O quociente e a incógnita
Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a, do Ápice à Base,
uma figura ímpar:
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo octogonal, seios esferóides.
Fez da sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
“Quem és tu?”, indagou ele
em ânsia radical.
“Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa.”
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar,
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes até aquele dia
em que tudo vira afinal monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Frequentador de círculos concêntricos, viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade como aliás em qualquer
sociedade.
Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954,
publicado com o pseudónimo de Vão Gogo.
Millôr Fernandes, O Livro Vermelho dos Pensamentos de Millôr
Paul Klee, Contemplation, 1938
"O último refúgio do oprimido é a ironia, e nenhum tirano, por mais violento que seja, escapa a ela. O tirano pode evitar uma fotografia, não pode impedir uma caricatura. A mordaça aumenta a mordacidade."
Millôr Fernandes, O Livro Vermelho dos Pensamentos de Millôr
Paul Klee, drawn by August Macke in 1914
Paul Klee
Artista suíço, Paul Klee nasceu em 1879, na Suíça. Filho de um professor de música, começou desde cedo a tocar violino.
Em 1900 inscrevia-se na Academia de Belas-Artes de Munique, começando por utilizar a pena e a tinta e a gravura. Os temas continham algo de sinistro e satírico, na tradição do fantástico presentes em artistas como Francisco Goya, William Blake ou Odilon Redon.
Na sua primeira exposição individual em 1910 apresentava gravuras. O contacto com o grupo de artistas alemães Blaue Reiter e sobretudo uma viagem à Tunísia em 1914 assumiram uma importância fundamental na evolução da sua estética.
Começou a pintar aguarelas de paisagens e motivos de arquitetura, construindo as composições a partir de formas simples que criam um ambiente ingénuo e bem-humorado. Em O Zoo (1918) desenvolveu a técnica iniciada na Tunísia. As imagens possuem um aspeto deliberadamente infantil, o que empresta a toda a construção uma característica poética não isenta de humorismo.
Em 1920 foi convidado por Gropius a integrar o corpo docente da escola Bauhaus e a partir daqui o seu trabalho vai refletir a ideologia da escola, mas num ambiente muito pessoal.
Em Juniper (1930) apresenta uma visão humorística da estética construtivista que então singrava na Bauhaus. Procurou ainda teorizar as suas conceções de Arte em Maneiras de Estudar a Natureza (1923), Esboços de Pedagogia (1925) e Experiências Exatas no Realismo da Arte (1928), sem contudo propor um todo sistemático e coerente.
Com a ascensão do regime nazi, regressou a Berna em 1933. Começou a pintar com linhas pretas, grossas, construindo composições simples e ousadas: Sinais Negros (1938), Jogo de Crianças (1939). O humor dos trabalhos anteriores era contudo menos evidente e o clima era por vezes mesmo ameaçador, como em Morte e Fogo e Máscara (1940).
Veio a falecer na cidade de Berna em 1940. Apesar de ter partilhado as teorias de Kandinsky, Paul Klee desenvolveu um universo pictural muito próprio, partindo de formas abstratas e fantásticas e criando uma arte subjetiva espontaneamente poética.
Paul Klee. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-01-29].
Ne-Yo, One in a Million
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