sábado, 5 de abril de 2025

"Infância" - Poema de Henriqueta Lisboa

 


Fanny Fleury
(French painter, 1846–1923), Sleeping Baby (Bébé dort), 1884.


Infância 


E volta sempre a infância
com suas íntimas, fundas amarguras.
Oh! por que não esquecer
as amarguras
e somente lembrar o que foi suave
ao nosso coração de seis anos?

A misteriosa infância
ficou naquele quarto em desordem,
nos soluços de nossa mãe
junto ao leito onde arqueja uma criança;

nos sobrecenhos de nosso pai
examinando o termómetro: a febre subiu;
e no beijo de despedida à irmãzinha
à hora mais fria da madrugada.

A infância melancólica
ficou naqueles longos dias iguais,
a olhar o rio no quintal horas inteiras,
a ouvir o gemido dos bambus verde-negros
em luta sempre contra as ventanias!

A infância inquieta
ficou no medo da noite
quando a lamparina vacilava mortiça
e ao derredor tudo crescia escuro, escuro...

A menininha ríspida
nunca disse a ninguém que tinha medo,
porém Deus sabe como seu coração batia no escuro,
Deus sabe como seu coração ficou para sempre diante da vida
— batendo, batendo assombrado! 


Henriqueta Lisboa, in "Prisioneira da noite", 1941.


Fanny Fleury, The Lesson (La Leçon), 1880.


"Não é saudade, porque eu tenho agora a minha infância mais do que enquanto ela decorria..."

Clarice Lispector
, 'Perto do Coração Selvagem', 1943. 

Sem comentários: