quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

"Eu queria ser Pai Natal" - Poema de Luísa Ducla Soares


Antonio García Mencía
(Spanish painter and illustrator, c. 1849/53 - 1915/20),
 "Memories of Christmas", Unknown date.
 

Eu queria ser Pai Natal


Eu queria ser Pai Natal
E ter carro com renas
Para pousar nos telhados
Mesmo ao pé das antenas.

Descia com o meu saco
Ao longo da chaminé,
Carregado de brinquedos
E roupas, pé ante pé.

Em cada casa trocava
Um sonho por um presente
Que profissão mais bonita
Fazer a gente contente!


Luísa Ducla Soares
in "Poemas da Mentira e da Verdade".

Livros Horizonte
 
 

"Poemas da Mentira e da Verdade" de Luísa Ducla Soares
Ilustração: Ana Cristina Inácio
Editor: Livros Horizonte



SINOPSE

"Os Poemas da Mentira e da Verdade" são dois olhares simultâneos sobre a realidade. O da imaginação, da fantasia, do “nonsense” e o da seriedade, da objetividade, do espírito crítico. Num e noutro perpassa um humor muito característico da autora. Dedicados a crianças avessas à leitura e particularmente à poesia, este livro cativá-las-á pela irreverência, pelo jogo de palavras, pela cumplicidade com o mundo das crianças. Revela-se, na opinião de muitos professores, como um excelente recurso para os miúdos que não lêem. (Livro recomendado pelo plano nacional de leitura para o 1.º ciclo do ensino básico.)



Jenny Nyström (Swedish painter and illustrator, 1854–1946),
 Self-portrait with her son, 1895, Gothenburg Museum of Art.
 
Jenny Nyström (Kalmar, 1854 - Estocolmo, 1946) foi uma pintora e ilustradora sueca de livros para crianças. 
Dedicou-se sobretudo à pintura de retrato e paisagem, sendo principalmente conhecida por ter sido a criadora da figura do pai natal sueco (jultomte), ligando a figura do pai natal tradicional ao Tomte tradicional do folclore escandinavo.
 
 
 Christmas cards by Jenny Nyström

Jenny Nyström (Swedish painter and illustrator, 1854–1946),
God Jul ("Happy Christmas!"). 



Jenny Nyström, Girl posting a letter.
 

Jenny Nyström, Children dancing around the Christmas Tree, ca. 1895-1897.


 
 

Jenny NyströmSanta Claus with child. 


"Natal não é natal sem um presente."

("Christmas won’t be Christmas without any presents" )

Louisa May Alcott, in "Little Women", 1868.
 

"Natal Divino" - Poema de Miguel Torga

 


Di Cavalcanti
(Pintor modernista, desenhista, ilustrador, muralista e caricaturista
brasileiro, 1897–1976), Natal, 1969. Óleo sobre tela.

 Natal Divino


Natal divino ao rés-do-chão humano,
Sem um anjo a cantar a cada ouvido.
Encolhido
À lareira,
Ao que pergunto
Respondo
Com as achas que vou pondo
Na fogueira.

O mito apenas velado
Como um cadáver
Familiar…
E neve, neve, a caiar
De triste melancolia
Os caminhos onde um dia
Vi os Magos galopar…

S. Martinho de Anta, 24 de Dezembro de 1970

Miguel Torga
Diário XI 
(2-8-1968 / 6-4-1973)

 

quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

"Natal… Natais" - Poema de João Cabral do Nascimento

 


Hans Burgkmair the Elder (German painter and woodcut printmaker, 1473–1531),
 Die Geburt Christi (Nativity of Jesus), 1511.


Natal… Natais…

 
Tu, grande Ser,
Voltas pequeno ao mundo.
Não deixas nunca de nascer!
Com braços, pernas, mãos, olhos, semblante,
Voz de menino.
Humano o corpo e o coração divino.

Natal… Natais…
Tantos vieram e se foram!
Quantos ainda verei mais?

Em cada estrela sempre pomos a esperança
De que ela seja a mensageira,
E a sua chama azul encha de luz a terra inteira.
Em cada vela acesa, em cada casa, pressentimos
Como um anúncio de alvorada;
E em cada árvore da estrada
Um ramo de oliveira;
E em cada gruta o abrigo da criança omnipotente;

E no fragor do vento falas de anjos, e no vácuo
De silêncio da noite
Estriada de súbitos clarões,
A presença de Alguém cuja forma é precária
E a sua essência, eterna.

Natal… Natais…
Tantos vieram e se foram!
Quantos ainda verei mais?


João Cabral do Nascimento
,
in "Cancioneiro", 1943.

terça-feira, 23 de dezembro de 2025

"Natal" - Poema de José Régio

 

 
Jules Bastien-Lepage (French painter, 1848–1884), The Annunciation to the Shepherds, 1875.
National Gallery of Victoria, Melbourne



Natal 

 
Mais uma vez, cá vimos
Festejar o teu novo nascimento,
Nós, que, parece, nos desiludimos
Do teu advento!

Cada vez o teu Reino é menos deste mundo!
Mas vimos, com as mãos cheias dos nossos pomos,
Festejar-te, — do fundo
Da miséria que somos.

Os que à chegada
Te vimos esperar com palmas, frutos, hinos,
Somos — não uma vez, mas cada —
Teus assassinos.

