terça-feira, 31 de outubro de 2023

"Poente" - Poema de Alves Redol


Mota Urgeiro (Pintor português, n. 1946), Igreja de Santa Cruz, Santarém, s.d.
 
 

Poente



Final de dia, sereno, tropical.
Laivos rubros no azul do firmamento...
E o Sol lança um beijo maternal
Sobre a Terra – um beijo a seu contento.

Passam negras levando o seu bornal,
Como se fossem levadas pelo vento,
E pirogas, temendo o vendaval,
Atravessam a baía num momento.

A ilha de palhotas e palmeiras,
Junto à ponte, a água em cachoeiras,
Tudo isto, para mim era fatal...

Olhava o mar cheio de ansiedade...
Ia com ele a mais triste saudade:
- A saudade de meus Pais, de Portugal.
 
29 novembro de 1931

Alves Redol
, in Vida Ribatejana


 
 
 
“Querem muitos que o tempo passe, depressa, depressa, e um dia descobrem que o tempo os devorou, sorna e galanteador, nessa luta desigual entre o finito de cada um e o infinito do mundo onde temos a ilusão de mandar no tempo, talvez porque damos corda aos relógios e decidimos se a hora atrasa ou adianta.” 

Alves Redol, in "O Muro Branco", Editorial Caminho, abril de 1997‧
 

Alves Redol, fotografado por San Payo em 1950.
 

Alves Redol

 
Escritor português, natural de Vila Franca de Xira, António Alves Redol nasceu a 29 de dezembro de 1911 e faleceu 29 de novembro de 1969.
Figura central do Neorrealismo português, foi autor de uma vasta obra ficcional, que inclui o teatro e o conto.
Filho de um pequeno comerciante ribatejano, obteve um curso comercial e, cedo, teve de se iniciar no mundo do trabalho. Ainda jovem, partiu para Angola à procura de melhores condições de trabalho, mas lá conheceu a pobreza e o desemprego.
De regresso a Portugal, à capital, desenvolveu várias atividades profissionais e enveredou nos meandros da oposição ao Estado Novo ingressando no Partido Comunista.
De início, tornou-se colaborador do jornal O Diabo, mas a sua veia literária acabaria por se manifestar em 1939.
Empenhado na luta de resistência ao regime salazarista, compreendeu a literatura como forma de intervenção social e, nesse mesmo ano, surgiu o seu primeiro romance, Gaibéus, cujo assunto, relacionado com problemas sócio-económicos vividos pelos ceifeiros, fez desta obra o marco do aparecimento do Neorrealismo.
A sua literatura não se caracteriza pela escrita de histórias ficcionadas, mas essencialmente pela abordagem da realidade social e de experiências vividas.
Ao longo de uma longa e coerente produção literária, Alves Redol trouxe para o romance personagens, temas e situações, ignorados pela literatura, postura que lhe valeu, simultaneamente, o êxito junto de um grande público e o ataque impiedoso da crítica, que apontava como deficiências de escrita a linguagem simples da sua prosa e o esquematismo das tramas romanescas.
Acusações que pareciam corroboradas pela despretensão e modéstia literárias manifestadas pelo autor nas epígrafes das suas obras, como sucede em Gaibéus, precedido do aviso de que "Este romance não pretende ficar na literatura como obra de arte. Quer ser, antes de tudo, um documentário humano fixado no Ribatejo. Depois disso, será o que os outros entenderem".
No prefácio a Barranco de Cegos (Lisboa, 1970), Mário Dionísio compara o destino da obra de Redol ao dos romances de Zola, que ao escolher temas malditos como o operariado e os conflitos sociais, recebeu durante anos a aversão dos críticos, até ser redescoberto em leituras inovadoras que revelaram a estrutura épica dos seus romances e a reformulação de mitos contemporâneos nessa prosa chocante, intensa, por momentos quase surrealista.
De entre a sua obra destacam-se Gaibéus (1939), Fanga (1943), a trilogia do Ciclo Port-Wine (1949-1953) e Barranco de Cegos (1962), porventura o seu romance mais conseguido.
Escreveu também as peças de teatro Forja (1948) e O Destino Morreu de Repente (1967). (daqui)
 

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