segunda-feira, 7 de setembro de 2020

"Beatrice" - Poema de Antero de Quental


Dante Gabriel Rossetti (1828–1882), Beata Beatrix, c. 1864-1870, 
Tate Britain, London


Beatrice


Depois que dia a dia, aos poucos desmaiando,
Se foi a nuvem de ouro ideal que eu vira erguida;
Depois que vi descer, baixar do céu da vida
Cada estrela e fiquei nas trevas laborando:

Depois que sobre o peito os braços apertando
Achei o vácuo só, e tive a luz sumida
Sem ver já onde olhar, e em todo vi perdida
A flor do meu jardim, que eu mais andei regando:

Retirei os meus pés da senda dos abrolhos,
Virei-me a outro céu, nem ergo já meus olhos
Senão à estrela ideal, que a luz do amor contém...

Não temas pois - Oh vem! o Céu é puro, e calma
E silenciosa a terra, e doce o mar, e a alma...
A alma! não a vês tu? mulher, mulher! oh vem!

1861/1862

Antero de Quental
,  
in Primaveras Românticas 
 
 

John William Waterhouse, The Enchanted garden, c.1916-17


"Lembremo-nos que a literatura, porque se dirige ao coração, à inteligência, à imaginação e até aos sentidos, toma o homem por todos os lados; toca por isso em todos os interesses, todas as ideias, todos os sentimentos; influi no indivíduo como na sociedade, na família como na praça pública; dispõe os espíritos; determina certas correntes de opinião; combate ou abre caminho a certas tendências; e não é muito dizer que é ela quem prepara o berço aonde se há de receber esse misterioso filho do tempo - o futuro." 


Antero de Quental, in 'Prosas da Época de Coimbra'


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