quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

"Poça de água" - Poema de Wisława Szymborska

                                                                                                     
Charles Courtney Curran, Children Fishing, 1897, Private collection


Poça de água



Recordo bem este medo da infância.
Evitava as poças, sobretudo as novas, após a chuva.
Afinal, uma delas poderia não ter fundo,
ainda que parecesse igual às outras.

Ponho o pé e, de súbito, afundar-me-ei,
voando para baixo,
cada vez mais baixo,
rumo às nuvens refletidas
ou talvez mais além.

Depois a poça secar-se-á,
fechar-se-á por cima de mim,
e eu para sempre trancada — onde —
ficarei com um grito não repercutido à superfície.

Só mais tarde compreendi que
nem todas as más aventuras
cabem nas regras do mundo
e mesmo que o quisessem,
não poderiam acontecer.


Wislawa Szymborska



Charles Courtney Curran, Children by the Seashore, 1896,
 Private collection


"Todos os jardins da nossa infância são o jardim do paraíso. A pele suave desses tempos em que se corria com as pernas arqueadas soltando uma espécie de luz pela respiração. Ríamos a correr para os braços dos adultos numa entrega absoluta. Eles, os adultos, atiravam-nos ao ar e apanhavam-nos com mãos ásperas, e, talvez por isso, quando crescemos nunca mais deixamos de, esporadicamente, sonhar que voamos. E de sonhar com gigantes e anões, pois eram essas as nossas proporções."


Afonso Cruz,  O Pintor Debaixo do Lava-Loiças


Charles Courtney Curran, Date unknown


Tão pequena
E desbotada de chuva
A casa da infância!...



Paulo Franchetti,
Haicais

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