sábado, 14 de novembro de 2020

"Relíquia" - Poema de António Patrício



Thomas Sully (1783–1872), Mother and Son, 1840, oil on canvas,
 Metropolitan Museum of Art, New York



Relíquia

Era de minha mãe: é um pobre xale
que tem pra mim uma carícia de asa.
Vou-lhe pedir ainda que me fale
da que ele agasalhou em nossa casa.

Na sua trama já puída e lassa
deixo os meus dedos pra senti-la ainda;
e Ela vem, é Ela que me abraça,
fala de coisas que a saudade alinda.

É a minha mãe mais perto, mais pertinho,
que eu sinto quando toco o velho xale,
que guarda um não sei quê do seu carinho.

E quando a vida mais me dói, no escuro,
sinto ao tocá-lo como alguém que embale
e beije a minha sede de amor puro.


António Patrício, in 'Antologia Poética'

António Patrício frequentou, no Porto, o curso de Matemática da Academia, e, em Lisboa, a Escola Naval, acabando por se formar em Medicina. Após a proclamação da República, encetou uma carreira diplomática, tendo, como cônsul ou acompanhando legações, vivido em Cantão, Manaus, Constantinopla, Caracas, Londres. Colaborou em publicações como A Águia, Límia ou Atlântida. Revelou-se como poeta, com a publicação de Oceano, mas afirmou-se sobretudo como um dos maiores representantes portugueses da dramaturgia simbolista. Para Luiz Francisco Rebello, embora na sua criação dramática "sejam evidentes as aproximações com os grandes nomes do simbolismo - a conceção do "drama estático" de Maeterlinck, o preciosismo verbal de D'Annunzio, a carga poética de Yeats -, há no teatro de Patrício uma ressonância humana a que a presença, latente ou manifesta, mas sempre obsidiante, da morte confere uma verdadeira dimensão trágica" (REBELLO, Luiz Francisco - 100 Anos de Teatro Português (1880-1980), Porto, ed. Brasília, 1984, p. 108). (Daqui)


Thomas Sully, An unfinished portrait of Charlotte Cushman, 1843
 

Palavras

 
 
Nenhum ramo
é seguro. Frágeis
são as palavras.
 
in O Mesmo Nome,
ed. Campo das Letras.


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