sexta-feira, 11 de agosto de 2023

"Mar Português" - Poema de Fernando Pessoa


José Malhoa (Pintor, desenhista e professor português, 1855–1933),
"O sonho do Infante" (Infante D. Henrique), 1905

Real Gabinete Português de Leitura.
 
 

Mar Português

X

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

s.d.

Fernando Pessoa
, in Mensagem.
Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934
(Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972)

 

Gil Eanes
, A dobra do Cabo Bojador em 1434, 
um importante marco dos Descobrimentos Portugueses.
 
 
 
Gil Eanes dobra o cabo Bojador (ver aqui)
 
Nas viagens para descobrir a costa ocidental africana os marinheiros enfrentaram lendas fabulosas e um mar tenebroso. Acreditavam que o Bojador era o fim do mundo. Mas o Infante D. Henrique estava convencido do contrário e Gil Eanes dobrou a barreira do medo, em 1434.

Gil Eanes nasceu em Lagos e habituou-se a ver o mar e a navegar nele. Estava longe de saber que um dia teria ousadia para desafiar medos e ficar na história dos Descobrimentos. Sendo navegador da Casa do Infante, em 1433 recebeu de D. Henrique a capitania de uma barca com o objetivo de dobrar o cabo que marcava o limite conhecido da costa ocidental africana. Partiu, chegou às ilhas Canárias onde fez alguns cativos, e regressou ao reino sem alcançar o Bojador, o grande obstáculo da navegação para sul.
 
Com o conhecimento, os meios e os instrumentos disponíveis na altura, a tarefa não seria assim tão simples: o cabo, rodeado de recifes e envolto quase sempre em nevoeiro, parecia aos olhos dos navegadores, quer cristãos quer muçulmanos, intransponível. O mundo conhecido acabava ali, naquelas águas ferventes habitadas por monstros marinhos, como rezavam as lendas. Muitos marinheiros arriscaram a perigosa viagem e falharam sempre. Diz-nos o historiador Damião Peres, com base numa carta régia do século XV, que ter-se-iam realizado 15 tentativas em 12 anos, nenhuma capaz de vencer o Bojador. Até 1434.

O Infante D. Henrique estava convencido que o mundo não acabava ali e incitou Gil Eanes a fazer-se de novo ao mar . “Daquela viagem – escreve o cronista Gomes Eanes de Zuraramenosprezando todo o perigo, dobrou o cabo a além, onde achou as cousas muito pelo contrário do que ele e os outros até ali presumiam”. O escudeiro do infante dobrou o cabo e navegou algumas milhas além do Bojador, até angra dos Ruivos, comprovando a teoria do terceiro filho do rei de Portugal. Ao invés de monstros encontrou uma terra desolada e deserta e, como prova de que ali tinha chegado, colheu algumas rosas silvestres que trouxe consigo, as rosas de Santa Maria (Echeveria).

Esta boa nova permitiu que os portugueses continuassem a escrever a epopeia dos descobrimentos marítimos. Um ano depois, Gil Eanes e Afonso Gonçalves Baldaia navegaram mais para sul, passaram o trópico de Câncer e chegaram ao que se presumia ser o rio do Ouro. Todos os detalhes das viagens eram devidamente anotados, o que se via dia e noite era informação vital para guiar futuros navegadores nos ventos e correntes dos novos mares. Ainda hoje os registos dos pilotos do século XV são uma referência no mundo. (daqui)
 
 
Nuno Gonçalves (Pintor português, c. 1420 - c. 1490),
 Infante D. Henrique (1394 - 1460), c. 1470 (detalhe).
 

Infante D. Henrique
 
Filho do rei João I e de D. Filipa de Lencastre, o Infante D. Henrique nasceu na cidade do Porto a 4 de março de 1394 e faleceu a 13 de novembro de 1460.

Ficou conhecido por o Navegador, mas foi-o de terra firme. O seu epíteto advém da forma como protegeu e instigou as primeiras viagens expansionistas, ficando para sempre ligado a este glorioso período da História de Portugal, sendo decisiva a sua ação no Norte de África e no Atlântico.

A sua obra já era de então conhecida na Europa, como atesta uma carta escrita pelo sábio italiano Poggio Bracciolini ao Infante, em 1448-1449. O letrado italiano compara os seus feitos aos de Alexandre, o Grande, ou aos de Júlio César, enaltecendo-os ainda mais por serem conquistas de locais desconhecidos de toda a Humanidade.

