quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

"A Vida é Sonho" - Poema de Calderón de la Barca


Thomas Gainsborough (1727–1788), Girl with Pigs, 1781–82, Private collection



A Vida é Sonho
 
Clotaldo

(...) ainda em sonhos
não se perde em fazer bem.

Segismundo

É certo; então reprimamos
esta fera condição,
esta fúria, esta ambição,
pois pode ser que sonhemos;
e o faremos, pois estamos
em mundo tão singular
que o viver só é sonhar
e a vida ao fim nos imponha
que o homem que vive, sonha
o que é, até despertar.
Sonha o rei que é rei, e segue
com esse engano mandando,
resolvendo e governando.
E os aplausos que recebe,
vazios, no vento escreve;
e em cinzas a sua sorte
a morte talha de um corte.
E há quem queira reinar,
vendo que há de despertar
no negro sonho da morte?
Sonha o rico sua riqueza
que trabalhos lhe oferece;
sonha o pobre que padece
sua miséria e pobreza;
sonha o que o triunfo preza,
sonha o que luta e pretende,
sonha o que agrava e ofende
e no mundo, em conclusão,
todos sonham o que são,
no entanto, ninguém entende.
Eu sonho que estou aqui
de correntes carregado
e sonhei que noutro estado
mais lisonjeiro me vi.
Que é a vida? Um frenesí.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho
e os sonhos, sonho são.


Calderón de la Barca
,
Da peça “A vida é sonho”
Tradução de Renata Pallotini

A Vida é Sonho (La vida es sueño, no original) é uma peça teatral do dramaturgo e poeta espanhol Pedro Calderón de la Barca.
O texto narra as aventuras de Segismundo, filho renegado de Basílio, rei da Polónia que ao nascer é trancado numa torre. Seu único contacto com o mundo externo é Clotaldo, seu guardião e fiel servo de seu pai.


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