terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

"A Figueira" e "Prato de Figos" - Poemas de Eugénio de Andrade

 
Armand Guillaumin (French, 1841-1927), Orchard at the Edge of the Woods in Saint-Cheron



A Figueira

 
Este poema começa no verão,
os ramos da figueira a rasar
a terra convidavam a estender-me
à sua sombra. Nela
me refugiava como num rio.
A mãe ralhava: A sombra
da figueira é maligna, dizia.
Eu não acreditava, bem sabia
como cintilavam maduros e abertos
seus frutos aos dentes matinais.
Ali esperei por essas coisas
reservadas aos sonhos. Uma flauta
longínqua tocava numa écloga
apenas lida. A poesia roçava-
me o corpo desperto até ao osso,
procurava-me com tal evidência
que eu sofria por não poder dar-lhe
figura: pernas, braços, olhos, boca.
Mas naquele céu verde de Agosto
apenas me roçava, e partia.  
 
 


Luis Egidio Meléndez (1716 - 1780), Bodegón: pan, granadas, higos y objetos



Prato de Figos

 
Também a poesia é filha
da necessidade —
esta que me chega um pouco já
fora do tempo
deixou de ser a sumarenta alegria
do sol sobre a boca;
esta, perdida a fresca
e nacarada pele adolescente,
mais parece um desses figos
secos ao sol de muitos dias
que num inverno sempre se encontram
postos num prato
para comeres junto ao fogo.
 
 
 
 
Giovanna Garzoni, (Italian painter, 1600-1670),  A plate of figs, tempera on parchment
 

Giovanna Garzoni, Still Life with Bird, Cherries and Figs
 
 

Clara Peeters, Still life - Table with dried figs and other fruits in a bowl, 1611
 

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