À tua mesa nos sentamos:
Teu sangue e corpo é que nos mata a sede e a fome;
Mas por trinta moedas te entregamos;
E por temor, negamos o teu nome.

Sob escárnios e ultrajes,
Ao vulgo te exibimos, que te aclame;
Te rojamos nas lajes;
Te cravejamos numa cruz infame.

Depois, a mesma cruz, a erguemos,
Como um farol de salvação,
Sobre as cidades em que ferve extremos
A nossa corrupção.

Os que em leilão a arrematamos
Como sagrada peça única,
Somos os que jogamos,
Para comércio, a tua túnica.

Tais somos, os que, por costume,
Vimos, mais uma vez,
Aquecer-nos ao lume
Que do teu frio e solidão nos dês.

Como é que ainda tens a infinita paciência
De voltar, — e te esqueces
De que a nossa indigência
Recusa tudo que lhe ofereces?

Mas, se um ano tu deixas de nascer,
Se de vez se nos cala a tua voz,
Se enfim por nós desistes de morrer,
Jesus recém-nascido!, o que será de nós?! 
 

José Régio, in 'Obra Completa'. 
In Diário de Notícias, edição nº 33 345, 
25 de Dezembro de 1958.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

"Rosas de Inverno" - Poema de Camilo Pessanha



Aldo Parmigiani (Italian painter, b. 1935), Rosas, s.d.


Rosas de Inverno


Corolas, que floristes
Ao sol do inverno, avaro,
Tão glácido e tão claro
Por estas manhãs tristes.

Gloriosa floração,
Surdida, por engano,
No agonizar do ano,
Tão fora da estação!

Sorrindo-vos amigas,
Nos ásperos caminhos,
Aos olhos dos velhinhos,
Às almas das mendigas!

Desse Natal de inválidos
Transmito-vos a bênção,
Com que vos recompensam
Os seus sorrisos pálidos.


Camilo Pessanha,
in "Clepsidra e outros poemas", 1962.




Aldo Parmigiani, "La rosa bianca", 2012.



"Você pode se queixar porque a rosa tem espinhos ou se alegrar porque os espinhos têm rosas."

Tom Wilson, citado in  Altered You!: Alter Your Style ... Your Stuff ... Your Space! - Página 79,
 Karin Buckingham - Kalmbach Books, 2013 - 96 páginas.
 

domingo, 21 de dezembro de 2025

"Inverno" - Poema de Jorge de Lima



Geza Heller
(Pintor, artista gráfico, desenhista, arquiteto e gravador 
húngaro-brasileiro, 1902-1992), Paisagem cultivada, 1972.

Inverno


Zefa, chegou o inverno!
Formigas de asas e tanajuras!
Chegou o inverno!
Lama e mais lama
chuva e mais chuva, Zefa!
Vai nascer tudo, Zefa,
Vai haver verde,
verde do bom,
verde nos galhos,
verde na terra,
verde em ti, Zefa,
que eu quero bem!
Formigas de asas e tanajuras!
O rio cheio,
barrigas cheias,
mulheres cheias, Zefa!
Águas nas locas,
pitus gostosos,
carás, cabojes,
e chuva e mais chuva!
Vai nascer tudo:
milho, feijão,
até de novo
teu coração, Zefa!
Formigas de asas e tanajuras!
Chegou o inverno!
Chuva e mais chuva!
Vai casar, tudo,
moça e viúva!
Chegou o inverno!
Covas bem fundas
pra enterrar cana;
cana caiana e flor de Cuba!
Terra tão mole
que as enxadas
nela se afundam
com olho e tudo!
Leite e mais leite
pra requeijões!
Cargas de imbu!
Em junho o milho,
milho e canjica
pra São João!
E tudo isto, Zefa...
E mais gostoso
que isso tudo:
noites de frio,
lá fora o escuro,
lá fora a chuva,
trovão, corisco,
terras caídas,
corgos gemendo,
os caborés gemendo,
os caborés piando, Zefa!
Os cururus cantando, Zefa!
Dentro da nossa
casa de palha:
carne-de-sol
chia nas brasas,
farinha d'água,
café, cigarro,
cachaça, Zefa...
...rede gemendo...

Tempo gostoso!
Vai nascer tudo!
Lá fora a chuva,
chuva e mais chuva,
trovão, corisco,
terras caídas,
e vento e chuva,
chuva e mais chuva!
Mas tudo isso, Zefa,
vamos dizer,
só com os poderes
de Jesus Cristo!


Jorge de Lima, in Melhores Poemas.
Global Editora, 2ª edição, 2001.

sábado, 20 de dezembro de 2025

"Não sei fazer poemas sobre gatos" - Poema de Ana Martins Marques

 


Vittorio Matteo Corcos (Italian painter, 1859–1933), The White Cat, 1891.



Não sei fazer poemas sobre gatos


Não sei fazer poemas sobre gatos
se tento logo fogem
furtivas
as palavras
soltam-se ou
saltam
não capturam do gato
nem a cauda
sobre a mesa
quieta e quente
a folha recém-impressa
página branca com manchas negras:
eis o meu poema sobre gatos


Ana Martins Marques
, in O livro das semelhanças
Companhia das Letras