quinta-feira, 30 de abril de 2015

"Dizeres Íntimos" - Poema de Florbela Espanca


Ferdinand Hodler, The dream, 1897 
 


Dizeres Íntimos


É tão triste morrer na minha idade! 
E vou ver os meus olhos, penitentes 
Vestidinhos de roxo, como crentes 
Do soturno convento da Saudade! 

E logo vou olhar (com que ansiedade!...) 
As minhas mãos esguias, languescentes, 
De brancos dedos, uns bebés doentes 
Que hão-de morrer em plena mocidade! 

E ser-se novo é ter-se o Paraíso, 
É ter-se a estrada larga, ao sol, florida, 
Aonde tudo é luz e graça e riso! 

E os meus vinte e três anos ... (Sou tão nova!) 
Dizem baixinho a rir: “Que linda a vida!...” 
Responde a minha Dor: “Que linda a cova!” 


Florbela Espanca
,
 in "Livro de Mágoas" 


Toni Braxton - Un-Break My Heart


«Sou fascinada pelo lado complicado. Tenho um olho alegre que vive: sou uma pessoa despachada, adoro família, adoro a natureza. Mas eu tenho um outro olho que observa o lado difícil, sombrio. A minha literatura nunca vai ser "aí casaram e foram felizes para sempre". Minha literatura sempre nasceu do conflito, da dificuldade, do isolamento.»  - Lya Luft
 
 

quarta-feira, 29 de abril de 2015

"Pudesse Eu" - Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen




Pudesse Eu 

Pudesse eu não ter laços nem limites 
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes! 

 
Sophia de Mello Breyner Andresen


Uma nova Obra Poética de Sophia de Mello Breyner Andresen, que inclui "uma parte com vários poemas inéditos", é publicada no dia 08 de maio, anunciou hoje a editora Assírio & Alvim.

Em comunicado, a chancela do Grupo Porto Editora afirma que "o livro que reúne toda a poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen, seguindo e atualizando os critérios de fixação de texto adotados nas edições anteriores, graças ao cuidado trabalho de Maria Andresen Sousa Tavares e Carlos Mendes de Sousa, que assinam, respetivamente, o prefácio e a nota de edição".

O novo volume "inclui ainda uma parte com vários poemas inéditos que integram o espólio da autora, em depósito na Biblioteca Nacional de Portugal", lê-se na mesma nota.

Segundo afirma no prefácio Maria Andresen Sousa Tavares, há "poetas mais peritos, mais cultistas, mais destros e liricamente sofisticados, mais modernos, mais antimodernos e pós-modernos, melhores pensadores. Mas aqui há uma força. Uma força muito raramente atingida. Há o vislumbre de um excesso não muito cauteloso, umas vezes iluminado, outras vezes rouco (`às vezes luminoso outras vezes tosco`)".

"Mas há, sobretudo, o poder de uma simplicidade difícil de enfrentar, por vezes inconfortável, não pela dificuldade conceptual, mas porque a simplicidade é a coisa mais complexa e, neste caso, a mais difícil, porque nem sempre oferece o flanco ao diálogo, quando busca o `dicível` do esplendor e do terror", acrescenta Maria Sousa Tavares.

Em outubro de 2012, a Porto Editora editou o conto inédito incompleto de Sophia de Mello Breyner Andresen "Os ciganos", que o neto Pedro Sousa Tavares terminou.

Falecida aos 84 anos, em julho de 2004, Sophia de Mello Breyner Andresen foi autora de vários livros de poesia, entre os quais "O nome das coisas" e "Coral", de obras de ensaio, designadamente "O nu na Antiguidade Clássica", de contos, como "Histórias da terra e do mar", de ficção infantil, em que se conta "A fada Oriana", "Noite de natal", "A menina do mar", e também de teatro, "O colar". Traduziu vários autores.

