sexta-feira, 25 de abril de 2014

"Sejamos Alegres" - Texto de Clarice Lispector


Berthe MorisotSummer Day, 1879, National Gallery, London  


Sejamos Alegres


Denuncio nossa fraqueza, denuncio o horror alucinante de morrer — e respondo a toda essa infâmia com — exatamente isto que vai agora ficar escrito — e respondo a toda essa infâmia com a alegria. Puríssima e levíssima alegria. A minha única salvação é a alegria. Uma alegria atonal dentro do it essencial. Não faz sentido? Pois tem que fazer. Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas — porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste. Sejamos alegres. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade. Eu estou — apesar de tudo oh apesar de tudo — estou sendo alegre neste instante já, que passa se eu não fixá-lo com palavras. Estou sendo alegre neste mesmo instante porque me recuso a ser vencida: então eu amo. Como resposta. Amor impessoal, amor it, é alegria: mesmo o amor que não dá certo, mesmo o amor que termina. E a minha própria morte e a dos que amamos tem que ser alegre, não sei ainda como, mas tem que ser. Viver é isto: a alegria do it. E conformar-me não como vencida mas num allegro com brio.

Clarice Lispector, in 'Água Viva'


Berthe Morisot, Winter aka Woman with a Muff, 1880, 
“As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas. Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos.”

(Clarice Lispector)


Berthe Morisot, The Bath (Girl Arranging Her Hair),1885-86,
“Ignore, supere, esqueça. Mas jamais pense em desistir de você por causa de alguém.”

(Clarice Lispector)


Berthe Morisot, Child among the Hollyhocks, 1881, 
“A virtude da vida não está em fazer aquilo que se gosta, e sim gostar daquilo que se faz. Por isso seja forte, não como as ondas que tudo destrói, mas como as pedras que tudo suporta!”
 
(Clarice Lispector)


"Abril" - Poema de José Fanha


que ficou conhecida como a "Revolução dos Cravos".




Abril


Havia uma lua de prata e sangue
em cada mão.

Era Abril.

Havia um vento
que empurrava o nosso olhar
e um momento de água clara a escorrer
pelo rosto das mães cansadas.

Era Abril
que descia aos tropeções
pelas ladeiras da cidade.

Abril
tingindo de perfume os hospitais
e colando um verso branco em cada farda.

Era Abril
o mês imprescindível que trazia
um sonho de bagos de romã
e o ar
a saber a framboesas.

Abril
um mês de flores concretas
colocadas na espoleta do desejo
flores pesadas de seiva e cânticos azuis
um mês de flores
um mês.

Havia barcos a voltar
de parte nenhuma
em Abril
e homens que escavavam a terra
em busca da vertical.

Ardiam as palavras
Nesse mês
e foram vistos
dicionários a voar
e mulheres que se despiam abraçando
a pele das oliveiras.

Era Abril que veio e que partiu.

Abril
a deixar sementes prateadas
germinando longamente
no olhar dos meninos por haver.


José Fanha, Lisboa, Portugal
(Do livro "Tempo azul")






