quarta-feira, 16 de setembro de 2020

"Porque descrês, mulher, do amor, da vida?" - Soneto de Antero de Quental


Wybrand Hendricks, Interior with Sewing Woman, c. 1800-1810


Soneto 
 
 Porque descrês, mulher, do amor, da vida?
Porque esse Hermon transformas em Calvário?
Porque deixas que, aos poucos, do sudário
Te aperte o seio a dobra humedecida?

Que visão te fugiu, que assim perdida
Buscas em vão neste ermo solitário?
Que signo obscuro de cruel fadário
Te faz trazer a fronte ao chão pendida?

Nenhum! Intacto o bem em ti assiste:
Deus, em penhor, te deu a formosura:
Bênçãos te manda o céu em cada hora.

E descrês do viver? ... E eu, pobre e triste,
Que só no teu olhar leio a ventura,
Se tu descrês, em que hei de eu crer agora?


Antero de Quental
, in 'Sonetos'


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