sábado, 30 de junho de 2012

"As iluminações" - Poema de Arthur Rimbaud


Pintura de Henri Fantin-Latour



Saldo


Vende-se o que os Judeus não venderam, 
o que nem a nobreza nem o crime provaram, 
o que o amor maldito 
e a honestidade infernal das massas ignoram; 
o que nem a ciência nem o tempo reconhecem; 
as vozes restauradas, 
o despertar fraterno 
de todas as energias corais e orquestrais 
e suas aplicações instantâneas; 
ocasião única de libertar os nossos sentidos! 

Vende-se Corpos sem preço, 
de qualquer raça, 
de qualquer mundo, 
de qualquer sexo, 
de qualquer descendência! 
Riquezas brotando a cada passo! 

Saldo de diamantes sem controlo! 

Vende-se anarquia para as massas; 
satisfação irreprimível
para amadores superiores; 
morte atroz para os fiéis e os amantes! 

Vende-se casas e migrações, 
desportos, magias e confortos perfeitos, 
e o ruído, 
o movimento e o futuro que eles fazem! 

Vende-se aplicações de cálculo 
e saltos inauditos de harmonia. 
Achados e termos sem suspeita, 
entrega imediata, 
impulso insensato e infinito 
aos esplendores invisíveis, 
às delícias insensíveis, — 
e seus segredos enlouquecedores 
para cada vício 
e uma alegria assustadora para a multidão.

Vende-se Corpos, vozes, 
a inquestionável opulência imensa, 
que nunca será vendida. 
Os vendedores têm muitos estoques
para liquidar! 
Os viajantes não precisam ter pressa
para entregar as encomendas!


Arthur Rimbaud, "As iluminações"
Tradução: Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça.
 
 

Henri Jean Fantin-Latour, "Roses and Nasturtiums" 



"AS ILUMINAÇÕES"


Um dos livros que marcam de maneira mais contundente a modernidade são as Iluminações, de Arthur Rimbaud. Dentre os poemas que o constituem, estão alguns que representam, de maneira paradigmática, a tempestade de desafogo e de fantasia que, segundo Hugo Friedrich, desarticulará o formalismo ainda fortemente presente na poesia do final do século XIX. Tal processo indicia uma mudança de perspectiva com relação aos modos de representação lírica da realidade, evidenciando que a linguagem não é uma simples repetição mimética do real visível.
Para isso, uma das técnicas mais utilizadas por Rimbaud, nesta obra, é a da fusão de imagens - num processo ao mesmo tempo metafórico e metonímico. O poema Marinha é um bom exemplo dela. Eis a sua tradução do original francês:


Marinha 


Carros de prata e cobre -
Proas de aço e prata -
Golpeiam a espuma, -
Erguem touceiras de sarças.
As correntes da charneca,
E os sulcos imensos do refluxo,
Correm circularmente para o leste,
Para os pilares da floresta,
Para os fustes do dique,
Cujo ângulo é batido por turbilhões de luz.


Nele o poeta provoca o estranhamento entre o título e a imagem inicial, pois em lugar de barcos o que aparece primeiro são os "Carros de prata e cobre" que, no entanto, também vão sendo novamente confundidos com a metonímia de navios, "proas de aço e prata", tornando assim o texto a união metafórica e tensiva de imagens opostas: barcos são carros. Essa fusão de imagens terrestres e marinhas do carro e do navio - pois ambos "Golpeiam a espuma" - gera então o obscurecimento da realidade visual e do sentido propostos pelo texto. Dessa maneira, sem abandonar os elementos naturais, a obra de Rimbaud estabelece, a tensão "entre mostrar e esconder o mundo visível". (Daqui)



As Flores e os Frutos de Henri Fantin-Latour
Henri Fantin-Latour, "Roses and Cherries" 


Henri Fantin-Latour, "Large Vase of Dahlias and Assorted Flowers"


Henri Fantin-Latour, "Basket of White Grapes and Peaches"


Henri Fantin-Latour, "Apples"


Henri Fantin-Latour, "Still Life with Flowers", 1881


Henri Fantin-Latour, "White Carnations"


Henri Fantin-Latour, "Basket of Flowers"


Henri Fantin-Latour, "Bowl of Roses"


Henri Fantin-Latour, "White Roses"


Henri Fantin-Latour, "Roses" 


Henri Fantin-Latour, "Spring Flowers"


Henri Fantin-Latour, "Gladiolas and roses"


Henri Fantin-Latour, "White and Pink Roses"



Friedrich Nietzsche escreveu uma coleção de aforismos sobre estética, onde deixou clara sua abordagem da Natureza. Neles, dizia: 

"Fecha teu olho corpóreo para que possas antes ver tua pintura com o olho do espírito. Então traz para a luz do dia o que viste na escuridão, para que a obra possa repercutir nos outros de fora para dentro".

"Flores" - Poema de Arthur Rimbaud


Pintura de Henri Fantin-Latour 



Flores


De um pequeno degrau dourado -, entre os cordões 
de seda, os cinzentos véus de gaze, os veludos verdes 
e os discos de cristal que enegrecem como bronze 
ao sol -, vejo a digital abrir-se sobre um tapete de filigranas 
de prata, de olhos e de cabeleiras. 

Peças de ouro amarelo espalhadas sobre a ágata, pilastras 
de mogno sustentando uma cúpula de esmeraldas, 
buquês de cetim branco e de finas varas de rubis 
rodeiam a rosa d'água. 

Como um deus de enormes olhos azuis e de formas 
de neve, o mar e o céu atraem aos terraços de mármore 
a multidão das rosas fortes e jovens. 


Arthur Rimbaud


Arthur Rimbaud, poeta francês 


Jean Nicolas Arthur Rimbaud (Charleville, 20 de outubro de 1854 - Marselha, 10 de novembro de 1891) foi um poeta francês. Produziu suas obras mais famosas quando ainda era adolescente sendo descrito por Victor Hugo, à época, como "um jovem Shakespeare". Aos 20 anos já havia desistido de escrever. Como parte do movimento decadente, Rimbaud influenciou a literatura, a música e a arte modernas. Era conhecido por sua fama de libertino e por uma alma inquieta, viajando de forma intensiva por três continentes antes de morrer de câncer aos 37 anos de idade.


À volta da mesa, por Henri Fantin-Latour, 1872,
 Rimbaud é o segundo à esquerda, tendo ao seu lado direito Paul Verlaine.
 


    Obras de Henri Fantin-Latour
Henri Fantin-Latour, Autorretrato (1859)


Henri Fantin-Latour (Grenoble, 14 de Janeiro de 1836 - Orne, 25 de Outubro de 1904), foi um pintor francês da época do romantismo.


Henri Fantin-Latour, "The Reader", 1861
(Marie Fantin Latour, the Artist's Sister)


Henri Fantin-Latour, "The Dubourg Family", 1878


Henri Fantin-Latour, Charlotte Dubourg, 1882


                                                     Henri Fantin-Latour,  Portrait of Sonia, 1890


Henri Fantin-Latour


Henri Fantin-Latour


Henri Fantin-Latour


Henri Fantin-Latour


Henri Fantin-Latour


Henri Fantin-Latour


Henri Fantin-Latour


"As palavras proferidas pelo coração não tem língua que as articule, retém-nas um nó na garganta e só nos olhos é que se podem ler." - José Saramago
 

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Home (documentário)... de Yann Arthus Bertrand




Home (documentário)


Home é um documentário lançado em 2009, produzido pelo jornalista, fotógrafo e ambientalista francês Yann Arthus-Bertrand. O filme é inteiramente composto de imagens aéreas de vários lugares da Terra. Mostra-nos a diversidade da vida no planeta e como a humanidade está ameaçando o equilíbrio ecológico. O filme foi lançado simultaneamente ao redor do mundo em 5 de junho nos cinemas, em DVD e no YouTube. Foi estreado em 50 países diferentes e é totalmente gratuito e sem lucros comerciais.

Produção

Home foi filmado em vários estágios devido à extensão das áreas retratadas. Levando cerca de 18 meses para ser completado, o diretor Yann Arthus-Bertrand, um operador de câmera, um engenheiro de câmera e um piloto voaram num pequeno helicóptero através de várias regiões em cerca de 50 países. A filmagem foi feita utilizando câmeras Cineflex de alta definição suspensas em uma esfera giratória estabilizada, montada na base do helicóptero. Essas câmeras, originalmente fabricadas para artilharia, reduzem as vibrações ajudando a capturar imagens suaves.


Home - O Mundo é a nossa Casa - Parte 1
























terça-feira, 26 de junho de 2012

"Epigrama n° 3" - Poema de Cecília Meireles


Giorgio de Chirico, Ritorno del Figlio Prodigo, 1965 
 
 

Epigrama n° 3 
 

Mutilados jardins e primaveras abolidas
abriram seus miraculosos ramos
no cristal em que pousa a minha mão.

(Prodigioso perfume!)

Recompuseram-se tempos, formas, cores, vidas ...

Ah! mundo vegetal, nós, humanos, choramos
só da incerteza da ressurreição.


Cecília Meireles
Viagem, 1938 


Obras de Giorgio de Chirico
L'enigma dell'ora, 1911
 














 
"O problema com o mundo é que os estúpidos são excessivamente confiantes, e os inteligentes são cheios de dúvidas." Bertrand Russell 
 


 
 
"Medo coletivo estimula o instinto de rebanho e tende a produzir ferocidade contra aqueles que não são considerados como membros do rebanho." - Bertrand Russell
 


 
 
"A teoria da relatividade de Einstein representa prova­velmente a maior conquista sintética do intelecto hu­mano até hoje." - Bertrand Russell




 
"O Universo pode ter um objetivo, mas nada que nós sabemos sugere que, se for assim, esse objetivo tenha qualquer semelhança com o nosso." - Bertrand Russell
 
 

"Epigrama n° 2" - Poema de Cecília Meireles

Epigrama n° 2


És precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir, e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo, despovoado e profundo, persiste.


Cecília Meireles, in Viagem



Galeria de Giorgio de Chirico
Giorgio de Chirico 








Canto d'amore, 1914


















Giorgio de Chirico: da metafísica ao surrealismo


"Chirico cria um mundo onírico e fantástico, no qual mesmo os sonhos têm outra concepção. É o nascer do pré-surrealismo."




O Surrealismo 

Surrealismo foi um movimento artístico e literário nascido em Paris na década de 1920, inserido no contexto das vanguardas que viriam a definir o modernismo no período entre as duas Grandes Guerras Mundiais. Reúne artistas anteriormente ligados ao Dadaísmo ganhando dimensão mundial. Fortemente influenciado pelas teorias psicanalíticas do psicólogo Sigmund Freud (1856-1939), o surrealismo enfatiza o papel do inconsciente na atividade criativa. Um dos seus objetivos foi produzir uma arte que, segundo o movimento, estava sendo destruída pelo racionalismo. O poeta e crítico André Breton (1896-1966) é o principal líder e mentor deste movimento.

A palavra surrealismo supõe-se ter sido criada em 1917 pelo poeta Guillaume Apollinaire (1886-1918), jovem artista ligado ao Cubismo, e autor da peça teatral As Mamas de Tirésias (1917), considerada uma precursora do movimento.
Um dos principais manifestos do movimento é o Manifesto Surrealista de (1924). Além de Breton, seus representantes mais conhecidos são Antonin Artaud no teatro, Luis Buñuel no cinema e Max Ernst, René Magritte e Salvador Dalí no campo das artes plásticas.
As características deste estilo: uma combinação do representativo, do abstrato, do irreal e do inconsciente. Entre muitas de suas metodologias estão a colagem e a escrita automática. Segundo os surrealistas, a arte deve se libertar das exigências da lógica e da razão e ir além da consciência quotidiana, buscando expressar o mundo do inconsciente e dos sonhos.
No manifesto e nos textos escritos posteriores, os surrealistas rejeitam a chamada ditadura da razão e valores burgueses como pátria, família, religião, trabalho e honra. Humor, sonho e a contralógica são recursos a serem utilizados para libertar o homem da existência utilitária. Segundo esta nova ordem, as ideias de bom gosto e decoro devem ser subvertidas.

Mais do que um movimento estético, o surrealismo é uma maneira de enxergar o mundo, uma vanguarda artística que transcende a arte. Busca restaurar os poderes da imaginação, castrados pelos limites do utilitarismo da sociedade burguesa, e superar a contradição entre objetividade e subjetividade, tentando consagrar uma poética da alucinação, de ampliação da consciência. Breton declara no Primeiro Manifesto sua crença na possibilidade de reduzir dois estados aparentemente tão contraditórios, sonho e realidade, “a uma espécie de realidade absoluta, de sobre-realidade [surrealité]”.

A escrita automática procura buscar o impulso criativo artístico através do acaso e do fluxo de consciência despejado sobre a obra. Procura-se escrever no momento, sem planejamento, de preferência como uma atividade coletiva que vai se completando. Uma pessoa escreve algo num papel e outro completa, mas não de maneira lógica, passando a outro que dá sequência. O filme Um Cão Andaluz, de Luis Buñuel, por exemplo, é formado por partes de um sonho de Salvador Dalí e outra parte do próprio diretor, sem necessariamente objetivar-se uma lógica consciente e de entendimento, mas um discurso inconsciente que procura dialogar com outras leituras da realidade.
Esse e outros métodos, no entanto, não eram exercícios gratuitos de caráter estético, mas, como disse Octavio Paz, seu propósito era subversivo: abolir esta realidade que uma sociedade vacilante nos impôs como a única verdadeira. Para além de criar uma arte nova, criar um homem novo. (Daqui)