Vinte e Cinco de abril de 1974


 Antecedentes


Em 1974 o regime político português encontrava-se ao nível político e social praticamente esgotado. Os ventos de mudança tinham chegado a Portugal. Salazar morrera já há cinco anos. Os portugueses, aproveitando uma era de expansão económica - que viria a acabar com a subida do preço do petróleo em 1973 - já tinham deixado de comer a meia sardinha e de comprar sapatos a prestações. O número de automóveis e televisores subia em flecha. Entretanto, a guerra colonial continuava há já 13 anos, sem solução à vista, e fazendo Portugal quase figura de D. Quixote, pois todas as antigas potências coloniais haviam já promovido a independência das suas colónias. Embora o número de mortos e feridos nessas guerras não fosse elevado - cerca de 1000 a 2000 por ano -, a ida para o Exército não deixava de ser um risco. A situação nos campos também se havia modificado, com a partida de centenas de milhar de homens, "a salto" (isto é, emigrando ilegalmente), para a França, Luxemburgo e Alemanha, o que tornou os trabalhadores menos dependentes dos antigos patrões e mais conhecedores das realidades europeias. Finalmente, o primeiro-ministro da altura, o professor Marcello Caetano, era muito mais professor do que político, e não era certamente um condutor de homens. Discursava na televisão em longos monólogos, que denominou "Conversas em Família", nas quais, sem malícia, expunha as suas dúvidas: "Pensei muito e não encontrei outra solução...", disse uma vez, referindo-se à Guerra Colonial. Arrastando-se a guerra em África, como se disse, há já 13 anos, e abundando os empregos civis, escasseavam as vocações militares, pelo que o Governo teve uma ideia: e se fôssemos buscar os antigos oficiais milicianos que já tivessem cumprido uma comissão de serviço no Ultramar, lhes déssemos um curso acelerado (dois semestres na Academia Militar) e os promovêssemos a capitães? Não seria uma boa forma de colmatar a nossa falta de quadros?
A medida, entretanto, foi muito mal recebida pelos militares de carreira, que viam o seu "espaço" ser invadido pelos "paisanos". As reuniões de protesto multiplicavam-se.
Em outubro de 1973 estes decretos foram suspensos; mas os militares, como que tendo tomado o gosto à discussão dos problemas, não só não desmobilizam como começam a abordar nas suas reuniões o problema do fim da guerra e da queda do regime. Como movimento composto por militares (uma das particularidades deste movimento era, aliás, o ser constituído quase exclusivamente por capitães, os quais, devido às condições particulares da guerra em África, se haviam habituado a proceder com autonomia), escolheu para sua cúpula as mais altas chefias militares - o chefe e o vice-chefe do Estado Maior do Exército, generais Costa Gomes e António de Spínola. Embora as reuniões fossem preparadas com poucos cuidados conspirativos, e por isso não passassem despercebidas à polícia política (Direção-Geral de Segurança; herdeira da PIDE, Polícia de Informação e Defesa do Estado), esta não estava preparada para atuar numa situação deste tipo, pois sempre tinha visto os militares como seus superiores e com eles tinha colaborado na guerra de África.
Em fevereiro de 1974, António de Spínola, vice-chefe das Forças Armadas, general corajoso e estimado pelas tropas, provoca um terramoto político ao propor na sua obra "Portugal e o Futuro", que havia sido autorizado pelo seu superior hierárquico, o general Costa Gomes, uma evolução das colónias portuguesas para uma comunidade de Estados. Surpreso, o regime demite a 14 de março estes dois oficiais (bem como o almirante Bagulho) e promove uma manifestação de apoio por parte das chefias militares. Estas demissões dos chefes máximos do movimento desencadeiam, logo no dia 16, a "Revolta das Caldas"; mas o movimento, mal estruturado, resume-se à saída do Regimento das Caldas da Rainha, que, sem apoios, volta nessa mesma noite para o quartel. Mais uma vez, Marcello Caetano, com certa frouxidão, não toma as medidas necessárias e na sua última "conversa em família", a 28 de março, subestima o sucedido.
Um mês e uma semana depois sai à rua nova revolução, desta vez mais estruturada. O Governo apenas consegue opor aos revoltosos os carros de combate de Cavalaria 7. Na alvorada do dia 25 de abril, Governo e revoltosos defrontam-se no Terreiro do Paço.


A revolução


A Ditadura Militar instituída a 28 de maio de 1926 deu origem, volvidos escassa meia dúzia de anos, ao Estado Novo idealizado e gerido por Salazar. Afastado este do poder, por doença incapacitante, a chefia do governo é entregue a Marcello Caetano, que, entre outros problemas por resolver, herda uma guerra colonial em três frentes, sem solução militar à vista nem vontade política de optar por uma solução política negociada. Cansados da guerra, os militares profissionais encetam movimentações de carácter corporativo que rapidamente se transformam em reivindicações políticas, acabando por encarar como única saída o derrube do regime pela força. Será o Movimento das Forças Armadas (MFA) que irá desencadear uma revolta militar em grande escala, conseguindo derrubar o regime sem o emprego da força e sem causar vítimas. Depois de uma tentativa frustrada, protagonizada pelo Regimento de Infantaria das Caldas da Rainha, a 16 de março de 1974, o processo revolucionário acelera. Na noite de 24 para 25 de abril, duas estações de radiodifusão lançam para o ar duas canções que irão adquirir um simbolismo particular (E Depois do Adeus, interpretada por Paulo de Carvalho, que soa como uma despedida do governo marcelista, e Grândola, Vila Morena, interpretada pelo poeta banido José Afonso, um conhecido opositor do regime, canção esta que transporta uma mensagem de conteúdo democrático ao evocar a vilazinha de Grândola, onde "o povo é quem mais ordena"), desencadeando as operações militares, superiormente coordenadas pelo major Otelo Saraiva de Carvalho. Em perfeita coordenação, elementos envolvidos na conspiração tomam conta das respetivas unidades, formam colunas de voluntários, convergem para os grandes centros e ocupam todos os pontos estratégicos do país, colocando as forças fiéis ao governo em posição de desvantagem e na defensiva. Sem disparar um tiro, cobrem praticamente todo o país.
Dois momentos de tensão apenas se registam naquela primeira fase, ambos em Lisboa, ambos protagonizados por um jovem capitão de Cavalaria, Salgueiro Maia - um encontro com um destacamento de blindados obediente ao Governo, que por pouco não redunda em ação de fogo, mas que se resolve quando as tropas envolvidas se colocam às ordens de Salgueiro Maia; outro, horas mais tarde, quando o mesmo oficial manda abrir fogo sobre a parede exterior do quartel da GNR no Carmo, como forma de "persuadir" Marcello Caetano, lá refugiado, a render-se. O chefe do Governo acaba por se render ao General António de Spínola, com medo de que o poder "caísse na rua", e a tensão desce.
Só um incidente irá manchar os acontecimentos: agentes da DGS, barricados na sua sede, abrem fogo sobre manifestantes, causando alguns mortos e feridos. Apesar da sua brutalidade, não passa de um ato de desespero, não sendo sequer um ato de defesa do regime. Tal como a Monarquia a 5 de outubro de 1910 e a República a 28 de maio de 1926, um regime cai por não ter já quem o defenda e queira dar a vida por ele.
Os revoltosos fizeram sair do Quartel do Carmo o primeiro-ministro, Marcello Caetano, e o Presidente da República, Américo Thomaz, num carro de combate ("Chaimite"), a fim de os poupar à exaltação da multidão. Pouco depois seriam transferidos para a ilha da Madeira, e daí, a 20 de maio, para o Brasil, com o que a revolução criou um precedente de tolerância que iria servir, em fases posteriores, para permitir ultrapassar as dificuldades sem derramamento de sangue.
Algumas horas após a transmissão de poderes de Marcello Caetano para as mãos de Spínola, constitui-se um órgão governativo provisório, com representação de todos os ramos das Forças Armadas (a Junta de Salvação Nacional); os militares subalternos que acabavam de fazer triunfar a revolução do "Movimento dos Capitães", em nome do respeito pelas hierarquias, entregavam o poder nas mãos de oficiais generais.
Logo a 26 de abril os presos políticos (128) são libertados; Álvaro Cunhal, chegado a Lisboa, dá a sua primeira entrevista em cima de um tanque, prefigurando talvez a sua estratégia de conquista do poder ligado ao Exército; Mário Soares, secretário-geral do Partido Socialista, e outros refugiados no estrangeiro voltam também para Portugal. Os membros da polícia política são presos.
Nos meses que se irão seguir, o país assiste a uma movimentação febril sem precedentes: constituem-se partidos das mais diversas orientações, fazem-se e desfazem-se alianças, manifesta-se a força das organizações sindicais, floresce uma variadíssima imprensa livre, a vida social sofre transformações de um extremo e inesperado radicalismo; estabelecem-se relações diplomáticas com todos os países do globo; procede-se à descolonização por via negocial mas também se vive o perigo dos golpes militares de orientações diversas, surge o terrorismo como método político e o país chega a sentir-se ameaçado pela guerra civil, até que, nos finais de 1975, se alcança uma situação que permite caminhar para a estabilização de um sistema político democrático.
Nestes meses de vida política e social agitada, alguns acontecimentos marcantes assinalam as viragens sucessivas da evolução política: a manifestação pró-spinolista da "maioria silenciosa" de 28 de setembro de 1974, que conduz à renúncia de Spínola; o golpe militar spinolista de 11 de março de 1975, travado por um contra golpe, que dá início a uma fase de grande tensão (o "verão quente" ou PREC), e por fim o golpe militar lançado por forças esquerdistas em 25 de novembro de 1975, prontamente anulado por um contra golpe que instala no poder forças políticas que irão proporcionar a consolidação da democracia parlamentar.


