domingo, 8 de janeiro de 2012

"A Rosa" - Poema de Alexandre Herculano


Victor-Gabriel Gilbert (French Academic Painter, 1847-1933), The Corsage



A ROSA 


Pura em sua inocência,
Entre a sarça espinhosa,
Purpúrea esplende, inda botão intacto,
Na madrugada a rosa. 

É da campina a virgem
A pudibunda flor;
Em seus eflúvios matutina brisa
Bebe o primeiro amor. 

O sol inunda as veigas:
Calou-se o rouxinol;
E a flor, ébria de glória, à luz fervente,
Desabrochou-a o sol. 

O sopro matutino
No seio seu pousara:
Prostituída à luz, fugiu-lhe a brisa,
Que a linda rosa amara. 

Bela se ostenta um dia;
Saúdam-na as pastoras;
Dão-lhe mil beijos, gorgeando, as aves;
Voam do gozo as horas. 

Lá vem chegando a noite,
E ela empalideceu:
Incessante prazer mirrou-lhe a seiva;
A rosa emurcheceu. 

Desce o tufão dos montes,
Os matos sacudindo;
Desfalecida a flor desprende as folhas,
Que o vento vai sumindo. 

Onde estará a rosa,
Do prado a bela filha?
O tufão, que espalhou seus frágeis restos,
Passou: não deixou trilha. 

Da sarça a flor virente
Nasceu, gozou, e é morta:
E a qual desses amantes de um momento
Seu fado escuro importa? 

Nenhum, nenhum por ela
Gemeu saudoso à tarde;
Não há quem junte as derramadas folhas,
Quem amoroso as guarde. 

Só da manhã o sopro,
Passando no outro dia,
Da rosa, que adorou, quando a inocência
Em seu botão sorria, 

Junto do tronco humilde
O curso demorando,
Veio depositar perdão, saudade,
Queixoso sussurrando. 

De quantas és a imagem,
Oh desgraçada flor!
Quantos perdões sobre um sepulcro abjecto
Tem murmurado o amor! 


Alexandre Herculano 


[Alexandre Herculano de Carvalho Araújo, poeta, romancista, historiador e ensaísta português,  nasceu a 28 de março de 1810, em Lisboa, e morreu a 18 de setembro de 1877, em Santarém.
A sua obra, em toda a extensão e diversidade, ostenta uma profunda coerência, obedecendo a um programa romântico-liberal que norteou não apenas o seu trabalho mas também a sua vida.]

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