sábado, 12 de setembro de 2020

"As crianças têm um rio de peixes nos braços" - Poema de Nuno Higino



Elin Danielson-Gambogi, La Merenda (With the Antignano beach at Livorno), 1904


As crianças têm um rio de peixes nos braços


As crianças têm um rio de peixes nos braços:
movem-nos como um cardume profundo, movem a manhã
e ela nasce. As crianças olham as águas e respiram
devagar: enchem de ar a menina dos olhos e expiram
a infância, inundam o mundo com um cardume de manhãs.
As crianças são peixes solares, um areal cego
de manhãs: os braços são feitos de água,
metem o mundo dentro do balde e esvaziam-no
no mar: as crianças têm um rio de peixes
no pensamento, um cardume de pensamentos
a rebentar nos braços.


Nuno Higino



 Elin Danielson-Gambogi, Clearing Up the Cabbage Field
 

Nuno Higino

Nuno Higino Pereira Teixeira da Cunha nasceu a 16 de Julho de 1960 em Felgueiras, Porto. Entre 1988 e 2001 foi pároco em Marco de Canaveses, período durante o qual foi construída a igreja de Santa Maria com projeto de Álvaro Siza. Em 2001 foi estudar Filosofia. Em 2003 matriculou-se num programa de doutoramento em Madrid na Faculdade de Filosofia da Universidade Complutense.

Na sua investigação, concluída em 2007, procurou interpretar os desenhos de Álvaro Siza a partir do pensamento da desconstrução do filósofo francês Jacques Derrida. Renunciou ao sacerdócio em 2005.

Atualmente é professor de História da Arte na Universidade Fernando Pessoa.

É o responsável, desde 1 de Fevereiro de 2018, pela programação da Casa das Artes de Felgueiras. Fez parte da equipa de trabalho da Casa da Arquitetura entre 2007 e 2014. É responsável pela Editora Letras e Coisas. Tem vários títulos publicados na área do ensaio, da poesia e da literatura infanto-juvenil. (Daqui)


Elin Danielson-Gambogi, Young needleworkers, 1915


Ode à Criança


 "A criança é criativa porque é crescimento e se cria a si própria. É como um rei, porque impõe ao mundo as suas ideias, os seus sentimentos e as suas fantasias. Ignora o mundo do acaso, pré-elaborado, e constrói o seu próprio mundo de ideais. Tem uma sexualidade própria. Os adultos cometem um pecado bárbaro ao destruir a criatividade da criança pelo roubo do seu mundo, sufocando-a com um saber artificial e morto, e orientando-a no sentido de finalidades que lhe são estranhas. A criança é sem finalidade, cria brincando e crescendo suavemente; se não for perturbada pela violência, não aceita nada que não possa verdadeiramente assimilar; todo o objeto em que toca vive, a criança é cosmos, mundo, vê as últimas coisas, o absoluto, ainda que não saiba dar-lhes expressão: mas mata-se a criança ensinando-a a ater-se a finalidades e agrilhoando-a a uma rotina vulgar a que, hipocritamente, se chama realidade."

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