Cravo: o símbolo da revolução


No próprio dia da revolução, uma pastelaria na Baixa preparava-se para comemorar mais um aniversário oferecendo flores a todos os clientes. A funcionária encarregada de comprá-las passou pelos militares e começou a distribuí-las - cravos vermelhos. Os soldados puseram-nos nos canos das espingardas. Esta imagem feliz de uma arma que, ainda que dispare, só irá atirar flores, foi captada por fotógrafos e adotada para cartaz largamente divulgado. O cravo tornou-se a imagem da revolução e o 25 de abril ficou conhecido (pelo menos nos seus primeiros tempos) como a "Revolução dos Cravos".

Vinte e Cinco de abril de 1974. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-04-24].


"Prince Charmant" - Poema de Florbela Espanca


Berthe Morisot, Julie Manet et son Lévrier Laerte, 1893,


Prince Charmant


No lânguido esmaecer das amorosas 
Tardes que morrem voluptuosamente 
Procurei-o no meio de toda a gente. 
Procurei-o em horas silenciosas 

Das noites da minh′alma tenebrosas! 
Boca sangrando beijos, flor que sente... 
Olhos postos num sonho, humildemente... 
Mãos cheias de violetas e de rosas... 

E nunca o encontrei!... Prince Charmant 
Como audaz cavaleiro em velhas lendas 
Virá, talvez, nas névoas da manhã! 

Ah! Toda a nossa vida anda a quimera 
Tecendo em frágeis dedos frágeis rendas... 
- Nunca se encontra aquele que se espera!... 


In Livro de Sóror Saudade, 1923 


Keen'V " Prince Charmant " - Clip Officiel


"Não costumo acreditar muito nos sonhos... porque de todos se acorda." 

Florbela Espanca, Correspondência (1930)


Berthe Morisot com um bouquet de violetas, por Edouard Manet, 1872


Berthe Morisot (Bourges, Cher, 14 de janeiro de 1841 — Paris, 2 de março de 1895) foi uma pintora impressionista francesa. 

Iniciou a sua formação com os mestres Chocarne-Moreau e Guichard e prosseguiu sob a tutela do pintor Corot. Também teve aulas de escultura com Millet
 
No ano de 1863 começou a pintar ao ar livre em Pontoise, onde conheceu os pintores Daubigny e Daumier. A esse período de intensa aprendizagem seguiram-se viagens pela Espanha e Inglaterra. 
 