Sophia de Mello Breyner Andresen foi a segunda mulher a ter honras de Panteão Nacional, como forma de homenagear "a escritora universal, a mulher digna, a cidadã corajosa, a portuguesa insigne", e de evocar o seu exemplo de "fidelidade aos valores da liberdade e da justiça", conforme se lê no projeto de resolução da Assembleia da República.

Em 2014, o parlamento aprovou por unanimidade a concessão de honras de Panteão Nacional à escritora, que foi também deputada à Assembleia Constituinte, em 1975-1976. (Daqui)


 Cataratas do Iguaçu


Cataratas do Iguaçu é um conjunto de cerca de 275 quedas de água no Rio Iguaçu (na Bacia hidrográfica do rio Paraná), localizada entre o Parque Nacional do Iguaçu, Paraná, no Brasil 20%, e o Parque Nacional Iguazú em Misiones, na Argentina 80%, na fronteira entre os dois países. A área total de ambos os parques nacionais, correspondem a 250 mil hectares de floresta subtropical e é considerada Património Natural da Humanidade(Daqui)

terça-feira, 28 de abril de 2015

"Quando a manhã se insinua" - Poema de Rui Caeiro


Steven Kenny, The Lovers, 1997, oil on panel, 14.5 x 14.5 inches



Quando a manhã se insinua


Quando a manhã se insinua
e os corpos, obstinados, não querem
e não deixam e mais e mais
se escondem dentro da cama até
ao sufoco bom do fim da noite... 

Coisas que só sabemos de ouvir dizer
manhãs assim não o conheceremos nunca
já que temos o amor, o desejo e mais
nada, temos pouco tempo e mais nada
e depois disso ainda a fome
que sempre nos sobra ou sobrevém.

Quanto ao mais - dormir, acordar
juntos, passear à beira-mar, envelhecer
juntos como faz toda a gente
- ora esquece mas é.

in O Quarto Azul e Outros Poemas, 
edição Letra Livre, 2011.


segunda-feira, 27 de abril de 2015

"Devastação" - Crónica de José Saramago


Foto de Rui Videira, Maciço da Gralheira, Portugal
 
 
Devastação


Todos os anos exterminamos comunidades indígenas, milhares de hectares de florestas e até inúmeras palavras das nossas línguas. A cada minuto extinguimos uma espécie de aves e alguém em algum lugar recôndito contempla pela última vez na Terra uma determinada flor. Konrad Lorenz não se enganou ao dizer que somos o elo perdido entre o macaco e o ser humano. Somos isso, uma espécie que gira sem encontrar o seu horizonte, um projeto por concluir. Falou-se bastante ultimamente do genoma e, ao que parece, a única coisa que nos distancia na realidade dos animais é a nossa capacidade de esperança. Produzimos uma cultura de devastação baseada muitas vezes no engano da superioridade das raças, dos deuses, e sustentada pela desumanidade do poder económico. Sempre me pareceu incrível que uma sociedade tão pragmática como a ocidental tenha deificado coisas abstratas como esse papel chamado dinheiro e uma cadeia de imagens efémeras. Devemos fortalecer, como tantas vezes disse, a tribo da sensibilidade... 
 

José Saramago, in 'Revista Universidad de Antioquia (2001)'

sábado, 25 de abril de 2015

"O Teatro e a Sátira Política" - Texto de Harold Pinter


A Catedral e a Torre Inclinada de Pisa, na Piazza dei Miracoli (Praça dos Milagres). 
A Praça é Património Mundial pela UNESCO e ambos os edifícios são exemplos de arquitetura românica.



O Teatro e a Sátira Política


O teatro político coloca toda uma série de problemas. Há que evitar os sermões a todo o custo. A objetividade é essencial, deve-se deixar as personagens respirar o seu próprio ar. O autor não pode confiná-las nem obrigá-las a satisfazer o seu próprio gosto, inclinações ou preconceitos. Tem de estar preparado para as abordar sob uma grande variedade de ângulos, um leque de perspetivas diversas, apanhá-las de surpresa, talvez, de vez em quando, mas deixando-lhes a liberdade de seguirem o seu próprio caminho. Isto nem sempre funciona. E a sátira política, é evidente, não obedece a nenhum destes preceitos; faz exatamente o inverso, e é essa a sua função principal. 

Harold Pinter, in "Discurso de Aceitação do Prémio Nobel"


Harold Pinter, fotografia de Eamonn McCabe


Harold Pinter (Londres, 10 de outubro de 1930 — Londres, 24 de dezembro de 2008) foi um ator, diretor, poeta, roteirista, e certamente um dos grandes dramaturgos do século XX, além de destacado e incómodo ativista político britânico.
Foi um dos grandes representantes do teatro do absurdo junto com Samuel Beckett e Eugène Ionesco. Recebeu o Nobel de Literatura de 2005 e o prémio Companion of Honour da Rainha da Inglaterra pelos serviços prestados à literatura. (Daqui)

quinta-feira, 23 de abril de 2015

"A Falta de Cultura Ética da Nossa Civilização" - Texto de Albert Einstein




A Falta de Cultura Ética da Nossa Civilização


Creio que o exagero da atitude puramente intelectual, orientando, muitas vezes, a nossa educação, em ordem exclusiva ao real e à prática, contribuiu para pôr em perigo os valores éticos. Não penso propriamente nos perigos que o progresso técnico trouxe diretamente aos homens, mas antes no excesso e confusão de considerações humanas recíprocas, assentes num pensamento essencialmente orientado pelos interesses práticos que vem embotando as relações humanas. 
O aperfeiçoamento moral e estético é um objectivo a que a arte, mais do que a ciência, deve dedicar os seus esforços. É certo que a compreensão do próximo é de grande importância. Essa compreensão, porém, só pode ser fecunda quando acompanhada do sentimento de que é preciso saber compartilhar a alegria e a dor. Cultivar estes importantes motores de ação é o que compete à religião, depois de libertada da superstição. Nesse sentido, a religião toma um papel importante na educação, papel este que só em casos raros e pouco sistematicamente se tem tomado em consideração. 
O terrível problema magno da situação política mundial é devido em grande parte àquela falta da nossa civilização. Sem «cultura ética», não há salvação para os homens. 


Albert Einstein, in 'Como Vejo o Mundo'

segunda-feira, 20 de abril de 2015

História da aviação - Amelia Earhart




Na mitologia gregaÍcaro era o filho de Dédalo e é comumente conhecido pela sua tentativa de deixar Creta voando – tentativa frustrada numa queda que culminou na sua morte.





A história da aviação remonta a tempos pré-históricos. O desejo de voar está presente na humanidade provavelmente desde o dia em que o homem pré-histórico passou a observar o voo dos pássaros e de outros animais voadores. Ao longo da história há vários registos de tentativas mal sucedidas de voos. Alguns até tentaram voar imitando pássaros: usar um par de asas (que não passavam de um esqueleto de madeira e penas, imitando as asas dos pássaros), colocando-os nos braços e balançando-os.

Muitas pessoas acreditavam que voar fosse impossível, e que era um poder além da capacidade humana. Mesmo assim o desejo existia, e várias civilizações contavam histórias de pessoas dotadas de poderes divinos que podiam voar; ou pessoas que foram carregadas ao ar por animais voadores. 



Modelo de Máquina voadora projetada por Leonardo da Vinci (c.1488).


Muito provavelmente foi o artista e inventor italiano Leonardo da Vinci a primeira pessoa a dedicar-se seriamente a projetar uma máquina capaz de voar carregando um ser humano. Tais máquinas eram planadores e ornitópteros: máquinas que usavam o mesmo mecanismo usado por pássaros para voar - através do movimento constante das asas para cima e para baixo. Da Vinci nunca construiu tais máquinas mas seus desenhos ficaram preservados e, posteriormente, já no século XIXséculo XX um de seus desenhos - um planador - foi considerado notável. 
Num estudo recente um protótipo baseado no desenho deste planador foi criado e, de fato, seria capaz de planar. Porém ao interpretar o desenho do planador, algumas ideias modernas de aerodinâmica foram também utilizadas pelos pesquisadores. Mesmo assim este desenho é considerado o primeiro esboço sério de uma aeronave tripulada.



Otto Lilienthal, uma das primeiras pessoas a planar em uma máquina mais pesada do que o ar (c.1895).


A história moderna da aviação é complexa. Desenhistas de aeronaves esforçaram-se para melhorar continuamente suas capacidades e características tais como alcance, velocidade, capacidade de carga, facilidade de manobra, dirigibilidade, segurança, autonomia e custos operacionais, entre outros. 



O Avion III , 1897, de Clément Ader


Aeronaves passaram a ser feitas de materiais cada vez menos densos e mais resistentes. Anteriormente feitas de madeira, atualmente a grande maioria das aeronaves usa materiais compostos - como alumínio e fibras de carbono. Recentemente computadores têm contribuído muito no desenvolvimento de novas aeronaves e componentes. (Daqui)


Amelia Earhart - A aviadora pioneira

Amelia Earhart, Los Angeles, 1928, X5665 – 1926 "CIT-9 Safety Plane" 
- biplano projetado por Albert Adams Merrill (Instrutor em Aeronáutica)


Amelia Mary Earhart (Atchison, Kansas, 24 de julho de 1897 — desaparecida em 2 de julho de 1937) foi pioneira na aviação dos Estados Unidos, autora e defensora dos direitos das mulheres.
Earhart foi a primeira mulher a receber a "The Distinguished Flying Cross", condecoração dada por ter sido a primeira mulher a voar sozinha sobre o oceano Atlântico. Estabeleceu diversos outros recordes, escreveu livros sobre suas experiências de voo, e foi essencial na formação de organizações para mulheres que desejavam pilotar.


George P. Putnam e sua esposa Amelia Earhart, 1931


Amelia Earhart e George P. Putnam casaram-se em 7 de fevereiro de 1931, na casa da mãe de Putnam em Noank, Connecticut
Earhart refere-se ao seu casamento como uma "associação" com "controlo duplo". Numa carta escrita para Putnam e entregue a ele em mãos no dia do casamento, ela escreveu:
"Eu quero que você entenda que não o prenderei a nenhum código medieval de fidelidade a mim e que tão pouco me considerarei presa a si desse modo."



Foto de Amelia Earhart, c.1932


As ideias de Amelia sobre o casamento eram liberais para aquele tempo, pois acreditava em responsabilidades iguais de ambas as partes e manteve seu próprio nome ao invés de ser chamada de Sra. Putnam.


Amelia Earhart e Fred Noonan ao lado do Lockheed L10 Electra em Darwin, 
Austrália, 28 de junho de 1937.


Amelia Earhart  e Fred Noonan  desapareceram no dia 2 de julho de 1937, no oceano Pacífico, perto da Ilha Howland, enquanto tentavam realizar um voo ao redor do globo.

A Ilha Howland devia ser uma paragem para reabastecimento para a aviadora norte-americana Amelia Earhart e o seu tripulante Fred Noonan. Saíram da ilha de Lae, Nova Guiné, mas nunca foram vistos de novo. Por este motivo a ilha Howland também é conhecida como "a ilha que Amelia Earheart nunca alcançou".) (Daqui)


domingo, 19 de abril de 2015

"Há um tempo para estar só" - Poema de Rui Caeiro


Sculpture by Michael ParkesAngel of August, 2011



Há um tempo para estar só


Há um tempo para estar só
há um tempo para estar nu
há um tempo que falta para ser
o bastante uma coisa e outra
há um ponto em direção ao tu

que é necessário atravessar e que
é necessário, coragem, minar
e há um ponto sem chão
nem ponte em que só é preciso
abrir os braços e voar.

"O Quarto Azul e Outros Poemas"

sábado, 18 de abril de 2015

"Frutos" - Poema de Albano Martins

Frutos 
 
 
Quando a amada oferece
o seu corpo, ela sabe
que dos frutos apenas
se colhe o sabor.
É então
que os dedos
separam as películas,
que a lâmina desce e a água
e o fogo se misturam.
E é então que a vida
e a morte convivem
sob o mesmo teto.


in Escrito a vermelho


 
 
"Há duas coisas a buscar na vida: 
primeiro, conseguir o que se quer; depois, saborear o conseguido. 
Só os mais sábios conseguem a segunda."



sexta-feira, 17 de abril de 2015

"O sol na água pousa" - Poema de Armindo Rodrigues


Phil Beck, Horses, Óleo sobre tela 


O sol na água pousa

 
Alado, o sol na água pousa
e dele treme a água amedrontada,
que a ardente imagem lhe devolve em rosa
e em si própria um distante sonho ousa
de céu amargo, que não sonha nada.


in 'Sabor do Tempo (XVIII)'


Phil Beck, Horses, Óleo sobre tela


"Um homem pode muito bem levar um cavalo até a água, mas ele não pode obrigá-lo a bebê-la."

"A man may well bring a horse to water, But he cannot make him drink without he will."
Proverbs (1546); Pt. II, ch. 1



quinta-feira, 16 de abril de 2015

"Pois morre-se de muita coisa" - Poema de Rui Caeiro


Sculpture by Michael Parkes, "Night Flight"



Morre-se 

 
Pois morre-se de muita coisa, de muita coisa
se morre, morre-se por tudo e por nada
morre-se sempre muito
Por exemplo, de frio e desalento
um pouco todos os dias
mas de calor também se morre
e de esperança outro tanto
e é assim: como a esperança nunca morre
morre a gente de ter que esperar
Morre-se enfim de tudo um pouco
De olhar as nuvens no céu a passar
ou os pássaros a voar, não há mais remédio
ó amigos, tem que se morrer
Até de respirar se morre e tanto
tão mais ainda que de cancro
De amar bem e amar mal
de amar e não amar, morre-se
De abrir e fechar, a janela ou os olhos
tão simples afinal, morre-se
Também de concluir o poema
este ou qualquer outro, tanto faz
ou de o deixar em meio, o resultado
é o mesmo: morre-se
Data-se e assina-se – ou nem isso
Sobrevive-se – ou nem tanto
Morre-se – sempre
Muito
 
do livro 'Sobre a nossa morte bem muito obrigado', 
 editor: & Etc


Rui Caeiro


Rui Caeiro é um poeta português, nascido em Vila Viçosa, no dia 27 de junho de 1943.  Estreou com o volume Deus, sobre o magno problema da existência de Deus (1988), e ainda publicou, entre outros, Sobre a nossa morte bem muito obrigado & etc (1989), Livro de Afectos (1992) e O Quarto Azul e outros poemas (2011). Traduziu obras de Rainer Maria Rilke, Robert Desnos, Nâzim Hikmet, Ramón Gómez de la Serna, Roger Martin du Gard, entre outros. (Daqui)

quarta-feira, 15 de abril de 2015

"Paisagem" - Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen


Ferdinand Hodler, Lake Geneva, as seen from Chexbres, 1905



Paisagem 


Passavam pelo ar aves repentinas, 
O cheiro da terra era fundo e amargo, 
E ao longe as cavalgadas do mar largo 
Sacudiam na areia as suas crinas. 

Era o céu azul, o campo verde, a terra escura, 
Era a carne das árvores, elástica e dura.
Eram as gotas de sangue da resina 
E as folhas em que a luz se descombina. 

Eram os caminhos num ir lento, 
Eram as mãos profundas do vento,
Era o livre e luminoso chamamento 
Da asa dos espaços fugitiva. 

Eram os pinheirais onde o céu poisa, 
Era o peso e era a cor de cada coisa 
A sua quietude, secretamente viva,
E a sua exalação afirmativa. 

Era a verdade e a força do mar largo, 
Cuja voz, quando se quebra, sobe, 
Era o regresso sem fim e a claridade 
Das praias onde a direito o vento corre. 



"Filosofias de Vida" - Texto de Johann Wolfgang von Goethe



Escultura do artista francês Bruno Catalano nascido em 1960.



Filosofias de Vida


A cada etapa da vida do homem corresponde uma certa Filosofia. A criança apresenta-se como um realista, já que está tão convicta da existência de peras e das maçãs como da sua. O adolescente, perturbado por paixões interiores, tem que dar maior atenção a si mesmo, tem que se experimentar antes de experimentar as coisas, e transforma-se portanto num idealista. O homem adulto, pelo contrário, tem todos os motivos para ser um céptico, já que é sempre útil pôr em dúvida os meios que se escolhem para atingir os objectivos. Dito de outro modo, o adulto tem toda a vantagem em manter a flexibilidade do entendimento, antes da acção e no decurso da acção, para não ter que se arrepender posteriormente dos erros de escolha. Quanto ao ancião, converter-se-á necessariamente ao misticismo, porque olha à sua volta e as coisas lhe parecem depender apenas do acaso: o irracional triunfa, o racional fracassa, a felicidade e a infelicidade andam a par sem se perceber porquê. É assim e assim foi sempre, dirá ele, e esta última etapa da vida encontra a acalmia na contemplação do que existe, do que existiu e do que virá a existir. 


Johann Wolfgang von Goethe, in "Máximas e Reflexões"

terça-feira, 14 de abril de 2015

"Nascer todas as manhãs" - Texto de Miguel Torga


O homem vitruviano de Leonardo da Vinci sintetiza o ideário renascentista: humanista e clássico.
As ideias de proporção e simetria aplicadas à anatomia humana. 


Nascer todas as manhãs


Apesar da idade, não me acostumar à vida. Vivê-la até ao derradeiro suspiro de credo na boca. Sempre pela primeira vez, com a mesma apetência, o mesmo espanto, a mesma aflição. Não consentir que ela se banalize nos sentidos e no entendimento. Esquecer em cada poente o do dia anterior. Saborear os frutos do quotidiano sem ter o gosto deles na memória. Nascer todas as manhãs. 


Miguel Torga, in "Diário (1982)" 


Os Diários Torga, publicados originalmente em edição de autor, em 16 volumes, misturam poesia, contos, memórias, crítica social e reflexões. Eles constituem o retrato de um homem, de um escritor e de um tempo.
Publicados ininterruptamente entre 1941 e 1993, dão-nos uma apaixonante visão do país e da sociedade portuguesa da época, com todas as transformações que ao longo desse tempo a marcaram.

No último volume, diz:

"Chego ao fim, perplexo diante de meu próprio enigma. Despeço-me do mundo a contemplar atónito e triste o espetáculo de um pobre Adão paradoxal, expulso da inocência sem culpa, sem explicação."


Vitrúvio 


Vitrúvio (Marcos Vitrúvio Polião)  foi um arquiteto romano que viveu no século I a.C. e deixou como legado a obra "De Architectura" (10 volumes, aprox. 27 a 16 a.C.), único tratado europeu do período greco-romano que chegou aos nossos dias e serviu de fonte de inspiração a diversos textos sobre Arquitetura e Urbanismo, Hidráulica, Engenharia, desde o Renascimento.
Os seus padrões de proporções e os seus princípios conceituais - "utilitas" (utilidade), "venustas" (beleza) e "firmitas" (solidez) -, inauguraram a base da Arquitetura clássica.


Poggio Bracciolini (1380-1459)


Foi no início da Idade Moderna que Poggio Bracciolini (1380-1459) descobriu as obras completas de quinze diferentes autores clássicos greco-romanos, nomeadamente o tratado "De Architectura" de Vitrúvio, na biblioteca da abadia beneditina de Saint-Gall. Essa descoberta lançou as bases humanistas da Arquitetura do Renascimento.


Johann Wolfgang Goethe, 1811


"Arquitetura é música petrificada."



segunda-feira, 13 de abril de 2015

"Não Choreis os Mortos" - Poema de Pedro Homem de Melo




Não Choreis os Mortos


Não choreis nunca os mortos esquecidos 
Na funda escuridão das sepulturas. 
Deixai crescer, à solta, as ervas duras 
Sobre os seus corpos vãos adormecidos. 

E quando, à tarde, o Sol, entre brasidos, 
Agonizar... guardai, longe, as doçuras 
Das vossas orações, calmas e puras, 
Para os que vivem, nudos e vencidos. 

Lembrai-vos dos aflitos, dos cativos, 
Da multidão sem fim dos que são vivos, 
Dos tristes que não podem esquecer. 

E, ao meditar, então, na paz da Morte, 
Vereis, talvez, como é suave a sorte 
Daqueles que deixaram de sofrer. 


Pedro Homem de Melo, in "Caravela ao Mar"



Tintoretto, como era conhecido Jacopo Robusti, (Veneza, ca. 1518 — 31 de Maio de 1594) foi um dos pintores mais radicais do "maneirismo".


Maneirismo

O termo "Maneirismo", que originalmente foi empregue para definir a pintura amaneirada e formalista de um grupo de pintores italianos de meados do século XVI, como Rosso Fiorentino e Pontormo, foi mais tarde utilizado para indicar um período artístico que, desenvolvido na centúria de quinhentos, encerrou o Alto Renascimento  em Itália e antecedeu o Barroco.

(Alto Renascimento Renascimento Plenoou até Renascimento Clássico, consiste num curto período de tempo (c. 1495-1520) em que um grupo de quatro génios – BramanteLeonardo da VinciRafael Miguel Ângelo, aprofundou as conquistas artísticas dos seus predecessores e elevou o Renascimento à sua máxima expressão.)

Durante o século XVI, a rígida estrutura espacial e gramatical do Renascimento, baseada no cumprimento de regras e de proporções harmónicas simples sofre um processo de decomposição e de enriquecimento, aceitando novas qualidades como a tensão, a instabilidade e a complexidade.

Na terceira década do século XV, as bases políticas, sociais e culturais sobre as quais se desenvolvera o Renascimento, tinham-se transformado enormemente. A Itália, invadida pela França e pela Espanha, perdeu nessa altura a sua independência, gerando-se um clima de instabilidade política ao qual se associou a crise interna da Igreja Católica, minada por uma rebelião que conduziu quase metade da Europa ao protestantismo. Foi precisamente esta Igreja que, empenhada numa profunda revisão dos seus fundamentos filosóficos organizou em 1547 o Concílio de Trento, apresentando-se então como um dos principais agentes desta reorientação cultural e artística.

  • Arquitetura
A diluição dos cânones clássicos estava já presente nos projetos finais de Donato Bramante  e de Miguel Ângelo, dois dos mais marcantes arquitetos humanistas. Um dos primeiros edifícios maneiristas, a Galleria degli Uffizi foi construída em Florença por Giorgio Vasari. O mais interessante e influente arquiteto do século XVI foi Andrea Palladio. Centrando a sua atividade em Vicenza, para onde desenha inúmeras Villas (residências nobres rurais) e palácios urbanos, realizou também alguns projetos de igrejas para Veneza. O seu trabalho mais divulgado é a Villa Capra (também conhecida como Villa Rotonda),  um edifício inteiramente simétrico, de planta quadrada (pontuada por uma cúpula central), em cujas fachadas este arquiteto aplicou pórticos de templos romanos. Neste projeto as proporções geométricas, tanto no desenho da planta como na composição dos alçados ganharam especial significado simbólico. 

Giacomo Vignola, um arquiteto mais conhecido pelo seu Tratado de Arquitetura que pelos trabalhos de arquitetura, realizou, na segunda metade do século o projeto para a Igreja de Jesus de Roma. Este templo, sede da ordem dos Jesuítas, procurava encarnar e sintetizar o espírito da Igreja contrareformista, saída do Concílio de Trento, assumindo-se como um dos edifícios mais influentes deste período. Acompanhando a expansão desta ordem jesuítica por todos os continentes, esta igreja tornar-se-á um dos modelos fundamentais do Barroco

Uma das mais notáveis construções maneiristas portuguesas, diretamente influenciada pela obra de Palladio e pelo tratado de Serlio, é o claustro de D. João III do Convento de Cristo em Tomar, projetado por Filipe Terzio. Outro projeto deste arquiteto, a Igreja de São Vicente de Fora (Lisboa), construída nos finais de quinhentos, representa a plena assimilação do modelo de templo contra-reformista, anunciado pela Igreja de Jesus de Roma.

  • Artes plásticas e Decorativas
Tal como na arquitetura, ao nível das artes plásticas o maneirismo constituiu um período de intensa liberdade crativa, determinando uma rutura com os modelos clássicos pela eleição de qualidades formais e simbólicas como o artifício, a inquietude, o oblíquo e o assimétrico.

"Juízo Final", fresco executado por Michelangelo para a parede da Capela Sistina (1534-41), representou uma das primeiras pinturas realizadas dentro do espírito da Contrarreforma. Mas já na década anterior se começaram a desenhar os contornos formais daquilo que constituiria a gramática maneirista. Protagonizado por pintores italianos como Rosso Fiorentino, Pontormo, Parmigianino, e Agnolo Bronzino, rapidamente este movimento alcançou uma dimensão internacional.

Tintoretto, expoente máximo do maneirismo veneziano, desenvolveu uma pintura de carácter anticlássico mas elegante, influenciada pela obra de Ticiano e de Michelangelo, que se destacava pelas pinceladas livres e rápidas, pelo acentuado claro-escuro e pelo abandono dos valores compositivos clássicos, como a simetria a e proporção. 

El Greco, um pintor de origem grega mas igualmente formado em Veneza e posteriormente radicado em Espanha, desenvolveu uma linguagem bastante original, cruzando a tradição da Escola Veneziana com influências bizantinas. Os seus quadros, invarialvelmente de tema religioso, transmitiam uma exaltada espiritualidade, pela intensidade do cromatismo e da textura, pelo sentido de movimento e violência das formas e pela deformação das figuras representadas. 

Sem alcançar o nível de densenvolvimento da pintura, a escultura do século XVI foi dominada pelos últimos trabalhos de Michelangelo, como as estátuas tumulares da Sacristia Nova de S. Lourenço em Florença, ou as esculturas inacabadas do túmulo do Papa Júlio II, que o próprio artista designou de "Escravos"



 uma das mais conhecidas obras do Maneirismo.


Giambologna ou Giovanni Bologna, escultor florentino, realizou (cerca de 1580) uma das esculturas mais significativas deste estilo, "O Rapto das Sabinas", uma complexa composição de escala monumental, com três figuras que se movem em espiral ascendente. 
Desenvolvendo um estilo mais sereno e elegante, Benvenuto Cellini tornou-se conhecido pelas elegantes e requintadas peças de ourivesaria.


  • Literatura
Aspeto literário que aponta para um certo culto formal, para conceitos subtis, para um sentido negativo da vida. Depois do estudo da produção do século XVII, poderemos ver que Camões, na sua época, é já um poeta amaneirado a fazer a transição da sobriedade clássica para os exageros do Barroco, quer pela subtileza conceitual que afirma no soneto «Amor é fogo que arde sem se ver», quer por uma forma de expressão onde é evidente o preciosismo da linguagem, quer, ainda, pelo conteúdo da sua mensagem poética. Nesta, a nota de desalento constitui uma inspiração importante; isto pode observar-se na epopeia, no episódio do Adamastor e na elegia aos mortos pelo escorbuto. Como aqueles, o poeta é um vencido face ao destino. (Daqui)