Terreiro do Paço e o Palácio Real da Ribeira, no início do século XVIII, antes da sua destruição
no Terramoto de Lisboa de 1755. (Autor desconhecido)
O Poema sobre o Desastre de Lisboa
Ó infelizes mortais! Ó deplorável terra!
Ó agregado horrendo que a todos os mortais encerra!
Exercício eterno que inúteis dores mantém!
Filósofos iludidos que bradais «Tudo está bem»;
Acorrei, contemplai estas ruínas malfadadas,
Estes escombros, estes despojos, estas cinzas desgraçadas,
Estas mulheres, estes infantes uns nos outros amontoados
Estes membros dispersos sob estes mármores quebrados
Cem mil desafortunados que a terra devora,
Os quais, sangrando, despedaçados, e palpitantes embora,
Enterrados com seus tetos terminam sem assistência
No horror dos tormentos sua lamentosa existência!
Aos gritos balbuciados por suas vozes expirantes,
Ao espetáculo medonho de suas cinzas fumegantes,
Direis vós: «Eis das eternas leis o cumprimento,
Quem de um Deus livre e bom requer o discernimento?»
Direis vós, perante tal amontoado de vítimas:
«Deus vingou-se, a morte deles é o preço de seus crimes»?
Que crime, que falta comentaram estes infantes
Sobre o seio materno esmagados e sangrantes?
Lisboa, que não é mais, teve ela mais vícios
Que Londres, que Paris, mergulhadas nas delícias?
Lisboa está arruinada e dança-se em Paris.
(…)
Ide interrogar as margens do Tejo;
Revolvei os escombros deste sangrento despejo;
Perguntai aos moribundos, nesta morada de pavor,
Se é o orgulho quem clama: «Ajudai-me, Senhor!
Ó céus, tende piedade do humano fadário!»
«Tudo está bem», dizeis vós, «e tudo é necessário.»
Mas quê! O Universo inteiro, sem este abismo infernal,
Sem engolir Lisboa, teria estado em maior mal?
Revolvei os escombros deste sangrento despejo;
Perguntai aos moribundos, nesta morada de pavor,
Se é o orgulho quem clama: «Ajudai-me, Senhor!
Ó céus, tende piedade do humano fadário!»
«Tudo está bem», dizeis vós, «e tudo é necessário.»
Mas quê! O Universo inteiro, sem este abismo infernal,
Sem engolir Lisboa, teria estado em maior mal?
(…)
Não, não ostenteis mais a meu coração alterado
Essas imutáveis leis da necessidade,
Essa cadeia dos corpos, dos espíritos, e dos mundos.
Ó sonhos de sábios! Ó desvarios profundos!
Deus tem na mão a corrente, e não está acorrentado;
Por sua escolha benévola tudo é determinado:
Ele é livre, ele é justo, e não é implacável.
Porque sofremos então com um amo justo e amável?
(…)
Não, não ostenteis mais a meu coração alterado
Essas imutáveis leis da necessidade,
Essa cadeia dos corpos, dos espíritos, e dos mundos.
Ó sonhos de sábios! Ó desvarios profundos!
Deus tem na mão a corrente, e não está acorrentado;
Por sua escolha benévola tudo é determinado:
Ele é livre, ele é justo, e não é implacável.
Porque sofremos então com um amo justo e amável?
(…)
Elementos, animais, humanos, tudo está em guerra.
Há que reconhecê-lo, o “mal” está sobre a terra:
Seu princípio secreto não nos é de todo conhecido.
Do autor de todo o bem, terá o mal decorrido?
(…)
Um Deus veio consolar a nossa raça alarmada;
Visitou a terra, mas não a mudou em nada!
Diz-nos um sofista arrogante que ele o não pôde fazer:
«Ele poderia», diz outro, «mas havia de o querer:
Querê-lo-ia, sem dúvida;» e, enquanto se apregoa,
Há trovões subterrâneos que vão engolindo Lisboa,
E de trinta cidades dispersam os lambris,
Das margens sangrentas do Tejo até ao mar de Cádis.
Ou o homem nasceu culpado, e Deus pune sua raça,
Ou esse senhor absoluto do ser e do espaço,
Sem furor, sem piedade, tranquilo, indiferente,
De seus primeiros decretos segue a eterna torrente;
Ou a matéria informe, a seu mestre rebelde,
Transporta consigo defeitos tão necessários quanto ela;
Ou Deus nos põe à prova, e esta estadia mortal
Não é senão uma passagem estreita para um mundo eternal.
