terça-feira, 15 de setembro de 2020

"Là-bas, je ne sais où..." - Poema de Álvaro de Campos




Là-bas, je ne sais où...



Véspera de viagem, campainha...
Não me sobreavisem estridentemente!

Quero gozar o repouso da gare da alma que tenho
Antes de ver avançar para mim a chegada de ferro
Do comboio definitivo,
Antes de sentir a partida verdadeira nas goelas do estômago,
Antes de pôr no estribo um pé
Que nunca aprendeu a não ter emoção sempre que teve que partir.

Quero, neste momento, fumando no apeadeiro de hoje,
Estar ainda um bocado agarrado à velha vida.
Vida inútil, que era melhor deixar, que é uma cela?
Que importa? Todo o universo é uma cela, e o estar preso não tem que ver com o tamanho da cela.
Sabe-me a náusea próxima o cigarro. O comboio já partiu da outra estação...
Adeus, adeus, adeus, toda a gente que não veio despedir-se de mim,
Minha família abstracta e impossível...
Adeus dia de hoje, adeus apeadeiro de hoje, adeus vida, adeus vida!
Ficar como um volume rotulado esquecido,
Ao canto do resguardo de passageiros do outro lado da linha.
Ser encontrado pelo guarda casual depois da partida —
«E esta? Então não houve um tipo que deixou isto aqui?» —

Ficar só a pensar em partir,
Ficar e ter razão,
Ficar e morrer menos...

Vou para o futuro como para um exame difícil.
Se o comboio nunca chegasse e Deus tivesse pena de mim?

Já me vejo na estação até aqui simples metáfora.
Sou uma pessoa perfeitamente apresentável.
Vê-se — dizem — que tenho vivido no estrangeiro.
Os meus modos são de homem educado, evidentemente.
Pego na mala, rejeitando o moço, como a um vício vil.

E a mão com que pego na mala treme-me e a ela.

Partir!
Nunca voltarei.
Nunca voltarei porque nunca se volta.
O lugar a que se volta é sempre outro,
A gare a que se volta é outra.
Já não está a mesma gente, nem a mesma luz, nem a mesma filosofia.

Partir! Meus Deus, partir! Tenho medo de partir!... 
Heterónimo de Fernando Pessoa.
 Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993) - 307


Augustus Leopold Egg (1816–1863), The Life of Buckingham, Unknown date, Yale Center for British Art


Augustus Leopold Egg, The Death of Buckingham, Unknown date, Yale Center for British Art  

The scene of his death derives from the exaggerated account in Alexander Pope's Epistle to Bathurst:


"In the worst inn’s room, with mat half-hung,
The floors of plaster, and the walls of dung,
On once a flock-bed, but repaired with straw,
With tape-tied curtains never meant to draw,
The George and Garter dangling from that bed
Where tawdry yellow strove with dirty red,
Great Villiers lies—alas! how changed from him,
That life of pleasure, and that soul of whim!
Gallant and gay, in Cliveden’s proud alcove,
The bower of wanton Shrewsbury and love;
Or just as gay at council, in a ring
Of mimic statesmen and their merry King,
No wit to flatter left of all his store!
No fool to laugh at, which he valued more.
There, victor of his health, of fortune, friends,
And fame, this lord of useless thousands ends."

(George Villiers, second Duke of Buckingham, was a prominent courtier in the reigns of Charles II and James II. He organized the ministry called the “Cabal,” and was satirized by  John Dryden in his “Absalom and Achitophel.” After squandering great wealth, died at the house of one of his tenants in Yorkshire under the circumstances described, on April 17, 1687.)

Sem comentários: