quinta-feira, 17 de setembro de 2020

"Expiação" - Poema de Miguel Torga


Angelica Kauffman (1741–1807), Portrait of Lady Louisa Leveson Gower
(Goddess of Hope), 1767


Expiação


Nunca me respondeste, quando te chamei,
E só Deus sabe como era urgente e aflita
A minha voz!
Mas, desgraçadamente sós,
Morrem os que se afogam
No mar da sua própria condição.
O meu, sem margens, é um descampado
Desabrigado.
Vagas e vagas de solidão,
E a tua imagem, litoral sonhado,
Sempre evocada em vão.
Nunca me respondeste, e foi melhor assim.
Um náufrago perpétuo é um pesadelo.
Dizer-me o quê?
Que, de longe, me vias afogar,
Mas que nada podias.
Pois sabias
Que os poetas jurados,
Humanas heresias,
Nascem condenados
A morrer afogados
Todos os dias
No tormentoso mar dos seus pecados.
Angelica Kauffman, Self-portrait, 1770–75


"O homem só peca contra o homem e contra as suas criações. Só para olhos verdadeiramente impuros é que a nudez de Miguel Ângelo precisava de camisas."

Miguel Torga, in 'Diário, 1946'


Sem comentários: