Józef Chełmoński (1849–1914), Partridges in the Snow, 1891
Despondency
Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade...
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram...
Deixá-la ir a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do sul se levantaram...
Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa...
Deixá-la ir, a nota desprendida
Dum canto extremo... e a última esperança...
E a vida... e o amor... deixá-la ir, a vida!”
Antero de Quental
Despondency, ou seja, desesperança é um soneto de Primaveras Românticas que poderá ser inserido na fase noturna, pessimista de Antero. É um poema extremamente musical que apresenta um forte sentimento de tristeza e de abandono como indica o próprio título. O seu ritmo ligeiro sugerido pelo paralelismo, pela pontuação, pela repetição epanafórica exprime a fragilidade da vida e o consequente estado de abandono de quem a sente.
O poeta inicia o poema apresentando uma ave, por sinal um ser frágil “…a quem roubaram / Ninho e filhos e tudo,... ", que fica, por esse motivo, ao abandono e desprovida de tudo o que simbolizava a sua razão de viver. Atente-se na repetição da conjunção coordenativa copulativa, presente no exemplo acima transcrito como forma de reforçar a ideia de perda e consequente dor e carga emotiva sugeridas também pelas reticências.
A sensação de indiferença encontra-se patente ao longo de todo o poema, principalmente através de:
- repetição anafórica da expressão "Deixá-la ir";
- verbos de tom disfórico (roubar, levar, arrojar, perder);
- adjetivos ("lastimosa", "queda", "silenciosa" e "desprendida”);
- substantivos como, por exemplo, "noite", "morte", "escuridade", que mostram, por parte do autor, uma total indiferença perante a vida e, consequentemente, um nítido desejo de antecipar a morte, visível igualmente no verso 11 "A morte queda, a morte silenciosa... ", culminando no último verso do poema "E a vida... e o amor... deixá-la ir, a vida!", onde as reticências imprimem um ritmo soluçante como se de um moribundo se tratasse, acentuando-se ainda mais a ideia de abandono e de desprendimento face à vida.
Ao longo do soneto verifica-se uma gradação na forma como o poeta apresenta os vários elementos que estão inexoravelmente votados à morte: não só a ave, como já referimos, mas também a vela, a alma, a nota e a esperança. Esta sequência de imagens é usada para simbolizar a precariedade da vida. Note-se que a vela envolta pelos ventos do sul não terá qualquer hipótese de salvação, assim como "a alma lastimosa" que por ter perdido a "fé e paz e confiança" (pedras basilares que sustentam a vida) se entrega abnegadamente à morte como único refrigério.
No último terceto está subjacente, de forma mais acentuada, uma certa tendência romântica que espelha "o mal du siècle", a manifestação de cansaço, de desespero pelo presente, a angústia que produz o viver, encontrando-se na morte o estado final de perfeita e definitiva felicidade.
Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade...
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram...
Deixá-la ir a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do sul se levantaram...
Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa...
Deixá-la ir, a nota desprendida
Dum canto extremo... e a última esperança...
E a vida... e o amor... deixá-la ir, a vida!”
Antero de Quental
Despondency, ou seja, desesperança é um soneto de Primaveras Românticas que poderá ser inserido na fase noturna, pessimista de Antero. É um poema extremamente musical que apresenta um forte sentimento de tristeza e de abandono como indica o próprio título. O seu ritmo ligeiro sugerido pelo paralelismo, pela pontuação, pela repetição epanafórica exprime a fragilidade da vida e o consequente estado de abandono de quem a sente.
O poeta inicia o poema apresentando uma ave, por sinal um ser frágil “…a quem roubaram / Ninho e filhos e tudo,... ", que fica, por esse motivo, ao abandono e desprovida de tudo o que simbolizava a sua razão de viver. Atente-se na repetição da conjunção coordenativa copulativa, presente no exemplo acima transcrito como forma de reforçar a ideia de perda e consequente dor e carga emotiva sugeridas também pelas reticências.
A sensação de indiferença encontra-se patente ao longo de todo o poema, principalmente através de:
- repetição anafórica da expressão "Deixá-la ir";
- verbos de tom disfórico (roubar, levar, arrojar, perder);
- adjetivos ("lastimosa", "queda", "silenciosa" e "desprendida”);
- substantivos como, por exemplo, "noite", "morte", "escuridade", que mostram, por parte do autor, uma total indiferença perante a vida e, consequentemente, um nítido desejo de antecipar a morte, visível igualmente no verso 11 "A morte queda, a morte silenciosa... ", culminando no último verso do poema "E a vida... e o amor... deixá-la ir, a vida!", onde as reticências imprimem um ritmo soluçante como se de um moribundo se tratasse, acentuando-se ainda mais a ideia de abandono e de desprendimento face à vida.
Ao longo do soneto verifica-se uma gradação na forma como o poeta apresenta os vários elementos que estão inexoravelmente votados à morte: não só a ave, como já referimos, mas também a vela, a alma, a nota e a esperança. Esta sequência de imagens é usada para simbolizar a precariedade da vida. Note-se que a vela envolta pelos ventos do sul não terá qualquer hipótese de salvação, assim como "a alma lastimosa" que por ter perdido a "fé e paz e confiança" (pedras basilares que sustentam a vida) se entrega abnegadamente à morte como único refrigério.
No último terceto está subjacente, de forma mais acentuada, uma certa tendência romântica que espelha "o mal du siècle", a manifestação de cansaço, de desespero pelo presente, a angústia que produz o viver, encontrando-se na morte o estado final de perfeita e definitiva felicidade.
Cecília Sucena e Dalila Chumbinho, Sebenta de Português: Antero de Quental – introdução ao estudo da obra,
Estoril, Edição da papelaria Bonanza, [Edição: 2006]
Józef Chełmoński, Indian Summer / Babie lato, 1875, oil on canvas, The National Museum in Warsaw
(Painted in Warsaw shortly after return from Ukraine. It depicts a peasant woman in Ukrainian folk costume with a thread of gossamer in her hand.)
A aranha do meu destino
A aranha do meu destino
Faz teias de eu não pensar.
Não soube o que era em menino,
Sou adulto sem o achar.
É que a teia, de espalhada
Apanhou-me o querer ir...
Sou uma vida baloiçada
Na consciência de existir
A aranha da minha sorte
Faz teia de muro a muro...
Sou presa do meu suporte.
A aranha do meu destino
Faz teias de eu não pensar.
Não soube o que era em menino,
Sou adulto sem o achar.
É que a teia, de espalhada
Apanhou-me o querer ir...
Sou uma vida baloiçada
Na consciência de existir
A aranha da minha sorte
Faz teia de muro a muro...
Sou presa do meu suporte.
Poesias Inéditas (1930-1935)
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