terça-feira, 15 de setembro de 2020

"Torpor" - Poema de Luís Adriano Carlos


Ado Malagoli, O gato preto, 1954


Torpor


Perturba-me a harmonia dos perfumes
no meu corpo entorpecido pelo torpor do tropo
subitamente absorto em torpe poliptoto.

Eu sou apenas um poeta triste
que se entristece para não entristecer,
tendo na melancolia a sua maior alegria;
mas é sempre triste a tristeza que não sabe entristecer
sem que se abrigue na mentira da poesia,
essa milenar tristeza que arde no lume dos perfumes
para incendiar o tropo do torpor e os costumes.

Se não minto, se não faço humor,
sinto-me faminto de um ator, nesse lugar
onde a tristeza fica a repousar como um trapo abandonado,
com aquele desprezo que tanto se preza quando
toda a tristeza adoece e por fim se esquece.

Triste é perder o espanto e o recanto.
Essa perdição esvaziou-me o pensamento,
e nada mais lamento além do coração cheio de ardor e conceito
que me prensou o peito.

Sinto algures, longe de mim, mas mesmo assim
adentro em mim, esse coração pulsando a minha arritmia
da vida falida numa infinita glosa, que toda se me goza
com o claro dia mas que na folia me destroça
como quem falta e não volta, como quem morre e por fim se solta,
em todo o caso sentida, em todo o caso perdida.
Ado Malagoli, Autorretrato, 1941


"A melancolia alucina e destrói."

1 comentário:

Ioannes Batista disse...

Um dos piores poemas que já li.
Até parece que qualquer um pode publicar coisa hoje em dia.