucesso após a exibição das pinturas Concordia e Bellum (adquiridas pelo Museu da Picardia de Amiens, instituição que compraria outras do mesmo autor, como Ave Picardia Nutrix, Trabalho e Descanso) no Salon de 1861. O grande êxito que conheceria durante parte da sua vida deveu-se ao carácter extremamente plástico e decorativo das suas obras, que era realçado pela monumentalidade das telas. 

Alguns dos edifícios que albergam as suas obras são a Biblioteca Pública de Boston (onde o artista trabalhou entre 1894 e 1896), o Palácio das Artes de Lyons (de 1883 a 1886), a Sorbonne (em 1887), o Panteão (com a temática de Santa Genoveva, numa primeira fase, tendo voltado a decorar este espaço entre 1896 e 1898) e o Hôtel de Ville (de 1891 a 1894), em Paris. Estava situado também nesta última cidade o seu estúdio, na Place Pigalle. (daqui)
 
 
Pierre Puvis de Chavannes, The Sacred Grove, Beloved of the Arts and Muses, 1884/89
 
 

sábado, 14 de novembro de 2020

"Relíquia" - Poema de António Patrício



Thomas Sully (1783–1872), Mother and Son, 1840, oil on canvas,
 Metropolitan Museum of Art, New York



Relíquia

Era de minha mãe: é um pobre xale
que tem pra mim uma carícia de asa.
Vou-lhe pedir ainda que me fale
da que ele agasalhou em nossa casa.

Na sua trama já puída e lassa
deixo os meus dedos pra senti-la ainda;
e Ela vem, é Ela que me abraça,
fala de coisas que a saudade alinda.

É a minha mãe mais perto, mais pertinho,
que eu sinto quando toco o velho xale,
que guarda um não sei quê do seu carinho.

E quando a vida mais me dói, no escuro,
sinto ao tocá-lo como alguém que embale
e beije a minha sede de amor puro.


António Patrício, in 'Antologia Poética'

António Patrício frequentou, no Porto, o curso de Matemática da Academia, e, em Lisboa, a Escola Naval, acabando por se formar em Medicina. Após a proclamação da República, encetou uma carreira diplomática, tendo, como cônsul ou acompanhando legações, vivido em Cantão, Manaus, Constantinopla, Caracas, Londres. Colaborou em publicações como A Águia, Límia ou Atlântida. Revelou-se como poeta, com a publicação de Oceano, mas afirmou-se sobretudo como um dos maiores representantes portugueses da dramaturgia simbolista. Para Luiz Francisco Rebello, embora na sua criação dramática "sejam evidentes as aproximações com os grandes nomes do simbolismo - a conceção do "drama estático" de Maeterlinck, o preciosismo verbal de D'Annunzio, a carga poética de Yeats -, há no teatro de Patrício uma ressonância humana a que a presença, latente ou manifesta, mas sempre obsidiante, da morte confere uma verdadeira dimensão trágica" (REBELLO, Luiz Francisco - 100 Anos de Teatro Português (1880-1980), Porto, ed. Brasília, 1984, p. 108). (Daqui)


Thomas Sully, An unfinished portrait of Charlotte Cushman, 1843
 

Palavras

 
 
Nenhum ramo
é seguro. Frágeis
são as palavras.
 
in O Mesmo Nome,
ed. Campo das Letras.