sexta-feira, 20 de outubro de 2023

"São Jorge na Penumbra" - Poema de Carlos Drummond de Andrade


 Raphael (Italian painter and architect of the High Renaissance, 1483 – 1520),
Saint George and the Dragon
, 1505, National Gallery of Art, Washington, D.C.




São Jorge na Penumbra 


 
São Jorge imenso espera o cavalo
que ainda não foi arreado,
ainda não foi raspado,
ainda não foi escolhido
entre os vinte melhores da redondeza.

São Jorge fora de altar
(não cabe nele)
espera o dia da procissão
em canto discreto da Matriz.

São Jorge é meu espanto.
Ainda não vi santo montado.
Santos naturalmente andam a pé,
atravessam rios a vau e a pé,
fazem milagres a pé.
Usam sandálias
de luz e poeira como os deuses
da gravura.
São Jorge usa botas como os fazendeiros
de minha terra.

E não é fazendeiro. São botas de guerra.
São Jorge mata o dragão. Mata os inimigos
de Deus na bacia do Rio Doce?
Fica longamente na penumbra
esperando cavalo e procissão
só um dia no ano: ele é São Jorge
mesmo.
No mais, uma espera colossal.
 

Carlos Drummond de Andrade, Boitempo II. 4.ed.
Rio de Janeiro: Record, 1998, p. 102.



Gustave Moreau (French artist and an important figure in the Symbolist movement,
 1826–1898), Saint George and the Dragon, c. 1889-1890, National Gallery.
 
 
S. Jorge e o Dragão

 
A história mais conhecida de S. Jorge (Jorge da Capadócia) tem a ver com a morte de um dragão terrível que existia em Silene, na Líbia. Para acalmar a fúria do dragão, os habitantes ofereciam ao monstro duas ovelhas por dia. A certa altura, o dragão tornou-se mais exigente e reclamou um sacrifício humano. A escolha aleatória recaiu sobre a filha única do rei da Líbia.
Nesse momento trágico, S. Jorge apareceu, oferecendo-se para lutar com o dragão e libertar a cidade daquele terrível jugo. Montou o seu cavalo e com uma lança feriu o dragão. Trazendo-o preso para a cidade, matou-o perante todos os habitantes, depois de exigir em troca a sua conversão ao cristianismo.

Existe outra versão da lenda, reclamada pelos habitantes de S. Jorge, perto de Aljubarrota, que conta que S. Jorge era um oficial romano que estava aquartelado naquela região. Tinha por costume mandar os seus soldados dar de beber aos cavalos na "Fonte dos Vales", no ribeiro da mata. Porém, no momento em que os cavalos bebiam, por vezes surgia da fonte um dragão que os devorava. Os soldados, com medo de serem também mortos, recusavam-se a lá voltar. Para acabar com este martírio, S. Jorge dirigiu-se à fonte, deu de beber ao seu cavalo e quando o dragão surgiu, matou-o com a sua lança. (daqui)
 

Gustave Moreau, Self-portrait, 1850. Oil on canvas, 41 x 32 cm,
Musée National Gustave-Moreau, Paris.


Gustave Moreau
 
Gustave Moreau, pintor francês, filho de um arquiteto nasceu no ano de 1826, em Paris. Estudou na École de Beaux Arts da mesma cidade, tendo sido aluno de Picot e de Théodore Chassériau. 
Lecionou posteriormente na dita escola, entre 1892 e 1898, devido à morte do seu amigo Élie Delaunay, procurando enquanto mestre incentivar a originalidade dos alunos. Entre estes últimos contam-se figuras tão relevantes como Georges Rouault e Henri Matisse. 
O seu estilo é marcado pelo misticismo, por uma preferência por temas relacionados com a Antiguidade e por obras renascentistas italianas (que não é estranha à sua estadia em Itália enquanto estudante, mais propriamente na cidade de Roma, entre 1857 e 1859 e na companhia de Degas e Puvis de Chavannes), temas estes dotados de potencial emocional, expressivo e narrativo. É também patente na sua obra a influência do tratamento de paisagem de Leonardo da Vinci e das figuras de Ingres. 
A envolvência presente nos seus quadros, conseguida através da ocupação intensa da superfície por técnicas pictóricas tão variadas como o empastamento e o arranhar, aliada à liberdade imaginativa que proporcionavam temas como Hércules e a Hidra (1876), Édipo e a Esfinge (1864) e Salomé (c. 1876). 
As suas obras foram expostas em eventos como o Salon de 1876 e, em 1886, na Goupil Gallery, em Paris. Esta foi a última exposição dos seus trabalhos, onde apresentou sessenta e cinco ilustrações das fábulas de La Fontaine. 
Pela fuga aos temas quotidianos preferidos pelos impressionistas, por exemplo, e pelo intenso apelo à imaginação, à emoção e aos sentidos presente nas suas pinturas, tornou-se uma das figuras de inspiração para os simbolistas, juntamente com Mallarmé e Odilon Redon, chegando inclusivamente a fazer parte de alguns grupos desta tendência enquanto membro honorífico.
Grande parte do acervo das suas obras e dos objetos que lhe pertenceram encontram-se no Musée Gustave Moreau, em Paris. (daqui)
 

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