sábado, 12 de abril de 2025

"Pequeno cosmos" e "Química" - Poemas de José Saramago


 
William Bruce Ellis Ranken (British artist and Edwardian aesthete, 1881-1941),
 The Garden Door, 1926.
 

Pequeno cosmos
 

Ah, rosas, não, nem frutos, nem rebentos.
Horta e jardim sobejam nestes versos
De consonâncias velhas e bordões.

Navegante dum espaço que rodeio
(Noutra hora diria que infinito),
É por fome de frutos e de rosas
Que a frouxidão da pele ao osso chega.

Assim árido, e leve, me transformo:
Matéria combustível na caldeira
Que as estrelas ateiam onde passo.

Talvez, enfim, o aço apure e faça

Do espelho em que me veja e redefina.
 
in "Os Poemas Possíveis". 3ª ed., 
Lisboa: Editorial Caminho, 1981.
 
 
William Bruce Ellis Ranken, Covent Garden, 1930.
 
 
Química 

 
Sublimemos, amor. Assim as flores
No jardim não morreram se o perfume
No cristal da essência se defende.
Passemos nós as provas, os ardores:
Não caldeiam instintos sem o lume
Nem o secreto aroma que rescende. 


José Saramago
,
in "Os Poemas Possíveis"
 

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