Estão batendo na porta Homem sério chega cedo,
olha seco pras pessoas,
cumprimenta com a cabeça,
fica longe e vai sentando.
Homem culto chega aéreo,
vive no mundo da lua,
abre um livro des’tamanho,
distraído vai sentando.
Homem belo vem bonito,
elegante e perfumoso,
puxa o espelho, passa o pente,
vem pro centro e vai sentando.
Homem pobre, quando chega,
chega sem nada na mão,
olha quieto, fala baixo,
e depois senta no chão.
Homem sábio chega calmo,
um por um vai abraçando,
fala pouco, olha nos olhos,
fica junto e vai sentando.
Homem doido chega e planta
bananeira na janela,
mostra a língua, tira a roupa,
pinta o sete e vai sentando.
Homem chato chega bobo,
vem torrando a paciência,
fala mole não se enxerga,
enche o saco e vai sentando.
Homem triste vem sozinho,
puxa o lenço e chora um pouco,
muita gente chega perto,
ele gosta e vai sentando.
Homem fraco chega branco,
capengando agasalhado,
tosse, espirra, ronca funga,
cospe, engasga e vai sentando.
Homem alegre chega leve,
vem contando as novidades,
dá três beijos, quatro abraços,
solta o riso e vai sentando.
Homem errado entra torto,
quebra o vaso tropeçando,
cai na sala, rasga a calça,
ri aflito e vai sentando.
Homem forte chega imenso,
abre a porta trovejando,
fala grosso, mostra o muque,
abre espaço e vai sentando.
Homem rico chega tarde,
vem falando de dinheiro,
faz mil contas, multiplica,
preocupado vai sentando.
Homem tímido não chega,
manda dizer que não vem,
fica em casa, deita cedo,
pra não sentir que tem medo.
Resta só uma pessoa,
pra reunião começar,
imagine agora um pouco,
quem é que falta chegar.
Ricardo Azevedo,
do livro "Dezenove poemas desengonçados",
Ática, 1997.