sexta-feira, 18 de agosto de 2023

"Ámen" - Poema de José Agostinho Baptista


Albert Edelfelt (Finnish-Swedish painter, 1854-1905), Women Outside the Church at Ruokolahti
or Women of Ruokolahti on the Church Hill, 1887, AteneumHelsinki.
 


Ámen


Em círculo,
estão os círios e as candeias,
nas aldeias de novembro elas também estão
em círculo,
as mães que fecham a escuridão.
Às vezes a neve cai sobre as palavras que
os anjos aprenderam no bosque noturno e
então abre-se como um livro a casa de luzes
vermelhas,
acendendo, num porto antigo, os olhos
profundos do abismo e da desolação.
Rezamos em silêncio e os sinos dobram e
na curva da colina
já se avista o cortejo da música.

Não podemos entrar.
Não há lugar aqui para as rosas do pai,
inúteis, magoadas pelo furor das nossas mãos.
A mortalha arrefece.
Arrefecem longamente as estrelas que um
dia vi sobre os jardins. Sem regresso
estão os cisnes parados, quando a neve cai. 


José Agostinho Baptista,
in "Agora e na Hora da Nossa Morte".
Assítio & Alvim, edição/reimpressão: 04-1998.
 
["Agora e na Hora da Nossa Morte" é um livro-duelo com Deus. José Agostinho Baptista escreveu-o secretamente enquanto assistia à morte de uma pessoa amada. Nunca a sua poesia foi tão arriscada e íntima.] (daqui)

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