Depois de conhecer Manet, posou para ele como modelo e apaixonou-se por Eugênio, irmão do pintor, com quem se casou. 
 
Depois de participar da primeira exposição dos impressionistas, em 1874, a pintora iniciou uma série de viagens de estudo pela Itália, Países Baixos e Bélgica. 
 
Suas obras foram apresentadas em 1886 em Nova Iorque, e um ano mais tarde na Exposição Internacional de Paris. 
 
A obra de Berthe Morisot representa uma reflexão afirmativa da obra de Manet, embora com pinceladas mais longas e suaves, com tendência para a verticalização, numa tentativa de organizar a composição.


Berthe Morisot, Grain field, Musée d'Orsay.


Berthe Morisot, The Harbor at Lorient, 1869,  


Berthe Morisot, On the Balcony, New York, 1872


Berthe Morisot, Reading, 1873, Cleveland Museum of Art


Berthe Morisot, Hanging the Laundry out to Dry, 1875
 

Berthe Morisot, Lady at her Toilette, 1875, The Art Institute of Chicago
 

Berthe Morisot, The Dining Room, c.1875, National Gallery of Art, Washington, DC


quinta-feira, 24 de abril de 2014

"Eu Sou Português Aqui" - Poema de José Fanha


Júlio Pomar, Café Nicola - Serigrafia



Eu Sou Português Aqui


Eu sou português
aqui
em terra e fome talhado
feito de barro e carvão
rasgado pelo vento norte
amante certo da morte
no silêncio da agressão.

Eu sou português
aqui
mas nascido deste lado
do lado de cá da vida
do lado do sofrimento
da miséria repetida
do pé descalço
do vento.

Nasci
deste lado da cidade
nesta margem
no meio da tempestade
durante o reino do medo.
Sempre a apostar na viagem
quando os frutos amargavam
e o luar sabia a azedo.

Eu sou português
aqui
no teatro mentiroso
mas afinal verdadeiro
na finta fácil
no gozo
no sorriso doloroso
no gingar dum marinheiro.

Nasci
deste lado da ternura
do coração esfarrapado
eu sou filho da aventura
da anedota
do acaso
campeão do improviso,
trago as mão sujas do sangue
que empapa a terra que piso.

Eu sou português
aqui
na brilhantina em que embrulho,
do alto da minha esquina
a conversa e a borrasca
eu sou filho do sarilho
do gesto desmesurado
nos cordéis do desenrasca.

Nasci
aqui
no mês de Abril
quando esqueci toda a saudade
e comecei a inventar
em cada gesto
a liberdade.

Nasci
aqui
ao pé do mar
duma garganta magoada no cantar.
Eu sou a festa
inacabada
quase ausente
eu sou a briga
a luta antiga
renovada
ainda urgente.

Eu sou português
aqui
o português sem mestre
mas com jeito.
Eu sou português
aqui
e trago o mês de Abril
a voar
dentro do peito.

Júlio Pomar
Retrato de Júlio Pomar por Bottelho
(Carlos Botelho ou Bottelho (Chaves, 1964) é um pintor e escultor português.)


Artista português, Júlio Pomar nasceu a 10 de janeiro de 1926, na rua das Janelas Verdes, em Lisboa. Frequentou a Escola de Artes Decorativas António Arroio e inscreveu-se aos 16 anos na ESBAL. A primeira exposição, juntamente com Vespeira, Fernando Azevedo e Pedro Oom, foi realizada num atelier da rua das Flores, e aí Almada Negreiros comprou-lhe o primeiro quadro, Saltimbancos.


Júlio Pomar, O Gadanheiro, 1945

Na Escola de Belas-Artes do Porto conhece o arquiteto e pintor Fernando Lanhas. Por esta época defende uma arte de intervenção, exemplificada em O Gadanheiro (1945) e, mais tarde, no conhecido O Almoço do Trolha, que ficaria para a História como um símbolo de uma época.



Júlio Pomar, O almoço do trolha, 1946-50, óleo sobre tela, 120 x 150 cm

Durante a prisão em Caxias, consequência da sua atividade militante, retrata o futuro presidente da república Mário Soares, na altura um companheiro de cela.


 Júlio Pomar, Retrato de Mário Soares


 Nos anos 50 é representado na Bienal de São Paulo e viaja até Espanha e França. Inicia neste período um dos seus numerosos ciclos, o "ciclo do arroz", fase em que se aproxima do chamado realismo socialista. É um dos fundadores da Cooperativa "Gravura" e é representado na Bienal de gravura de Tóquio. Trabalha ainda em cerâmica e em escultura para decoração. 
Em 1961 ganha o prémio de Pintura da Fundação Gulbenkian e começa o ciclo das Tauromaquias. Parte para Paris em 1962 como bolseiro da Gulbenkian e dois anos depois faz a sua primeira exposição individual na capital francesa. Participa em inúmeros certames internacionais, nos Estados Unidos e no Japão.



Júlio Pomar - O Luxo, 1979, Tela da série Os tigres 


 Depois da série dos Tigres, do início dos anos 80, inicia uma reflexão sobre figuras da História portuguesa: Fernando Pessoa, Luís de Camões, Mário de Sá-Carneiro, Fernão Mendes Pinto.



Júlio Pomar - Fernando Pessoa


O Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian organiza uma exposição antológica da obra do artista, apresentada em Brasília, em São Paulo e no Rio de Janeiro em 1996, e em Lisboa em 1997. Em O Paraíso e outras histórias, exposição integrada no programa de Lisboa 94 - Capital Europeia da Cultura, reúne uma série de trabalhos datados de 1991 a 1994 em que evoca cenas bíblicas e episódios mitológicos sem negligenciar o tom irónico.



Júlio Pomar - D. Quixote 


Nos anos 90 Júlio Pomar reparte o seu tempo entre Paris e Lisboa. A galeria Piltzer, na exposição "Les Joies de Vivre", patente ao público em Paris de 12 de dezembro de 1997 a 29 de janeiro de 1998, apresenta 6 trípticos e 2 quadrípticos em que os temas mitológicos, a personagem de D. Quixote ou o percurso do artista por terras brasileiras servem de pretexto para a exaltação do prazer dos sentidos. 
Para além de pintor, Pomar revelou-se como poeta na "International Poetry Magazine" em 1973, estando os seus poemas reunidos no livro Alguns Eventos, editado pela D. Quixote em 1992. Em Da Cegueira dos Pintores (edição portuguesa - 1986) publica ensaios sobre a arte e a criação.

Júlio Pomar. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-04-21].



Júlio Pomar - I



Júlio Pomar - II



domingo, 20 de abril de 2014

A Arte inspirada nas Histórias da Bíblia - "A Ressurreição de Jesus"


William Blake (1757-1827), Ressurreição - Os Anjos rolam a pedra do sepulcro



Ressurreição de Jesus 


A Ressurreição de Jesus é o nome dado à fé cristã de que Jesus Cristo retornou à vida no domingo seguinte à sexta-feira na qual ele foi crucificado. É uma doutrina central da fé e da teologia cristã e parte do Credo Niceno: "Ressuscitou dos mortos ao terceiro dia, conforme as Escrituras"



"Ressurreição", 1569-1600 por El Greco, atualmente no Museu do Prado, Madrid.


No Novo Testamento, depois dos romanos terem crucificado Jesus, ele é ungido e sepultado num túmulo novo por José de Arimateia, ressuscitou dos mortos e apareceu para muitas pessoas durante um período de quarenta dias, quando então ascendeu ao céu para se sentar à direita do Pai. Os cristãos celebram a ressurreição no Domingo de Páscoa, o terceiro dia depois da Sexta-Feira Santa, o dia da crucificação. A data da Páscoa correspondeu, a grosso modo, com a Páscoa judaica, o dia de observância dos judeus associado com o Êxodo, que é calculado como sendo a noite da primeira lua cheia depois do equinócio.


"Ressurreição de Jesus", 1619–1620 por Francesco Boneri


A história da ressurreição aparece em mais de cinco diferentes locais na Bíblia. Em diversos episódios nos evangelhos canônicos, Jesus profetiza sua morte e posterior ressurreição, que ele afirma ser o plano de Deus Pai. Os cristãos veem a ressurreição de Jesus como parte do plano de salvação e redenção através da expiação pelos pecados do homem. Estudiosos céticos questionaram a historicidade da ressurreição por séculos; por exemplo, "...o consenso académico do século XIX e início do século XX descarta as narrativas sobre a ressurreição como sendo relatos tardios e lendários". Diversos estudiosos modernos expressaram suas dúvidas sobre a historicidade dos relatos sobre a ressurreição e continuam debatendo suas origens, enquanto que outros consideram os relatos bíblicos sobre o episódio como sendo derivados das experiências dos seguidores de Jesus e, particularmente, do apóstolo Paulo. (Daqui)


Perugino, Ressurreição de Cristo, c. 1499Museus Vaticanos.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

"Música e Literatura" - Texto de Gabriel García Márquez


Rosas Amarelas


Música e Literatura 


No México, enquanto escrevia «Cem Anos de Solidão» — entre 1965 e 1966 -, só tive dois discos que se gastaram de tanto serem ouvidos: os Prelúdios de Debussy e «A hard day's night» dos Beatles. Mais tarde, quando por fim tive em Barcelona quase tantos como sempre quis, pareceu-me demasiado convencional a classificação alfabética e adotei para minha comodidade privada a ordem por instrumentos: o violoncelo, que é o meu favorito, de Vivaldi a Brahms; o violino, desde Corelli até Schõnberg; o cravo e o piano, de Bach a Bartók. Até descobrir o milagre de que tudo o que soa é música, incluídos os pratos e os talheres no lava-loiças, sempre que criem a ilusão de nos indicar por onde vai a vida.

A minha limitação era que não podia escrever com música porque prestava mais atenção ao que ouvia do que ao que escrevia, e ainda hoje assisto a muito poucos concertos porque sinto que na cadeira se estabelece uma espécie de intimidade um pouco impudica com vizinhos estranhos. No entanto, com o tempo e as possibilidades de ter boa música em casa, aprendi a escrever com um fundo musical de acordo com o que escrevo. Os noturnos de Chopin para os episódios calmos, ou os sextetos de Brahms para as tardes felizes. Em contrapartida, não tornei a ouvir Mozart durante anos, desde que me assaltou a ideia perversa de que Mozart não existe, porque quando é bom é Beethoven, e quando é mau é Haydn.

