quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

"Condição da Terra" - Poema de Ruy Belo


Frederick Childe Hassam (1859-1935, American impressionist painter), High Bridge, 1922
 

Condição da Terra 
 
 
A minha amada chega no ar dos pinhais
cingida de resina vária como o cedro
e a maresia. Levanta-se lábil
compromete solene o séquito da aurora
Ou vem sobre os rolos do mar
cheia de infância pequena de destino
Também a trazem às vezes aves como a pomba
que os mercadores ouviram
em países distantes. Tem brilhos
nos olhos de veado como se buscara
a grande fonte das águas
Que nome tem a minha amada?
Como chamá-la se nenhum
conceito a contempla?
Em que palavra envolvê-la?
A minha amada não é da raça de estar
como o homem posta sobre a terra
Que pés lhe darão
este destino de serem
 mais ágeis do que nós os sonhos?
Ombro como o meu será lugar para ela?
Que anjo em mim a servirá?
Ai eu não sei como recebê-la
Eu sou da condição da terra
que tateio de pé. Quase árvore
não me vestem convenientemente as estações
nem me comenta a sorte
o canto pontiagudo dos pássaros

Vem domesticamente minha amada
Receber-te-ei aquém dos olhos
com este humilde cabedal de dias

Mas basta que venhas quando eu diga
do alto de mim próprio sim à terra


Ruy Belo,
"Obra Poética de Ruy Belo" - Vol. 1, pág. 25
Editorial Presença Lda., 1984
 

Childe Hassam, Winter, Central Park, 1901


Nem sempre a neve
cai do céu: às vezes
explode numa flor.


Albano Martins
 
 

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