D. Henrique era um homem muito poderoso, como o atesta o título de Infante, que usava em detrimento de duque. Seguindo a tradição da época, recebeu uma educação exemplar, mas profundamente religiosa. A sua moral enquadra-se dentro do moralismo puritano inglês, que se revela também nos escritos de seu pai e de seus irmãos, preocupados em emitir juízos morais e em dar conselhos. Também ele deixou conselhos escritos e um breve tratado de teologia.

De entre os inúmeros cargos que exerceu foi "protetor" da Universidade de Lisboa, isto é, o procurador da instituição junto do rei, cargo de grande prestígio atribuído pelos reis apenas a figuras de grande importância social. Da sua ação dentro da Universidade destaca-se a renda que concedeu ao curso de Teologia. Fica ainda a dúvida sobre uma provável instituição da cadeira de Matemática ou de Astronomia, atribuição ligada a toda a mitologia criada em torno da sua pessoa.

Na verdade, o seu interesse pela navegação terá permitido patrocinar uma escola de cartografia, trazendo de Maiorca um judeu chamado Jaime, conhecedor da ciência. Contudo, nada aponta ainda para o uso de instrumentos de navegação astronómica e para a invenção da carta plana, instrumentos depois necessários nas navegações atlânticas, nem para a existência de uma grande escola em Sagres. Tudo isto faz parte da auréola que se foi criando à sua volta.

De facto, aquilo que sabemos desta personagem enigmática foi-nos deixado por Gomes Eanes de Zurara, na Crónica da Guiné, onde o Infante é exaltado de forma quase sobrenatural ("príncipe pouco menos que divinal"). O cronista traça o seu retrato psicológico dando grande ênfase às suas qualidades virtuosas e pias, como a castidade e o facto de não beber vinho. Segundo o seu relato, D. Henrique não era avarento, era um trabalhador aplicado, que para dedicar o tempo necessário aos seus projetos suprimia as horas de repouso noturno. O seu feitio obstinado revela-se na teimosia em manter Ceuta, ainda que o preço a pagar tenha sido a liberdade do seu irmão, D. Fernando, depois cognominado popularmente de "Infante Santo".

A D. Henrique se devem feitos como a tomada de Ceuta em parceria com seu pai e irmãos, embora também tenha participado no desastre de Tânger; a armada das Canárias; a guerra que os seus navios faziam aos infiéis, principalmente piratas; o povoamento das "descobertas" ilhas Atlânticas, particularmente notável na Madeira. Foi ele quem mandou vir da Sicília a cana-de-açúcar e os "técnicos" para supervisionarem o seu cultivo e a sua transformação, fazendo da Madeira uma importante região produtora de açúcar.

A sua figura foi guindada à galeria dos heróis nacionais entre finais do século XIX e princípios do século XX, inserindo-se numa corrente nacionalista que desejava "reaportuguesar" Portugal. Aquando do centenário do seu nascimento, a cidade do Porto, liderada pela voz de Joaquim de Vasconcelos, tomou a iniciativa das comemorações de forma a rivalizar com a celebração lisboeta do centenário de Camões. A ideia era equiparar o espírito da cidade à coragem, energia e iniciativa do Príncipe Navegador, erguendo-lhe uma estátua e atribuindo o seu nome a uma rua. Este mesmo espírito nacionalista levou a que muitos artistas o retratassem e o esculpissem, ou que a ele dedicassem obras, como a de Manuel Barradas, segundo o qual o "Infante fora grande por ser a encarnação fanática de uma ideia".

Outro facto que contribuiu para a sua notabilidade foi a divulgação, por Joaquim de Vasconcelos, dos painéis de São Vicente de Fora, atribuídos a Nuno Gonçalves, onde o artista português Columbano identificara uma das personagens como sendo o Infante. O homem do chapeirão aparece também no manuscrito da Crónica da Guiné, de Zurara, conservado na Biblioteca de Paris, o que reforça esta ideia. Assim, o Infante D. Henrique passa a ser uma das personagens de eleição do nacionalismo português, que dominou durante o Estado Novo, representando a coragem, o dinamismo e o espírito empreendedor do povo português. (daqui)

 

  “Eu tenho um sonho de que os meus quatro filhos pequenos um dia viverão numa nação onde não serão julgados pela cor de pele, mas pelo seu caráter”. (Ver aqui)
 

Martin Luther King (1929 –1968), Nobel da Paz em 1964, in "Eu Tenho um Sonho"
 ("I Have a Dream") - Discurso público no dia 28 de agosto de 1963.


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