Nos anos em que evoco estas memórias, consegui o milagre de que nenhuma espécie de música me incomode para escrever, embora talvez não tenha consciência de outras virtudes, pois a maior surpresa foi-me dada por dois músicos catalães, muito jovens e atentos, que julgavam ter descoberto afinidades surpreendentes entre «O Outono do Patriarca», o meu sexto romance, e o Terceiro Concerto para Piano de Béla Bartók. É verdade que o ouvia sem piedade enquanto escrevia, porque me criava um estado de espírito muito especial e um pouco estranho, mas nunca pensei que me pudesse ter influenciado a ponto de se notar na minha escrita. Não sei como ficaram a saber daquela fraqueza os membros da Academia Sueca, que o colocaram como fundo na entrega do meu prémio. Agradeci-o do fundo da alma, como é evidente, mas se me tivessem perguntado - com toda a minha gratidão e o meu respeito por eles e por Béla Bartók — teria gostado de alguma das romanzas naturais de Francisco el Hombre das festas da minha infância.


Gabriel García Márquez, in 'Viver para Contá-la'


Gabriel García Márquez
Gabriel García Márquez


Gabriel josé García Márquez (6 de março de 1927, Aracataca - 17 de abril de 2014, Cidade do México) foi um escritor, jornalista, editor, ativista e político colombiano
Considerado um dos autores mais importantes do século XX, foi um dos escritores mais admirados e traduzidos no mundo, com mais de 40 milhões de livros vendidos em 36 idiomas.
Desde cedo deixado ao cuidado dos seus avós, um coronel na reserva, ex-combatente na guerra civil, e uma apaixonada pelas tradições orais indígenas, Gabriel García Márquez estudou na austeridade de um colégio de jesuítas.
Terminando os seus estudos secundários, ingressou no curso de Direito da Universidade de Bogotá, mas não o chegou a concluir. Fascinado pela escrita, transferiu-se para a Universidade de Cartagena, onde recebeu preparação académica em Jornalismo. Publicou o seu primeiro conto, "La Hojarasca", em 1947. No ano seguinte, deu início a uma carreira como jornalista, colaborando com inúmeras publicações sul-americanas.
No ano de 1954 foi especialmente enviado para Roma, como correspondente do jornal El Espectador mas, pouco tempo depois, o regime ditatorial colombiano encerrou a redação, o que contribuiu para que Márquez continuasse na Europa, sentindo-se mais seguro longe do seu país.
Em 1955 publicou o seu primeiro livro, uma coletânea de contos que já haviam aparecido em publicações periódicas, e que levou o título do mais famoso, La Hojarasca. Passando despercebida pelo olhar da crítica, a obra inclui contos que lidam compassivamente com a realidade rural da Colômbia.
Em 1967 publicou a sua obra mais conhecida, o romance Cien Años De Soledad (Cem Anos de Solidão), romance que se tornou num marco considerável no estilo denominado como realismo mágico na literatura latino-americana. Em El Otoño Del Patriarca (1977), Márquez conta a história de um patriarca, cuja notícia da morte origina uma autêntica luta de poder.
Uma outra obra tida entre as melhores do escritor é Crónica De Una Muerte Anunciada (1981, Crónica de uma Morte Anunciada), romance que descreve o assassinato de um homem em consequência da violação de um código de honra. Depois de El Amor En Los Tiempos De Cólera (1985, Amor em Tempos de Cólera), o autor publicou El General En Su Laberinto (1989), obra que conta a história da derradeira viagem de Simão Bolívar para jusante do Rio Magdalena. Em 2003, as Publicações D. Quixote editam, deste autor, Viver para Contá-la, um volume de memórias de Gabriel García Márquez onde o autor descreve parte da sua vida. Em 2005 foi publicada outra obra de sucesso Memoria de Mis Putas Tristes (Memória das Minhas Putas Tristes).
Gabriel García Márquez loi laureado com o Prémio Internacional Neustadt de Literatura em 1972 e com o Prémio Nobel da Literatura em 1982 pelo conjunto de sua obra, que entre outros livros inclui o aclamado Cem Anos de Solidão. 
Viajou muito pela Europa e viveu até à morte no México. Era pai do cineasta Rodrigo García.

Gabriel García Márquez. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-04-18].
Wikipédia




"Não é verdade que as pessoas param de perseguir os sonhos porque estão a ficar velhas, elas estão a ficar velhas porque pararam de os perseguir."

(Gabriel García Márquez)




“Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se.”

(Gabriel García Márquez)

 
Terceiro Concerto para Piano de Béla Bartók, II Adagio religioso




Béla Viktor János Bartók de Szuhafő (Nagyszentmiklós, 25 de março de 1881 — Nova Iorque, 26 de setembro de 1945) foi um compositor húngaro, pianista e investigador da música popular da Europa Central e do Leste. 
 

Bartók Béla, 1927


Béla Bartók é considerado um dos maiores compositores do século XX. Foi um dos fundadores da etnomusicologia e do estudo da antropologia e etnografia da música. Juntamente com seu amigo, o compositor Zoltán Kodály, percorreu cidades do interior da Hungria e Romênia, onde recolheu e anotou um grande número de canções de origem popular. Durante a Segunda Guerra Mundial, decidiu abandonar a Hungria e emigrou para os Estados Unidos. Morando em Nova Iorque, Bartók decepcionou-se com a vida americana. Havia pouco interesse pela sua obra, e suas apresentações, onde sua segunda esposa, Ditta Pásztory também participava, deram pouco retorno financeiro. Ajudado financeiramente por amigos, prosseguiu em sua carreira de compositor, sendo o sexto quarteto uma de suas últimas composições. Em 1944 sua saúde declina tanto que Bartók passa a viver no hospital, sob cuidados médicos. Apesar da sombria situação, compõe ainda o 3 °Concerto para Piano e um Concerto para Viola, que fica incompleto, ao morrer aos 64 anos, de leucemia. Entre suas principais obras estão:

Três concertos para piano (n° 1 - 1926, n° 2 - 1931, n° 3 - 1945)
Dois concertos para violino (n° 1 - 1908, n° 2 - 1938)
Concerto para orquestra (1943)
Música para Cordas, Percussão e Celesta (1936)
Seis quartetos de cordas (n° 1 - 1909, n° 2 - 1917, n° 3 - 1927, n° 4 - 1928, n° 5 - 1934, n° 6 - 1939)
Sonata para dois Pianos e Percussão (1937)
The Miraculous Mandarin, Op.19, Sz.72 (BB 82) (1926)
O Castelo de Barba-Azul (ópera, 1911)

Além de inúmeras obras para piano solo, incluindo os seis volumes didáticos do Mikrokosmos (1926-1939)


terça-feira, 15 de abril de 2014

"Contra a Morte e o Amor não há quem tenha valia" - Poema de Gil Vicente



Sir Lawrence Alma-Tadema, Primavera, 1894, óleo sobre tela, 179,2 x 80,3 cm,
J. Paul Getty Museum, Los Angeles. (Retrata o festival de Cerealia numa rua romana.)
 

Contra a Morte e o Amor 
não há quem tenha valia


 Era ainda o mês de abril, 
de maio antes um dia, 
quando lírios e rosas 
mostram mais sua alegria; 
pela noite mais serena 
que fazer o céu podia, 
quando Flérida, a formosa 
infanta, já se partia, 
ela na horta do pai 
para as árvores dizia:

“Ficai, adeus, minhas flores, 
em que glória ver soía. 
Vou-me a terras estrangeiras, 
a que ventura me guia. 
Se meu pai me for buscar, 
que grande bem me queria, 
digam-lhe que amor me leva, 
e que eu sem culpa o seguia; 
que tanto por mim porfiava 
que venceu sua porfia. 
Triste, não sei aonde vou, 
e a mim ninguém o dizia!” 

Eis que fala Dom Duardos:

“Não choreis, minha alegria, 
que nos reinos de Inglaterra 
mais claras águas havia, 
e mais formosos jardins, 
e vossos, senhora, um dia: 
tereis trezentas donzelas 
de alta genealogia, 
de prata são os palácios 
para vossa senhoria; 
de esmeraldas e jacintos, 
de ouro fino da Turquia, 
com letreiros esmaltados 
que minha vida à porfia 
vão contando, e as vivas cores 
que vós me destes no dia 
em que com Primaleão 
fortemente combatia: 
senhora, vós me matastes, 
que eu a ele não temia.” 

Os seus prantos consolava 
Flérida, que tudo ouvia; 
foram-se então às galeras 
que Dom Duardos havia: 
por cinquenta se contavam, 
todas vão em companhia. 
Ao som de seus doces remos 
a princesa se adormia 
nos braços de Dom Duardos, 
que bem já lhe pertencia. 
Saibam quantos são nascidos 
que sentença eu lhes diria: 
que contra a morte e o amor 
não há quem tenha valia.


Gil Vicente, in 'Antologia Poética'


Gil Vicente
  Estátua de Gil Vicente no Teatro Nacional D. Maria II em Lisboa.


