quinta-feira, 10 de setembro de 2020

"Madalena" - Poema de Camilo Pessanha


Caravaggio, Maria Madalena em êxtase, 1606



Madalena
"...e lhe regou de lágrimas os pés e os
enxugou com os cabelos da sua cabeça
."
Evangelho de S. Lucas
Ó Madalena, ó cabelos de rastos,
Lírio poluído, branca flor inútil,
Meu coração, velha moeda fútil,
E sem relevo, os caracteres gastos,

De resignar-se torpemente dúctil,
Desespero, nudez de seios castos,
Quem também fosse, ó cabelos de rastos,
Ensanguentado, enxovalhado, inútil,

Dentro do peito, abominável cómico!
Morrer tranquilo, - o fastídio da cama.
Ó redenção do mármore anatómico,

Amargura, nudez de seios castos!...
Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,
Ó Madalena, ó cabelos de rastos! 
(1867-1926),
Clepsidra


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