Aqui experimentamos dores transitórias:
Falecer é um bem que termina as nossas misérias.
Mas quando por fim sairmos desta passagem de agruras,
Qual de nós pretenderá merecer colher venturas?
(…)
Leibniz nunca me ensina por que nós invisíveis,
No mais bem ordenado dos universos possíveis,
Uma desordem eterna, um caos de infelicidades,
A nossos vãos prazeres mistura certas dores que são verdades,
Nem por que é que o inocente, tal como o culpado,
Sofre do mesmo modo este mal desgraçado.
Também não concebo como tudo estaria bem:
Sou como um médico; infelizmente nada sei.
(…)
“Um dia tudo estará bem”, eis aí a nossa esperança;
“Tudo está bem hoje em dia”, eis aqui a ilusão.
(…)
Outrora um califa, chegado à hora em que se falece,
Ao deus que adorava disse então como prece:
«Trago-te, ó único rei, único ser sem limitação,
Tudo o que não possuis na tua imensidão,
Os defeitos, os remorsos, os males e a ignorância.»
Mas poderia haver acrescentado ainda “a esperança”.
Voltaire,
"Poème sur le désastre de Lisbonne", 1756.
Excerto da editora Frenesi Livros, 2005,
Tradução de Jorge P. Pires. (daqui)
Terramoto de 1755 e Reconstrução Pombalina
Na manhã de 1 de novembro, dia de Todos os Santos, ocorreu um violento terramoto em Lisboa, Setúbal e no Algarve.
Na
capital, onde se fez sentir mais intensamente - estudos posteriores
levaram os geólogos a concluir que teria atingido uma intensidade de
cerca de 9 graus na escala de Richter
- foi acompanhado por um maremoto que varreu o Terreiro do Paço e por
um gigantesco incêndio que, durante 6 dias, completou o cenário de
destruição de toda a Baixa de Lisboa.
Este trágico acontecimento foi tema de uma vasta literatura, que se desenvolveu um pouco por toda a Europa e de que é exemplo o poema de Voltaire "Le Désastre de Lisbonne" (1756).
Lisboa
já havia sentido alguns terramotos, como o de 1724 e o de 1750, este
último precisamente no dia da morte de João V, mas ambos de
consequências menores. Em 1755, ruíram importantes edifícios, como o
Teatro da Ópera, o palácio do duque de Cadaval,
o palácio real e o Arquivo da Torre do Tombo, cujos documentos foram
salvos, o mesmo não acontecendo com as bibliotecas dos Dominicanos e dos
Franciscanos. Ao todo, terão sido destruídos cerca de 10 000 edifícios e
terão morrido entre 12 000 a 15 000 pessoas.Foi neste contexto de tragédia e confusão que Sebastião José de Carvalho e Melo, então secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, revelou as suas grandes capacidades de chefia e organização ao encarregar-se da restituição da ordem; enquanto as pessoas influentes e a própria família real se afastavam de Lisboa, Sebastião José de Carvalho e Melo (o Marquês de Pombal) passou à prática a política de enterrar os mortos e cuidar dos vivos. Impediu a fuga da população ao providenciar socorros e distribuir alimentos. Puniu severamente os que se dedicavam ao roubo de habitações e de imediato começou a pensar na reconstrução de Lisboa.
Nesse mesmo ano, Manuel da Maia, engenheiro-mor do reino, já se encontrava a estudar o problema da reconstrução e levantava a questão de construir uma nova cidade sobre os escombros da antiga ou construir uma nova cidade em Belém, zona menos sujeita a abalos sísmicos. Escolhida a primeira das soluções, foi adotado um modelo em que eram proibidas as obras de iniciativa particular; os proprietários dos terrenos foram obrigados a reconstruir segundo o plano geral num espaço de 5 anos, sob pena de serem obrigados a vender os terrenos.
De um total de 6 plantas traçadas pelos colaboradores de Manuel da Maia, a escolhida foi a de Eugénio dos Santos, arquiteto do Senado da cidade, que chefiou os trabalhos até 1760, altura em que faleceu e foi substituído por Carlos Mardel, arquiteto húngaro imigrado em Portugal.
A
cidade medieval de ruas estreitas deu lugar a um traçado racional de
linhas retilíneas em que os prédios têm todos a mesma altura. De toda a
cidade pombalina, assim designada por ter resultado da iniciativa do
marquês de Pombal,
destaca-se a praça do Comércio, majestosa "sala de entrada" na cidade,
com a estátua equestre de José I, monarca da altura, da autoria do
escultor Machado de Castro. (daqui)
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