Não há dados exatos quanto à data e local do nascimento de Gil Vicente. Contudo, e de acordo com Jacinto Prado Coelho, in Dicionário de Literatura, parece ter nascido em Guimarães por volta de 1465. Por outro lado, também não há dados absolutos que possam confirmar a teoria de alguns estudiosos que defendem que este Gil Vicente, "poeta dramático", seja o ourives da rainha D. Leonor, autor da célebre e riquíssima custódia de Belém. A coincidência do nome e a contemporaneidade de ambos apontam, todavia, para esta possibilidade.
Embora desde sempre tenham existido tentativas no sentido de atribuir a este autor uma grande cultura, não está comprovado que este tenha frequentado a universidade e aprendido o latim do Renascimento. Porém, pode afirmar-se que era detentor de um espírito conhecedor, dominando bem, enquanto católico e músico, a poesia litúrgica latina. Também o conhecimento do castelhano lhe franqueou as portas da cultura religiosa e profana.
A transmissão da sua obra confrontou-se com dificuldades várias. Inicialmente, os seus autos eram divulgados à medida que iam sendo escritos, em folhas soltas. Na verdade, Gil Vicente iniciou o trabalho de compilação das suas obras completas, mas, antes de morrer, apenas foi capaz de reunir algumas das folhas e manuscritos e de redigir a dedicatória ao rei D. João III. Assim, esta compilação só foi concluída e impressa, em 1561-1562, pelo seu filho Luís Vicente, já não conseguindo escapar à "mão inquisitorial" estabelecida em Portugal em 1536, ano provável da morte do autor. Na verdade, o Index de 1551 refere já sete autos vicentinos que ou foram totalmente censurados ou autorizados depois de expurgados. Em 1561-1562, quando Luís Vicente edita as obras completas de seu pai, a censura do Tribunal do Santo Ofício parece ter sido um pouco mais branda e o Index de 1564 não refere nenhuma obra vicentina. Segundo Jacinto Prado Coelho, in obra citada, "é difícil não reconhecer a influência da Rainha D. Catarina, de quem Paula Vicente, filha do poeta, era 'moça de câmara'",considerando assim que aquela terá influenciado a alteração de critérios de censura subjacente à elaboração do Index de 1564.
Apesar da alegada influência real, esta compilação de 1561-1562 parece, contudo, dever muito à autenticidade, conforme podemos concluir pela comparação feita com a única folha volante do tempo de Gil Vicente, hoje conservada. Este estudo comparativo, infelizmente, permite aferir a mutilação da obra vicentina, pois o próprio filho do poeta parece ter confessado que se lhe arrogou a missão de "purar" os textos que recolhera, fazendo cedências imperdoáveis à censura. Aliás, esta benevolência inquisitorial foi "sol de pouca dura", como provam os graves atentados feitos à obra, no Index de 1581.
Considerado o "pai" do teatro português, Gil Vicente já tivera contacto, em Portugal, com representações litúrgicas, por altura do Natal e da Páscoa, e com algum repertório cómico de "feição improvisada e não literária", como os aristocráticos e cortesãos, considerados como as primeiras manifestações teatrais em Portugal.
Autor de uma obra variada, que ele próprio divide em comédias, farsas e moralidades, Gil Vicente não teve apenas preocupações de realização literária. De facto, e de acordo com J. P. Coelho, in História de Literatura, na sua obra "palpita de modo espantosamente vivo a sociedade portuguesa do primeiro terço do século XVI, com as suas classes, os seus vícios, os seus impulsos intelectuais e religiosos", a qual critica através da sátira, partindo da máxima latina ridendo castigat mores.
A sua crítica é profundamente mordaz, apresentando clérigos sem vocação, escudeiros parasitas e ociosos, fidalgos corruptos e vaidosos, profissões liberais que assentam na exploração das camadas populares, alcoviteiras que atuam sem escrúpulos para defenderem os seus interesses, e até o povo humilde que, passivamente, se deixa explorar pelos cobradores e frades. Não criando personagens que correspondam a indivíduos específicos, o teatro vicentino cria antes personagens que caracteriza como tipos sociais e "que funcionam apenas como símbolo de uma classe ou de um grupo social ou profissional". Na verdade, o que mais lhe interessa são os casos sociais que melhor lhe permitem fazer a sátira de costumes.

Gil Vicente. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-04-15].


Sir Lawrence Alma-Tadema
  Lawrence Alma-Tadema, Self-Portrait, 1896, Uffizi Gallery


Sir Lawrence Alma-Tadema, Silver Favourites, 1903


Sir Lawrence Alma-Tadema, Unconscious Rivals, 1893
 
 
Sir Lawrence Alma-Tadema, As rosas de Heliogábalo (The Roses of Heliogabalus),1888


As Rosas de Heliogábalo (The Roses of Heliogabalus) é uma pintura de Sir Lawrence Alma-Tadema (Dronrijp, 8 de janeiro de 1836 - Wiesbaden, 26 de junho de 1912), um artista holandês que viveu na Inglaterra e que foi um dos mais proeminentes pintores e desenhistas do neoclassicismo europeu
A obra foi baseada num episódio inventado retirado da Historia Augusta, onde o imperador romano Heliogábalo (204-222) é retratado assistindo a uma tentativa de sufocar seus convidados com uma enorme quantidade de pétalas de rosa que caíam de um teto falso durante um jantar. No primeiro plano da pintura, o destaque são os convidados reclinados, cobertos com pétalas. Ao fundo, Heliogábalo é visível com um manto e uma coroa de ouro, junto com sua mãe Julia Soemia. Atrás deles, há um tocador de flauta (tíbia) e uma estátua de Dionísio.
Em suas notas em Historia Augusta, Thayer diz que "Nero fez o mesmo (Suetônio, Nero, xxxi), e um teto falso similar é descrito na casa de Trimalchio no Satíricon, lx."
A tela mede 214 cm por 132 cm. (daqui)